Ilha de Komo votada ao esquecimento

A ilha de Komo, considerada como um dos símbolos da luta armada desencadeada pelo PAIGC, está votada ao esquecimento total durante todos estes anos e os populares desta localidade vivem ao Deus dará e longe de sentir os ventos de mudança.

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Foi nesta zona que os antigos combatentes travaram uma batalha renhida contra as tropas portugueses no início do ano de 1964, batalha que durou 72 horas. A intenção dos militares colonialistas era recuperar esta ilha devido à sua localização geográfica e estratégica, facto que a guerrilha do PAIGC percebeu, tendo oferecido uma resistência tenaz que ceifou centenas de vidas de homens e mulheres. Segundo relato de testemunhas, as tropas portuguesas, mesmo com armamento mais sofisticado, foram repelidos e impedidos de apoderar-se daquela base pelos homens de Amílcar Cabral.

Foi esta determinação e coragem patenteadas pelos antigos combatentes que levou a batalha de Komo a ser considerada como marca da revolução desencadeada pelo PAIGC. Dada a intensidade da batalha, os guerrilheiros só conseguiam cozinhar no período da noite, caso contrário sofreriam ataques do inimigo.

Passados 46 anos da independência, a ilha de Komo transformou-se numa zona mais difícil de acesso devido ao crescente nível de degradação das estradas e falta de meios de transportes, neste caso, de canoas.

O Estado da Guiné, terminada a luta armada, nada tem feito para esses populares que vivem naquela ilha, a começar pela falta de infraestruturas administrativas (Comité de Estado, centros de saúde, esquadra, escolas, entre outros), sem falar da justiça.

Na ausência de tribunais, são os polícias que praticam atos de justiça ou responsáveis administrativos, segundo o que a equipa de reportagem constatou no terreno.

Para além desta situação reportada, um outro problema que mais preocupa as pessoas que vivem na localidade tem a ver com o centro de saúde que não dispõe de capacidade para responder a um maior leque de enfermidades existentes. Perante esta situação, os doentes são evacuados em macas improvisadas daquela ilha para Catió facto que, muitas vezes, provoca a morte de pacientes antes de chegarem ao hospital regional.

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Segundo dados recolhidos, o Setor de Komo é composto por três secções e a população é estimada em cerca de nove mil.

Os repórteres do jornal “Nô Pintcha”, ANG e RDN saíram de Bissau com destino a essa ilha, mas não conseguiram chegar devido a várias contrariedades que os obrigou a procurar alguns sobreviventes daquela batalha dentro da cidade de Catió.

Mobilização para a batalha

Um dos sobreviventes dessa batalha, N´Sumba Na Quidun, disse que aderiu à luta após ser mobilizado por Nino Vieira, Musna Sambu Manuel Vitorino. Portanto, foi a partir daí que seguiram para a ilha de Komo com o objetivo de sensibilizar e mobilizar outras pessoas a fim de abraçarem a luta. Depois daquela ilha, seguiram para Caiar com o mesmo propósito.

Faziam trabalhos de mobilização somente durante a noite e dirigidos a pessoas muito bem identificadas. O primeiro contacto foi com Bacar Indjai, que também foi envolvido para ajudar a convencer as pessoas.

Foi assim que conseguiram mobilizar quase toda a população daquela zona para se autodefenderem contra as tropas coloniais. Entretanto, depois do processo de mobilização, ele e mais outros camaradas passaram a fornecer alimentação para a guerrilha.

Este antigo combatente da liberdade da pátria disse sentir-se triste e angustiado pela forma como foi e continua a ser tratado pelo Estado. Aquilo que recebe como pensão não chega para sustentar a família, muito menos para ambicionar construir uma casa.

De acordo com N´Sumba Na Quidun, além do dinheiro que não serve para nada, é obrigado a deslocar-se até capital para receber. A despesa que faz nessa caminhada acaba por consumir todo o seu ordinário. 

Por sua vez, Bacar Camará falou do ataque que sofreram das tropas portuguesas e, em resposta a essa invasão, os guerrilheiros responderam na mesma moeda, através de flechas, catanas, “canhacos” e outros meios à sua disposição.

Este antigo combatente disse que já não deposita qualquer esperança no Estado, porque passaram vários anos de sacrifício e fome sem ajuda e, muito menos, o devido reconhecimento. Ele, como antigo combatente, não recebe qualquer salário a que tem direito como os seus colegas.

A ilha vive praticamente sem nada

O administrador do Setor de Komo, Sadja Sambu, informou que, actualmente, aquela zona vive uma situação caótica, senão desastrosa, com as estradas praticamente intransitáveis, centros de saúde sem capacidade de resposta aos desafios que se lhe colocam, bem como a falta de infraestruturas escolares, esquadras de Polícia, entre outros.

Segundo aquele administrador, o setor não dispõe de um único meio de transporte, ainda que do Estado, para cumprir a missão que lhe está incumbida, tendo de recorrer a ajuda de privados.

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Devido às fortes chuvas que se verificaram no corrente ano, ficaram destruídas cerca de 181 habitações, deixando muitas famílias sem teto e sem comida. As estradas estão numa situação inaceitável, por outras palavras “posso dizer-vos que não podemos chamá-las de estradas, mas sim de rios ou pântanos. No momento em que estou a falar para a vossa reportagem, até as motorizadas não conseguem circular naquelas estradas”.

Na opinião de Sadjá, o Setor de Komo não merece viver em estado de abandono, tendo em conta a sua história no contexto da luta armada pela independência da Guiné-Bissau. Enquanto autoridade administrativa, vai tudo fazer junto do governo regional e central para que aquela zona saia da situação em que se encontra. Se depender dele, nos próximos tempos vai provocar certas mudanças no setor.

Segundo as informações de Sadjá Indjai, não ultrapassam 10 o número de antigos combatentes que recebem salário, deixando cerca de 60 de fora, facto que é de lamentar. Entretanto, o Estado deve fazer algo por esta classe que está a desaparecer.

O setor conta apenas com um centro de saúde num total de três secções, com uma população estimada em cerca de nove mil.

No que diz respeito ao setor de ensino, Indjai disse que as escolas lecionam até à 8.ª classe, mas com dificuldade de acolher os professores porque não existem residências apropriadas.

Nova visão para o desenvolvimento 

Por fim, o governador interino da Região de Tombali, Pequeno Nan Fad, informou que os projetos que têm em perspectiva para o setor de Komo são vastíssimos, faltando somente o apoio do Governo central para a sua implementação.

Disse que herdou a região com dificuldades enormes, mas isso não vai impedir de levar avante as suas ideias de desenvolver aquela zona sul do país. Reconhece que não vai ser uma tarefa fácil, mas com vontade e determinação tudo pode transformar-se em realidade.

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Disse que o desenvolvimento da Guiné-Bissau depende de cada um de nós, por isso todos devem unir em torno do seu progresso. Acrescentou que o exemplo de Amílcar Cabral deve ser seguido e que, caso contrário, vai ser muito difícil alcançar a paz e a estabilidade.

Por outro lado, pediu ao Estado para que reintroduza no currículo escolar a história da luta armada e de figuras que marcaram aquela época.

Em relação aos antigos combatentes que continuam sem receber, o governador disse que é de lamentar e que, para tal, o governo deve fazer um trabalho sério para identificar os veteranos de guerra de forma a não deixar ninguém de fora do sistema.

Texto e fotos: Alfredo Saminanco

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