Falta de justiça incentiva conflito de posse de terra em Quinhamel

O Setor de Quinhamel, Região de Biombo, é composto por nove secções, nomeadamente, Bissauzinho, Bijimita, Blom, Dorse, Ilondé, Ondame, Patu, Ponta Biombo e Tór, possuindo mais de 90 mil habitantes.

A disputa sobre posse de terra e de regulado tem provocado conflitos violentos que já ceifaram vidas de várias pessoas nessa zona, mas com maior incidência na Secção de Bijimita.

Assim, o repórter do jornal Nô Pintcha deslocou-se ao terreno para se inteirar da origem dos conflitos intercomunitários. Perante esses factos, tanto o administrador do setor, régulo central de Bijimita, assim como os jovens foram unânimes em lamentar a falta do diálogo entre as famílias, situação agravada pela inércia do Tribunal Sectorial na realização da justiça para dirimir os conflitos.

O administrar do Setor de Quinhamel, Sana Dabó, afirmou que, independentemente da ausência do diálogo entre as comunidades, o tribunal sectorial nunca concluiu um processo, produzindo uma sentença contra os culpados.

Por outro lado, Sana Dabó defendeu que se a justiça fosse realizada com transparência, “talvez, neste momento, as partes estariam reconciliadas”. Entretanto, questionou como é possível um indivíduo ceifar a vida do companheiro por causa de um pequeno espaço de terreno e continuar livre e impune”?

No entender do administrador, qualquer pessoa que cometa um ato de crime deve ser punido conforme a lei, como forma de desencorajar os presumíveis culpados.

“Estou aqui como administrador do Setor de Quinhamel há muitos anos, mas nunca ouvi que o tribunal dessa jurisdição condenou uma pessoa ou alguém encarcerado por ter cometido um ato de crime”, lamentou.

Lembrou, igualmente, que nesse setor alguma vez houve assassinato de um cidadão chinês com arma de fogo, no centro da cidade de Quinhamel, porém, a investigação para descobrir o autor do crime nunca foi tornado público até a data presente.

“Recentemente, um jovem foi atingido mortalmente com arma de fogo, na localidade de Bijimita, durante um desentendimento com a força policial, por causa da disputa do regulado entre comunidades.

Algumas vozes alegaram que o jovem morreu de bala perdida e até a data presente não foi feito inquérito para saber quem matou esse cidadão”, lembrou Dabó.

Mediações

No que toca aos resultados alcançados durante as mediações, promovidas pelo administrar do setor de Quinhamel e outras entidades, Sana Dabó disse que conseguiu ter sucesso em certos momentos graças ao apoio da Comissão Fundiária que trabalha na zona e que conseguiu resolver oito casos considerados graves, num universo de 22 casos graças à formação e experiência acumuladas na gestão dos conflitos.

Salientou que essas experiências foram adquiridas no projeto “Voz di Paz”, tendo sublinhado que os contenciosos que ainda não foram resolvidos são aqueles que se encontram sob alçada de justiça.

Em relação aos casos resolvidos, aquele responsável explicou que, primeiramente, optou para remeter o facto ao poder tradicional, régulo e chefe da tabanca, para convocar uma reunião entre as partes em conflito, com intuito de promover uma reconciliação.

Durante essa reunião, segundo ele, deleguei todo o poder ao régulo e chefe da tabanca, para dirigirem as negociações, enquanto autoridades a nível comunitário.

Desse que se tudo correr bem nas negociações e as partes chegarem ao entendimento, imediatamente é produzido um memorando de entendimento, com respetivas assinatura. Quem violar esse acordo, receberá multa. “Foi através dessa estratégia que conseguimos apaziguar muitos conflitos entre irmãos da mesma comunidade.

Interferência do tribunal

O régulo central do Reino de Bigimita manifestou a sua inquietação em relação à ingerência do Tribunal de Quinhamel nos assuntos tradicionais dessa seção. Assim, Malamato Dju disse que, enquanto autoridade tradicional máxima da zona, não pode ficar em silêncio a ver tribunal a contribuir na violação flagrante de regras da etnia papel.

Aquele chefe tradicional sublinhou que a decisão do tribunal de ordenar a realização da cerimónia tradicional de “carmussa” num período proibido pelo poder tradicional, vai contra as recomendações ancestrais, “o que não deve ser permitido”.

Contudo, segundo ele, a autoridade tradicional de Bijimita não vai colaborar no cumprimento dessa decisão, mesmo que venha custar a morte.

Entretanto, lembrou que, no passado, o tribunal tinha assumido uma decisão semelhante, que viria a resultar na morte de um jovem de 18 anos de idade, “e isso não voltará acontecer”.

Por outro lado, revelou que o escrivão do Tribunal de Quinhamel, sob “suborno”, havia forçado a comunidade de Bijimita a submeter-se ao vice-chefe de tabanca, Soares (um dos concorrente ao regulado), o que vai contra as regras da realeza.

“Na verdade, não sei que confiança tem Soares, a ponto de ousar enfrentar-me, com o apoio desse escrivão que ordenou o respeito à autoridade do vice-chefe de tabanca”, questionou.

Não obstante, sublinhou que está ciente do poder de Estado, “talvez é o motivo que levou Soares a ganhar a ousadia de lhe enfrentar, assim como o próprio escrivão”.

No entanto, Malamato Djú disse que vai procurar entender os motivos que estão por detrás desse comportamento do escrivão, ou seja, “se tudo o que Soares está a fazer em Bijimita é do conhecimento do juiz”.

Explicou, igualmente, que o convívio da população dessa tabanca sempre é caraterizado pela obediência, passividade, disciplina e respeito. “Mas desde que o Tribunal de Quinhamel iniciou a imiscuir nos assuntos tradicionais de Bijimita, tudo mudou”.

“A violação de regras cerimoniais da etnia papel resulta na perda de vidas humanas e, enquanto régulo, não posso de forma alguma, concordar com decisões dessa natureza”, advertiu Djú.

Disputa de bolanha

No que concerne à problemática de disputa de bolanha, o régulo de Bijimita afirmou que as comunidades estão determinadas na luta pela manutenção de regras tradicionais. No entanto, acusam as autoridades judiciais de estarem a interferir nos assuntos do regulado.

Dju explicou, por outro lado, que a distribuição de espaços para a prática de agricultura tem regras, à semelhança de tantas outras já existentes, mas mesmo assim, o tribunal interfere sempre de forma inoportuna.

“Cada tabanca de Bijimita tem a sua própria bolanha e consequentes “djorsons” (gerações) credenciadas para a ocupação dessas parcelas, o que não pode ser violado de modo algum, de maneiras que o tribunal não deve interferir”, sublinhou.

Para solucionar essas disputas, o régulo aconselhou o tribunal, no sentido de deixar de imiscuir nos assuntos tradicionais, tentando, à margem do regulado, resolver problemas de divisão de bolanhas, entre outros.

Por outro lado, convidou o tribunal a instar o cidadão Soares, no sentido de respeitar a hierarquia tradicional, pois, isso sempre funcionou assim e não pode ser violado.

Em nome da juventude, Ambi Djú apelou ao poder judicial, concretamente o tribunal, a deixar de imiscuir nos problemas de posse de terra e regulado, deixando essa missão ao poder tradicional, porque ele o conhecedor do quotidiano do seu regulado e, certamente, está mais posicionado para a resolução desses diferendos.

De acordo com aquele jovem, o poder judicial só pode intervir caso a situação ultrapasse a competência da autoridade tradicional.

De salientar que, durante a nossa reportagem no Setor de Quinhamel, muitas pessoas pediram à continuidade do atual administrador, Sana Dabo, pelos bons trabalhos que tem vindo a desenvolver em prol do bem-estar das comunidades locais, nomeadamente a reabilitação das infraestruturas públicas, assim como na resolução de conflitos intercomunitários.

Fulgêncio Mendes Borges

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