A tomada do quartel de Guiledje pelas Forças Armadas Revolucionárias do Povo da Guiné (FARP) teve um valor estratégico muito animador, por um lado mas, por outro, a perda desse quartel teve um impacto negativo, com um efeito desmoralizador no seio do Exército Português, conforme confirmou o comandante desse aquartelamento, Coutinho e Lima, das tropas portuguesas, podendo encontrar essas declarações no Youtube.
O ataque ao quartel de Guiledje durou três dias e quatro noites, com intenso bombardeamento de artilharia pesada. Começou no dia 18 de maio de 1973 e só terminou 22 do mesmo mês e, no último dia dos combates, o comandante Coutinho e Lima ordenou o abandono do quartel de Guiledje, por se sentirem derrotados.
A entrada dos combatentes do PAIGC no aquartelamento de Guiledje, já com arsenal bélico suficiente e sofisticado, meteu medo às tropas coloniais que se encontravam em Gadamael, a 10 quilómetros de Guiledje. Com opiniões divergentes, os mais corajosos do lado português defenderam a continuidade no local (Gadamael) e outros acharam que abandonar o quartel seria a melhor medida a tomar, mas a decisão final foi reforçar aquela base militar.
A grande dificuldade com que as tropas de Cabral enfrentavam eram os ataques aéreos dos portugueses. No início de 1973, o PAIGC recebeu o auxílio da União Soviética em mísseis CM7 para substituir as ultrapassadas e ineficazes armas antiaéreas de que dispunha o movimento da guerrilha guineense.
Queda do primeiro avião colonial
No dia 25 de março de 1973 foi derrubado o primeiro avião inimigo pelo major Cabá Fati.
O ex-Presidente da República, General João Bernardo Vieira “Nino”, era quem nessa altura comandava a frente Sul, ao lado de João da Silva e outros camaradas.
O derrube desse avião motivou Nino Vieira a afirmar aos companheiros: “Vamos ganhar esta guerra porque a supremacia dos portugueses reside exatamente na sua Força Aérea e nós já temos arma para derrubar aviões de guerra.”
Antes e durante a guerra, Amílcar Lopes Cabral incutia na mente dos camaradas combatentes duas palavras – unidade e luta – na perspetiva de atingir a terceira, o progresso e, os três termos são atualmente o brasão (emblema) das armas de um país que passou a chamar-se Guiné-Bissau desde 24 de setembro 1973, com a proclamação unilateral da independência, reconhecida “de jure” por Portugal um ano depois, a 10 de setembro de 1974.
Os dois primeiros termos (unidade e luta) pareciam os mais difíceis de alcançar, mas o cabecilha da guerrilha anticolonialista (Cabral) animava os “camaradas”, nome que todos partilhavam, de que unir e vencer a luta era mais fácil do que o progresso.
Por outras palavras, nas suas missões de sensibilização e mobilização para o início do combate, Amílcar Cabral dizia que libertar o território e o povo era o programa mínimo da projetada luta, enquanto o maior era o desenvolvimento do país depois da independência.
Alguns guerrilheiros da luta para a libertação da Guiné e Cabo Verde mantêm a esperança em ver os objetivos dessa mortífera batalha de 11 anos alcançados, mas outros estão desiludidos pela forma como o país foi administrado pela classe política após a gloriosa e retumbante conquista da liberdade para o povo martirizado.
“Estou confiante de que esta nossa terra sagrada vai um dia mudar e atingir o tão almejado progresso desta nossa Guiné. Não lutei para uma liberdade temporária. As razões da minha entrada na luta eram ajudar a conquistar a independência, tanto para mim como para os meus filhos, netos e todos os guineense,, como vocês jornalistas que hoje estão a circular nesta zona sem medo à procura da história”, disse o capitão Sadjo Seide.
Promoção desnecessária de patente
O ex-combatente Sadjo Seide disse que foi promovido a capitão desde a era do falecido general Tagme Na Waie, na altura chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, mas nunca chegou a receber a respetiva remuneração pelo posto a que foi elevado. “Continuo a receber como tenente, o que não valeu a pena a minha promoção”, sublinhou.
Sadjo Seide disse que após a sua entrada na guerrilha, passados alguns anos foi levado para a República da Guiné, mais concretamente a Kundara, a fim de receber instrução militar. De regresso ao território nacional foi colocado no Batalhão de Morés, sob comando de Braima Bangura.
O combatente disse não compreender as razões que levam as autoridades nacionais a não reconhecer os antigos guerrilheiros que deram o seu melhor pela causa comum do povo e do território nacional.
“Cabral não era apenas o guião da nossa guerrilha; também era muito bom na animação psicológica dos camaradas. Sempre que alguém manifestasse algum desânimo a frente dele, uma única palavra restabelecia toda a coragem, fazendo a pessoa sentir-se como que a guerra terminasse no dia seguinte. Não tenho adjetivos para descrever as qualidades deste homem”, lembrou.
Questionado se sente algum arrependimento por não ver os objetivos da luta na prática, a resposta de Sadjo Seide foi: “Não me arrependi e nunca vou arrepender porque venci. Se eu não beneficiar da minha vitória, de certeza outros irão beneficiar.”
“Participei em três grandes operações militares para defender o povo guineense, nomeadamente na luta de libertação nacional, no 14 de Novembro e no conflito armado de 7 de junho de 1998, ao lado da então denominada Junta Militar, mas de todas as guerras não beneficiei de quaisquer vantagens”, afirmou um outro ex-combatente, o capitão Aruna Culubali.
Não se percebe o que se passa com o capitão Aruna Culubali. O guerrilheiro sobrevivente da luta pela independência da Guiné-Bissau, atualmente residente na aldeia de Salero, no Sul, esteve na Frente Leste, mais concretamente em Madina de Boé, onde diz ter estado durante seis anos a lutar contra o colonialismo português.
Culubali acusou os sucessivos governos de os marginalizar quanto aos seus direitos como pensionista enquanto participante direto na luta pela liberdade do povo e do território guineense. “Após a independência recebi apenas uma vez, quando Luiz Cabral era Presidente da República. De lá até hoje nunca mais, sou reconhecido como capitão apenas no papel”, denunciou.
“Não fui mobilizado para entrar na luta. Vi com os meus próprios olhos o abuso que os tugas faziam sobre as populações e entrei nas matas, juntando-me aos camaradas”, disse.
Aruna Culubali disse que não se arrependeu de ter pegado em armas para combater o tuga, mas se soubesse que o desenvolvimento da Guiné após a luta seria este, ficaria em casa.
O ex-combatente disse que participou na libertação de Béli, comandado por Domingos Ramos. Disse que entrou na luta aos 18 anos e, três anos depois de ter recebido instrução militar, pegou numa arma.
Falando da sua terra natal (Boé), Culubali disse não compreender a razão do “abandono” da classe política de um local histórico onde foi declarada a independência.
Nem todos os guineenses que combateram pelo exército português fizeram-no por vontade própria. Aladje Mama Samba Trauré, residente em Guiledje, é um exemplo concreto disso.
Trauré disse que foi à tropa juntamente com o falecido Nino Vieira, mas afirma que não soube da mobilização que o engenheiro Amílcar Cabral fazia aos camaradas. Só veio a saber depois de Nino ter fugido do quartel a que pertenciam.
“A fuga de Nino Vieira e outros colegas para as matas motivou a minha prisão por três meses no quartel, temendo os colonialistas que eu também fugisse, porque o falecido Nino era um amigo meu”, explicou Mama SambaTrauré.
Venda de produtos sob condição de comprador
O lavrador na aldeia de Salero, Setor de Bedanda, Malam Seide, considerou como uma traição ao povo guineense a forma como o país foi gerido durante 47 anos após a independência.
“Queremos infraestruturas rodoviárias, o emprego para a juventude, melhoramento dos sistemas de saúde e da educação e valorização do trabalho dos camponeses que passa, necessariamente, pela mecanização da agricultura e a industrialização do país”, elencou.
Sobre o escoamento de produtos alimentícios do Sul para a capital, Bissau, Malam Seide disse que as más condições das estradas têm constituído o grande entrave para os lavradores dessa zona.
Seide disse que grande parte dos seus produtos destina-se às vizinhas Repúblicas do Senegal e da Guiné, pois são os operadores comerciais daqueles dois territórios que se deslocam até junto dos produtores. Em consequência, são os compradores é que ditam os preços a pagar.
“Neste momento, os produtos procurados são a mandioca e o milho bacil, mas o preço depende dos compradores. Por exemplo, um saco de mandioca custa 7.500 francos CFA.”
Sona Bangura, uma jovem de 21 anos, da aldeia de Salero, Setor de Bedanda, lamentou bastante as dificuldades enfrentadas diariamente na zona. “O que mais nos tem dificultado é a não existência de um centro de saúde próximo. As grávidas são obrigadas a ir até à sede setorial de Bedanda ou de Quebo, ambos muito distantes da nossa tabanca. O mais grave é que não há circulação com frequência de viaturas para casos de necessidade urgente.”
Bangura disse que muitas vezes são transportados de motorizadas para os centros de saúde à procura de atendimento especializado em momentos de parto. “Só Deus é que nos salva, os riscos de vida que as grávidas correm são enormes”.
Transporte público só às sextas-feiras
Sona Bangura disse que na zona da sua residência a circulação de transportes públicos está calendarizada, ou seja, só aparecem às sextas-feiras e regressam a Bissau ou localidades de origem aos sábados.
“O meu maior desejo é um dia ver esta estrada asfaltada, permitindo a circulação regular dos transportes, podendo os populares efetuar as suas deslocações a qualquer momento para a resolução das suas necessidades pendentes e, muitas vezes, imperiosas.”
A ocupação do quartel de Guiledje, a 25 de maio de 1973, já depois da morte de Amílcar Cabral, é considerada um dos principais momentos da história da libertação da Guiné. Nessa batalha, participou o ex-Presidente de Cabo Verde, comandante Pedro Pires, nessa altura o responsável pela logística da operação.
Pela sua posição estratégica, a tomada de Guiledje foi importante para os guerrilheiros do PAIGC, pois ficou aberto o caminho para a entrada das forças armadas da Guiné e dos meios mecânicos, no Sul do país, cuja operação estava a ser preparada há muito tempo, ainda Amílcar Cabral era vivo, daí a designação “operação Amílcar Cabral”.
Um meios materiais usados e que ajudou bastante para a libertação do quartel de Guiledje foi a entrada em ação dos foguetes antiaéreos portáteis, que na Guiné se chamava Strela.
Depois de 47 anos ainda se encontram obuses que não explodiram durante o ataque ao quartel de Guiledje. Constituindo um perigo ou não para a população local, o certo é que essa antiga unidade militar está rodeada de aldeias habitadas, entretanto transformado em museu.
Bases centrais e respetivos comandantes na Frente Sul — 1961-64
Saiba quem eram os comandantes das bases centrais dos guerrilheiros do PAIGC na Frente Sul e como foram distribuídos por zonas no início da luta de libertação:
Base de Cubucaré, 1962 — comandantes: João Bernardo Vieira “Nino”, Umaro Djaló, N´Gharé Ialá Nhanta e Sana Serafim;
Base de N´Djassan, 1962 — comandantes: Rui Demba Djassi, Iafai Camará e Miguel Gomes;
Base de Gã Tongo, 1962 — comandantes: Malam Sanhá, Adão Insali, Dauda Bangura, Quemo Mané; Fogna Na Tchentche, Dembassinho, Lega Mané, Infamara Mané e Infamara Nhina;
Base de Botche Sansan, 1964 — comandantes: Madna Na Isna, Tchim Na Tchunte, Cabi Na Sanha e Paulo Correia;
Base de Quitáfine Balana 1962 — comandantes: Manuel Saturnino Costa, Corona e Ansumba Mané;
Com parcos meios materiais para enfretar o “inimigo”, pois coragem e estratégias nunca faltaram aos combatentes da liberdade da pátria. Siga como planeavam a entrada de armas e munições para as bases da guerrilha.
Vias de entrada das armas e munições na Frente Sul
A primeira deslocação dos materiais de guerra através de barco teve a seguinte trajetória: Boké-Canfrandin-Bacadai-Cadinha (na República da Guiné), depois para Cassibedje-Cassecla e Cassumba (na Guiné-Bissau).
Os transportadores desses materiais eram os camaradas Buota Naquidama, José Grande Nancabi e Tchunga (falecidos). Encaminharam os materiais para Canhamina, Catchamba Nalu, Catchamba Susso até chegar à base central de Cadique Ialá, em Cubucaré, chefiada pelos comandantes Nino Vieira e Umaro Djaló.
Segunda via de entrada de armas e munições de guerra era o coridor Boké, Canfrandin, Bacadai, Cadinha, Canifaque e Cauale, na base central de Quitáfine.
Os colaboradores eram Nandjam e Afonso Pereira, que faziam chegar os materiais às matas de Calaque, Cassentem e Campeane. A partir dessas localidades, os camaradas Issuf Camará e Carimo Silá faziam chegar os materiais junto dos responsáveis máximos da zona de Quitáfine, nomeadamente os camaradas Manuel Saturnino da Costa, Corona Sanhá e Ansumba Mané.
A terceira via era chamado na altura de caminho do povo que liga Boké, Canfrandin, Bacadai, Djábada, Candjafra e Simbel e, depois, para a barraca do comandante Adão Gomes, em Gandembel; depois, seguiam através da estrada principal, lagoa de Lai Seck, Balana Tchintchidaré, Botche Djate e Botche Sansa, na base central da guerrilha, em Cubucaré e daí para a base central de N´djassane; através desta última localidade os materiais chegavam ao Norte da Guiné-Bissau.
Texto fotos: Aliu Baldé