“Sou formador e dinamizador da cultura guineense”

O artista plástico mais proeminente em ativo, Carlito de Barros, morador de Bairro Chão de Papel, disse que diariamente abre a porta do seu ateliê de pintura e escultura para os admiradores apreciarem as suas obras.

O artista informou que trocou a profissão de arquiteto para arte plástica, devido à paixão que se sente pela pintura. Disse que foi nesse espaço que constituiu o seu universo onde faz misturas de cores de tintas sobre tela, e onde com o seu toque de magia nascem vidas ali, que não se desfazem com o tempo. Hoje, segundo suas palavras, é formador e dinamizador da arte plástica e da cultura guineense.

Senhor Carlito de Barros, anos de vida e de experiência profissional?

Muito obrigado por esta oportunidade que me deu. Tenho já idade muito avançada, mas em relação à experiência profissional, posso dizer que há cerca de 40 anos que estou no mundo de artes.

Pode-se considerar Carlito de Barros um artista multifacetado. Pois, vendo seu CV, para além de arte plástica consta também arquiteto, designer, entre outros. Em qual momento aplica na prática as outras profissões ou restringe-se apenas ao campo da arte?

Bem, sou arquitecto de formação, trabalhei vários anos no Ministério das Obras Publicas. Depois acabei por notar que arte plástica está praticamente anexado na arquitetura e que a aniquilou. Continuei então a desenvolver artes plásticas, tendo formado muitas pessoas neste domínio, e produzindo também obras de arte nas telas em espaços de grandes dimensões.

Hoje, talvez, muitos não me reconhecem como seu formador. É lamentável ouvir alguns desses profissionais que ensinei a dizer que cresceram sem mestre. Ou, seja, nasceram com o dom de pintor.

A quantidade de quadros que pintou é significativa?

E muito elevado. Como já disse, comecei a pintar muito cedo, portanto, já não me lembro do número exato de quadros que produzi até a presente data. Provavelmente ultrapassa tres mil.

Qual o estilo em que mais se exprime?

Dantes eu era abstratiza, passei para paisagista e acabei por ser mais figurativo. Isto porque as pessoas que vêm no meu ateliê, não são grandes apreciadores de quadros, nem os que queiram saber o que é abstrato. Dizem que gostam dos meus retratos reproduzidos em telas e fazem-me encomendas.

Quem quiser encontrar Carlitos de Barros pode dirigir-se ao Chão de Papel?

Sim, aqui no coração da capital, Bissau, conhecido também com o nome de «Gan Mela».

Com artes plásticas conseguiu concretizar os seus sonhos?

Sinceramente, digo-lhe que os meus sonhos ficaram por concretizar neste domínio. Fiz, de facto, muitos trabalhos de artes plásticas. Também consegui ensinar os meus filhos e eles já estão bem lançados nesta área e bem integrados no mercado. Mas, entretanto, eu prefiro que façam suas formações, que o tenham como um refúgio para num certo momento, disserem, lembremos o nosso pai.

O seu ateliê pode ser considerado uma escola de belas-artes?

Sim. Abri uma escola de formação profissional, onde saíram pintores que já têm seus próprios ateliês, entre os quais, figuram meus filhos que referi antes, que já são reconhecidos aqui no pais e no exterior. Os que me reconhecem como mestre digo-lhes muito obrigado e, também, agradeço aos que não me reconhecem.

Quanto tempo leva a pintar um quadro?

Depende. Se for uma encomenda, e se eu tiver materiais (tela, pincéis, tintas acalmia) e um incentivo num clima de paz e de harmonia, demora uma semana ou menos…Se for da minha própria criação, posso pintá-lo de um dia para outro dependendo da sua dimensão.

Artes plásticas é um dom com o qual nasceu?

Sim. Nasci com o talento desta arte.

Além de talento teve um mestre que lhe ensinou desenhar e pintar?

Sim, para além de talento tive um grande mestre português que se chamava Augusto Trigo. Era um grande desenhador e pintor que deixou lindas e grandes obras em Portugal, noutros países da Europa, em Cabo-Verde e aqui em Bissau também.

Aprendi muito com ele, sobre o que é um pincel, como lavá-lo. O que é uma espátula, trinchas, entre outros. É essa aprendizagem que transmito aos meus alunos.

Hoje em dia como vê o universo das artes em geral na Guiné-Bissau, particularmente aqui na capital?

Está numa situação positiva e evolutiva. Há jovens que já têm suas galerias ou ateliês não só de pintura, mas também de escultura e tecelagem, tudo isso é muito interessante. Eu, praticamente, faço parte de todas essas áreas. De escultura, tecelagem, mobiliário de bambu, etc. Há artistas que receberam meus ensinamentos e que hoje tornaram-se mestres, e já estão a ensinar os mais novos.

Qual é a obra da sua autoria que deixou marco importante no panorama nacional?

Realizei várias pinturas. Dentre elas, há aquela que ofereci ao então Presidente da República, João Bernardo Vieira. Trata-se de uma figura humana com varias caras, tapadas sequencialmente com as palmas de mãos, que quer dizer: não vi, não ouvi e não falo.

Há também um outro quadro que intitulei `Eco Do Pranto`, que ofereci ao Senhor Bartolomeu Simões Pereira (já falecido). Até hoje, de certeza, esse quadro pode ser visto em casa dele.

Portanto, são essas e outras obras que ficaram na minha memória. São, de facto, grandes quadros que os beneficiários elogiaram bastante. E mais outros que vale a pena citarmos aqui, já que se encontram expostas em diferentes sítios no estrangeiro.

Quais são as principais dificuldades que enfrentam na criação de obras de arte?

As dificuldades têm a ver com a falta de materiais, nomeadamente tintas adequadas, pincéis, telas, entre outros. Em alternativa, utilizo o acrílico de fabricação chinesa, cuja qualidade é inferior comparativamente ao que vem do ocidente, ou seja, da Europa. As pessoas amigas e conterrâneas que vivem e trabalham lá, quando vêm cá passar férias, pedem que lhes pinto uns quadros, mas nem sequer trazem-me um tubo de tinta para esse efeito.

Quer dizer que este sector não e devidamente valorizado. Ou, seja, é o parente pobre do nosso universo cultural.

As pessoas não estão interessadas ao desenvolvimento da nossa cultura. Pois, há indivíduos que são nomeados ministros, que não conhecem bem essa área e não sabem como desenvolvê-la. Até hoje não há um governante que nos tenha apresentado um bom plano de desenvolvimento do sector da cultura.

Faltam-lhes níveis adequados.

Claro. Aqui no país temos indivíduos com níveis culturais de desenvolvimento aceitáveis, que não são reconhecidos. Por, exemplo, individuou como eu, Duko Castro Fernandes, Tony Tcheca, entre outros, que abandonaram o país e estão radicados onde são devidamente valorizamos.

Quer dizer que o sector da cultura está praticamente banalizada?

Sem sombra de dúvidas. Houve dinamismo e eventos que protagonizei com alguns colegas aqui, sem nenhum gesto de agradecimento por parte dos que estão no pelouro da cultura. Fui eu que dinamizei o Festival do Carnaval aqui na capital durante vario anos. Só depois é que apareceram outros que foram buscar novos parceiros.

Há aproveitamento político e cultural?

Sim, até hoje. Para além do Carnaval, recordo também que fui eu um dos fundadores do «Ballet Nacional Esta é a Nossa Pátria Amada» conjuntamente com Benhatba Tambá, Busclo, Carlos Dias, Lucete Andrade, entre outros, que já não estão cá entre nós.

Texto e fotos: Lay Korobo

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