Primeiro-Ministro no balanço de cem dias de governação:  Geraldo Martins defende reforço das instituições através de reformas

O Primeiro-ministro afirmou que é importante percebermos que a Guiné-Bissau é um país frágil. Na categorização das Nações Unidas há países considerados frágeis, situações que são avaliadas a partir da debilidade das instituições, pois reconheceu igualmente a fragilidade da nossa administração pública, as forças de defesa e segurança, assim como o sistema judicial. Por isso, defendeu a necessidade de reforçar as instituições, através de reformas precisas.

Geraldo Martins falava durante uma entrevista aos órgãos públicos da comunicação social, no âmbito do balanço de cem dias de governação, que considerou de positivo, pois foi “aprovado dois instrumentos fundamentais de governação, nomeadamente o Programa do Governo e o Orçamento Geral do Estado (OGE) ”.

Na íntegra, o conteúdo da entrevista.

 

Senhor Primeiro-Ministro, o executivo completou 100 dias de governação. Que balanço faz desse desempenho? 

 

É tradição celebrar os cem dias de governação, porque se partirmos de princípio que qualquer Governo que entra em funções necessita de um período de tempo, que muita gente se chama de período de graça, um espaço temporal em que um Governo precisa para se organizar internamente, estruturar, mas sobretudo preparar os seus principais instrumentos de governação, que são o Programa do Governo e Orçamento Geral do Estado, pois a governação não é uma navegação holística, mas sim, exige preparação.

Tendo em conta esses dois instrumentos de governação aprovados, considera-se nesta perspetiva de positivo os cem dias de governação.

Depois da tomada de posse, o Governo em gestão elaborou um programa de emergência, através de medidas simples que não acarretavam grandes custos, no sentido de melhorar rapidamente a vida da população, reduzindo o preço de arroz, da farinha, do pão, estabilização do preço de combustíveis, melhorou a situação da energia elétrica em algumas localidades, começo das aulas atempadamente nas escolas públicas, anúncio da reintegração de quadros de saúde fora do sistema, facilitação do escoamento da castanha de caju em diferentes zonas, entre outras medidas.

 

O porquê da escolha do Hospital Nacional Simão Mendes (HNSM) para essa grande entrevista?

 

A escolha do HNSM é uma decisão simbólica, mas ao mesmo tempo, é um sinal que o Governo pretende dar grande atenção ao setor de saúde no  seu todo, particularmente a esse hospital de referência nacional.

Há dias visitamos este espaço e tivemos a oportunidade de familiarizar com o seu funcionamento e das suas dificuldades. No entanto, estar neste espaço transmite uma mensagem forte, tendo em conta uma atenção especial, que pretendemos dar ao setor de saúde.

 

O seu Governo tomou medidas no sentido de baixar os preços de alguns produtos de primeira necessidade. No entanto, em relação ao arroz e pão, verificou-se franjas de resistência dos comerciantes e de produtores de pão. Em concreto, o que se passou? 

 

Basicamente, o que aconteceu é o seguinte: Quando entra em vigor qualquer medida, sempre há possibilidades de alguma incompreensão ou de alguma resistência. No caso de arroz, mechemos na estrutura de custo, o que significa que a nova estrutura de custo é aplicada somente a arroz que viria a ser importado a partir daquele momento. Os que tinham arroz nos armazéns que não tinha beneficiado da referida taxa, é legítimo serem claros que não vão poder vender arroz neste preço, uma vez que já tinha pagado a sua importação antes da referida medida. 

Compreendemos, logo convocamos os comerciantes, informando-lhes que em relação ao arroz que se encontrava no país, vamos fazer cálculos para encontrar alguma forma de lhes compensar. Em relação às novas importações, vamos utilizar a nova estrutura de custo.

Alguns compreenderam rapidamente e aderiram à iniciativa, mas outros acharam que devia haver mais compensação.

O mais importante é que todos os operadores acabaram por compreender e aderiram à iniciativa, respeitando a medida que está sendo aplicada em todo o território nacional.

 

Senhor Primeiro-Ministro, no Programa do Governo aprovado na semana passado no Parlamento, reafirmou que uma das apostas do seu executivo vai ser o fortalecimento das instituições da República. Como é que o Governo pretende fazer isso?

 

É importante percebermos que a Guiné-Bissau é um país frágil. Na categorização das Nações Unidas há países considerados frágeis, que são medidos através da debilidade das instituições, pois não é segredo que a nossa administração pública, as nossas forças de defesa e segurança são frágeis, assim como o nosso sistema judicial. É necessários reforçar as nossas instituições, através de reformas precisas, para termos instituições mais fortes. 

Temos a Presidência, o Governo, o Parlamento, mas falta o poder local, que permite a desconcentração de poderes, permitindo assim a resolução de vários problemas a nível das comunidades, o que facilita tanto a governação, enfim, ter um Estado mais forte e voltado aos cidadãos.

 

Considera que o atual sistema judicial está a altura dos desafios do crescimento económico e desenvolvimento do país?

 

O nosso sistema judicial não está preparado. Quando falo do reforço das instituições, um dos maiores desafios de governação é o setor da Justiça, tendo em conta que está no centro de todas as reformas. É um baluarte das nossas vidas, enquanto sociedade e o que nos dá a certeza de que quando tivermos algum diferendo, será resolvido de uma forma equitativa. 

Quando a justiça não funciona, os cidadãos perdem a confiança e a tendência é para cada qual fazê-la com as próprias mãos.

O segundo aspeto está relacionado à insegurança do próprio investimento. Queremos ter um crescimento económico, e para tal é importante ter os investimentos públicos e privados, mas sobretudo o privado. Para atrair os investidores é necessário ter um setor de justiça que resolva os problemas de acordo com a lei. Se não tiverem essa confiança, vão deixar de investir e o país perde a oportunidade de ter um crescimento económico.

 

O caso 1 de fevereiro ou o mais recente caso no Supremo Tribunal de Justiça é um desafio para o Sistema Judicial, o executivo, em suma um desafio para o país?

 

Todos esses casos põem à prova a fragilidades do nosso sistema judicial. Não nos compete, enquanto Governo, falar dos casos judiciais, tendo em conta que há separação de poderes. Normalmente, o poder judicial é independente, enquanto o nosso papel é promover políticas públicas, que reforçam o sistema judicial, permitindo o seu funcionamento de acordo com as leis e regras estabelecidas na sociedade.

Por isso, no nosso programa de governação definimos que, no setor acima referida, vamos criar condições para ter as legislações formuladas, formação, icentivos e a infraestruturação nas zonas em falta.

 

Como pretende o Governo moralizar o setor judicial? 

 

Moralização passa pela execução. Quando há uma situação da violação da lei ou de procedimento, é preciso uma atuação judicial correto, através de um sansão exemplar, porque a pior coisa é quando uma pessoa cometa alguma infração e não é punido. 

Portanto, a moralização é um papel de toda a sociedade. Da parte do Governo, incumbe-nos a criação de condições para aplicação devida da lei e respeito pelas instituições.

 

Na campanha eleitoral, a Coligação PAI-TERRA RANKA fez promessa em relação ao combate à pobreza e resolução dos problemas da população. Como pensa resolver esta situação?

 

Há dois caminhos para a resolução desse problema, longo e curto prazo.

O longo, consiste no asseguramento do crescimento económico, exemplo concreto de partilha de um pedaço de bolo para quatro pessoas. Enquanto o bolo não aumentar, não se verifica o rendimento. 

A única forma de melhorar as nossas vidas é através do aumento da fatia, que pode melhorar a vida da população.

O curto, enquadra-se no seguimento da população mais pobre, através da estratégia do micro credito. Se dar um apoio especial a uma mulher, vai investir em algo. Quando obter lucro, paga e assim vai desenvolver o seu negócio e sustentar a sua família.

Assim, estará a contribuir significativamente para a redução da pobreza.

Durante a campanha eleitoral, falamos, e muito, do banco de fomento, um banco especial onde é possível conseguir um empréstimo sem pagar jurus. Tudo funciona na base de confiança.

O que estamos a fazer não é nada de novo, são experiências que estão aplicadas noutros países do mundo. Entretanto, queremos adquirir melhor experiência para alargarmos.

 

Primeiro-Ministro, qual é o maior desafio na educação?

 

O setor de educação tem vários desafios, basta ver os indicadores. Todos estamos de acordo que devemos apostar na educação de base e de qualidade, onde as crianças apreendem ler e escrever.

O problema que temos hoje na educação é que maioria de alunos que frequentam escolas, não conseguem tirar o nono ano de escolaridade. Se comparar esses indicadores com o de Cabo Verde, nota-se que ainda estamos longe de atingir altos patamares de escolarização primária universal.

Quando falo desses indicadores, não estou a dizer de aqueles que entraram no sistema, mas sim aqueles que conseguiram concluir. Temos dois problemas: oferta e procura. No lado de oferta, o grande problema são ciclos incompletos, exemplo disso é no interior do país, onde pode-se encontrar escolas somente com o quarto ano e outras com sexto ano. Portanto, essa descontinuidade de oferta é um dos grandes problemas para os alunos nas regiões do país.

E esse problema terá que ser resolvido com a criação de escolas, que vão lecionar até pelo menos nono ano de escolaridade.

De lado de procura, há famílias que tiram as filhas nas escolas para o casamento e outros para ajudar com trabalhos de campo. Nesse sentido, o Governo vai adotar uma outra abordagem, de forma a combater essa prática, através de criação de cantinas escolares, entre outros mecanismos.

Em relação às escolas técnicas e profissionais, temos um outro problema que precisa ser resolvido. Para fazer obras de grande envergadura, às vezes, somos obrigados a “importar” técnicos do Senegal. Nesse sentido, o Governo vai criar e alargar oferta de escolas técnicas e profissionais, para algumas regiões do país.

Aliàs, no nosso programa de governação, prometemos criar escolas de formação profissional em oitos regiões administrativas, para diminuir o êxodo rural. A escola não é só ir para as universidades fazer direito, sociologia ou ciências política, mas também precisamos de técnicos profissionais, que vão ocupar de outros trabalhos.

 

O Governo tem algum plano para a gestão do processo da junta médica? 

 

O processo de junta médica é um bocado complicado, e até que posso usar essa expressão, dizendo que é triste o que passa com a junta médica no país, porque muitos doentes que precisam de tratamento especializado no estrangeiro não conseguem por várias razões e, muitas vezes, acabam por perder a vida.

São problemas que vamos tentar resolver paulatinamente, mas o mais importante é criar condições a nível do país, para evitar essa situação. Na apresentação do Programa do Governo na ANP, prometi construir um hospital para cuidar de certas patologias que, muita das vezes, levam as pessoas para a Portugal. Temos muitos bons médicos fora, que precisam de ser recuperados, para ajudar o país e responder a esses desafios sanitários.

 

Faz algum sentido que os privados (organizados em CCIA) recebam e beneficiam dos impostos coletados pelo estado?

 

Penso que a colaboração entre o Estado e o setor privado é importante. Todas as medidas tomadas no passado, em relação ao apoio á Câmara do Comercio são boas, porque o setor privado é alavanca da economia. Tendo uma instituição forte do setor privado que beneficia dos apoios de Estado, não é mau. O problema que põe, é que há situações complicadas em termos de gestão dos recursos, uma vez que não se faz auditoria nessa instituição.

Se entenderem que podem resolver os diferendos sem apoio do Governo, nada mal. O complicado é investir dinheiro público numa instituição sem auditoria. Estamos dispostos a ajudar neste sentido. Mas se a Câmara do Comercio entender que pode resolver o seu problema, ainda melhor.

 

Senhor Primeiro-Ministro, Fala-se que mais de um terço do OGE 2024 será destinado ao pagamento de dívidas do país. Quais são essas dívidas? 

 

Como bem sabem que a governação é continuidade, embora seja uma frase um bocadinho vulgar, claro que tenho que assumir essas dívidas. Já fizemos levantamento de todas as dívidas existentes e chegamos a conclusão que um dos compromissos do Governo para o ano 2024, será o pagamento de dívidas que os anteriores governos contraíram. 

Uma boa parte desse dinheiro provem de emissões de obrigações de tesouro, que são emitidos normalmente com dois anos de maturidade, o que significa que, todas as dívidas de 2022 serão pagas em 2024, assim sucessivamente. Portanto, entramos um stock de obrigações de tesouro de 2022, que vai vencer em 2024, e total dessas dívidas corresponde a um terço do Orçamento Geral do Estado, é essa a realidade do país.

A forma de pagamento vai ser através de mobilização de receitas internas e que já está previsto no próximo OGE. Dívidas são para pagar, caso contrário, complica tudo. Pelo que posso vos assegurar é  que essas dívidas serão pagas.

 

Olhando com atenção o OGE 2023, pode-se concluir que parte significativa da dívida acima referida, foi contraída para desenvolvimento do setor agrícola. Essa área vai continuar a merecer a aposta para fazer crescer a economia? 

 

Agricultura é um dos quatro motores de crescimento económico. Se olharmos para o programa de governação Terra-Ranka, vamos encontrar quatro motores de crescimento, nomeadamente, agricultura, pescas, turismo e minas, mas no entanto, a agricultura é a principal fonte de receita da maior parte da população e do Estado.

Produzimos e exportamos cerca de 200 mil toneladas da castanha de caju, mas de outro lado, importamos também cerca de 200 mil toneladas de arroz, e essa importação acarreta prejuízo para o Estado, porque a divisa é utilizada para importação. Além disso, há um outro problema de instabilidade no mercado de arroz, que leva a oscilação dos preços.

É importante investir na produção do arroz para poder garantir autossuficiência alimentar. Esse assunto foi falado ao longo de várias décadas e houve vários investimentos na agricultura, com o objetivo de assegurar autossuficiência alimentar, com base na sua diversificação, mas que, infelizmente, os resultados não corresponderam aos investimentos feitos.

A nossa visão é continuar com agricultura como prioridade de governação, porque há uma atenção especial que os parceiros de desenvolvimento tem vindo a dar a esse setor que já recebeu vários financiamentos. 

Agora é preciso utilizar esses fundos de melhor maneira possível, para transformá-los nos resultados palpáveis. Nesses próximos quatros anos, vamos dar uma atenção especial à agricultura, porque há possibilidade de sairmos desse ciclo vicioso.

A nossa aposta vai ser na diversificação da produção agrícola, transformação de castanha de caju a nível do país, pois, de facto, a agricultura merece uma outra abordagem para tirar o país dessa situação que se encontra.

 

O país vai registar um crescimento económico no próximo ano. Como? E em que setores?

 

O crescimento económico do país é um processo complexo, não há Governo no mundo que pode assegurar que vai haver crescimento, porque não depende somente do Governo, porque cada um tem o seu papel. Geralmente, o executivo faz seu plano baseado na gestão macroeconómica, para garantir a estabilidade financeira.

Quando alguém pretende investir o seu dinheiro no país, saberá de antemão de aqui não vai haver problema, através de criação de condições para que a justiça funcione. De facto, o crescimento económico depende do setor privado.

Um país como a Guiné-Bissau que não tem um setor privado forte e uma poupança forte, não se pode esperar muita coisa, porque os bancos comerciais concedem créditos através de poupanças de outras pessoas. Se não há poupança interna, a estratégia seria atrair os investidores estrangeiros. Mas para que isso aconteça, o Governo tem que garantir a segurança aos investidores. 

Acredito que é possível, porque tudo vai depender da credibilidade do Governo. Temos que acelerar o crescimento, para tirar o país da pobreza, e a meta traçada é de 7.7 por cento em média.

 

Baseando na execução do Plano de Emergência, o setor energético e Obras Públicas parecem ser maiores beneficiários em termos de investimento público. Concorda? Porquê? 

 

Como disse logo no início da entrevista, o programa de emergência deriva daquilo que vimos durante a campanha eleitoral. De facto, foi interessante, porque além da visão do desenvolvimento, também ouvimos as preocupações das populações e as suas prioridades. Nessa dinâmica, a palavra mais ouvida durante a campanha eleitoral, foi sempre a fome. Portanto, foi assim que decidimos diminuir o preço do arroz e pão, no sentido de atender as preocupações da população.

E ao longo da campanha, a população queixou-se de más condições de estradas, falta de água potável, luz elétrica, entre outros. Então, foi nessa perspetiva que o Governo, nesses cem dias de governação, fez algumas intervenções nos setores de obras públicas e energia.

 

Senhor PM, qual a sua perceção em relação à liberdade de expressão e da imprensa

 

Na nossa sociedade existe um pacto social e político, que é a Constituição da República e demais leis, que dão a cada cidadão o direito de exprimir, desde que não ponha em causa os direitos doutrem, individual ou coletivo.

Na minha perceção, temos que criar condições para que as pessoas possam gozar dessas liberdades em todo o seu vertente. Garanto-vos que o meu Governo não vai oprimir nenhuma dessas liberdades, porque somos contra opressão.

 

Texto: Elci Pereira dias – Foto: José Djú

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