Luta armada começou em Tite há 60 anos

Passaram 60 anos desde que os guerrilheiros guineenses, comandados por Malam Sanha, inauguraram oficialmente, com fogo e sangue, na noite de 23 de Janeiro de 1963, o começo de uma das mais grandiosas epopeias de rotura com o colonizador em África, à seguir da Argélia de Bem-Bela.

O que é que já se fez para esgravatar, resgatar das cinzas e do esquecimento e colocar à disposição das escolas e da sociedade, os ricos registos dos factos e feitos heróicos dos antigos combatentes que nos deram a independência política?

Em resposta à esta responsabilidade, a Secretaria de Estado dos Antigos Combatentes, através do Centro de Documentão Histórica da Luta de Libertação que contribuir, pouco a pouco, começando a brindar o público deste jornal, com registos históricos sobre acontecimentos importantes durante a luta armada. Começamos hoje trazendo textos sobre o início da luta armada, à partir do capítulo sobre os Antecedentes do ataque ao quartel de Tite, em 1963, â norte de Quinará. Em parceria com a Secretaria de Estado dos Antigos Combatentes, o Nò Pintcha promete dar seguimento à divulgações do documento em série, nas próximas edições.

CAPÍTULO I

1 – Início da Luta Armada Contra o Colonialismo

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1 – Antecedentes Históricos

Após a fundação do Partido Africano para a Independência (PAI), em Setembro de 1956, as primeiras células clandestinas foram criadas em Bissau, Bolama e Bafatá, recorrendo a alguns elementos da pequena burguesia instalados nessas cidades. Para sondar o terreno, começaram por apresentar pequenas reivindicações de ordem salarial e social e foram despertando a consciência de injustiças e difundindo o sentimento nacionalista entre os assalariados de diversos sectores e os trabalhadores dos transportes fluviais.

A independência do Gana em 1957 e as perspectivas da Guiné-Conacri e do Senegal se tornarem, em breve, independentes, encorajou o terreno, chegando a pensar-se que, à semelhança do que estava a acontecer com os vizinhos, também, a então colónia da Guiné Portuguesa se iria torar independente, sem necessidade do recurso à luta armada.

As mobilizações crescentes no interior da Guiné, as mensagens do PAI ao governo português exigindo o início das conversações, o massacre dos estivadores no cais de Pindjiguiti, a 3 de Agosto de 1959, as primeiras acções armadas empreendidas pela Frente de Libertação da Guiné (FLING), de François Cancola Mendy, na noite do dia 17 e 18 de Junho de 1961, na tabanca de Baguingui e Ponte Campada, em São Domingos, no norte da Guiné e o assalto às prisões de Luanda por nacionalistas angolanos, em1962 seriam acontecimentos que levaram a uma onda de repressões por parte das autoridades coloniais, factos, que acabaram por criar um efeito antagónico, reforçando o sentimento nacionalista.

Aproveitando esse sentimento, Amílcar Cabral passou uns dias em Bissau, entre 14 e 21 de Setembro de 1959, tendo acordado com Aristides Pereira, Luís Cabral, Fernando Fortes, Rafael Barbosa e João da Silva Rosa, que abandonaria tudo e seguiria para a vizinha República da Guiné, de onde enviaria directrizes do partido para os militantes na Guiné Portuguesa.  Frustrada, então, a opção de luta pela independência por via pacífica, os dirigentes do PAI entenderam que restava, a via de tomada do poder através da acção armada. E, neste particular, Amílcar Cabral orientou seus partidários para a mobilização do povo, numa perspectiva moderna, lançando apelo de unidade para todos os grupos étnicos contra a presença colonial na Guiné. A acção armada pressupunha, na estratégia de Amílcar Cabral, a identificação com povo e conhecimento da realidade envolvente. A estratégia de Amílcar Cabral era claramente a da unidade e luta e anti-separatista.

Em finais do ano cinquenta, Amílcar Cabral retirou-se para Conacri, onde deu início o processo de luta pela independência. Na organização da luta, uma das primeiras acções do partido de Cabral, foi o envio de jovens quadros para superação militar na China. O primeiro grupo partiu em 5 de Janeiro de 1961, e era composto por dez elementos: Rui Djassi, Nino Vieira, Francisco Mendes (Chico Té), Pedro Ramos, Hilário Gaspar Rodrigues (Loló), Vitorino Costa, Manuel Saturnino da Costa, Domingos Ramos, Osvaldo Vieira e Tchutcho-Axon. Carlos Correia integrava esta primeira leva de formandos, mas com o destino a Alemanha do Leste.

Concluída a formação militar, Rui Djassi foi designado comandante da Zona Oito, região administrativa de Fulacunda-Quínara, monitorizando, também, a zona 11, Tombali, que estava sob responsabilidade militar de Nino Vieira. Como adjuntos de Rui Djassi estavam Zé Sanhá, comandante da guerrilha no sector de Cubisseco. Votorino Costa (Papa Lite), que depois da formação na ex-União Soviética, foi colocado no Gana como representante do partido, era comandante e responsável pela mobilização no região de Quinara. E Arafam Mané comandava o sector de São João-Bolama. 

As campanhas de mobilização popular tiveram início, clandestinamente, em meados de Outubro de 1961, e, concretamente, nas áreas entre Tite, São João e Fulacunda. Foi justamente nesse período em que se começou a se sentir a presença dos nacionalistas, como Arafan Mané (Ndjamba), Fernando Badinca, Quemo Mane, Tchambu Mane, Dauda Bangura, Adão Quadé, entre outros, nas áreas entre Tite, Sáo João e Fulacunda.

Vitorino Costa (Papa) que tinha chegado mais tarde a zona 7, coordenava o grupo (ainda disperso) e tinha a incumbência de reforçar as orientações do Bureau Central e relatar as ocorrências na zona. Adão Quadé (ou Adão Mancabo) era a figura da qual o grupo estabelecia a ligação com a base (esconderijo inicial em Lála), numa escala menor (sectorial), através de mensagens e contactos pessoais. Numa escala maior (regional), o agente de ligação entre Rui Djassi em Ndjassan e Vitorino Costa, em Lala-Porto era Arafam Mané (Ndjamba).

Portanto, em 1962, o grupo de nacionalistas conseguiu instalar uma base móvel (como esconderijo inicial) nessa localidade de Lala-Porto (próximo de Gã-Tongho), entre 4 a 6 quilómetros da vila de Entroncamento (como era designada a atual Nova Sintra). Encontraram acolhimento no lar de Manghu Alberto que era familiar de Fernando Badinca e de Adão Quade, mas o sustento estava a cargo do ancião Abdu Dabó, chefe de morança tabanca de Gã-Tongho.

Antes de mudar a base móvel para Gã-Djabela e Wanandim, em Novembro de 1962, fora, a partir de Lala-Porto, que o grupo começou a expandir outros núcleos de guerrilheiros para outras localidades como Flac-An, Flac Minde, Flac-Min, Flora, Bunaussa, Sanjoana, etc. Podia, também, deslocar-se para as tabancas de Uato em Bolama de baixo.

As acções do grupo, eram, geralmente nocturnas, que contava com uma lista de personalidades salientes como com o régulo de Bolama, Oliveira Sanca, Jaime Sampa e Lai Canté e que tinham também ligações com Rafael Barbosa, Aristides Pereira, Eustáquio, Aniceto, entre outros em Bissau e no sector de São João-Bolama.

Por: CDOHIL (Centro de Documentação Histórica da Luta Armada/Secretaria de Estado dos Antigos Combatentes. Coordenação Eduino Sanca)

(Continua na próxima edição)

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