Jornal Nô Pintcha: Escola de jornalismo

O prestigiado jornal Nô Pintcha, celebrou ontem o seu aniversário sob o lema “Jornal Nô Pintcha: 49 anos no panorama mediático guineense”, isso sugeriu-me a ideia de escrever sobre “JORNAL NÔ PINTCHA, ESCOLA DE JORNALISMO”. É, sem dúvida, uma tarefa não só árdua, porquanto leva-me a reviver o passado intensamente, mas, sobretudo, é interessante e gratificante dado que EU, sou jornalista formado pela ESCOLA DO NÔ PINTCHA.

Como dizia Amílcar Cabral, “Aprender, aprender sempre… Aprender nos livros, aprender com a experiência dos outros… Aprender sempre.” Daí que, não tenho dúvida de que o objetivo deste evento, mais que uma simples memoração de aniversário, é uma soberana ocasião que permite trocas de conhecimentos e de experiências entre as diferentes gerações de profissionais que laboraram no Nô Pintcha.

Desde a sua fundação, o Jornal Nô Pintcha tem sido uma escola onde o testemunho do saber é passado dos mais velhos aos mais novos, com rigor, paciência e persistência.

Na redação do Jornal Nô Pintcha tive a formação ON JOB. Aprendi o A-B-C do jornalismo; as técnicas de redação de notícias; conheci os géneros jornalísticos; aprendi a escrever obedecendo rigorosamente as regras gramaticais… Mas, acima de tudo, aprendi a pensar como jornalista quando em presença de facto de qualquer natureza. Também aprendi a consentir sacrifícios, a ser humilde, a cultivar a vontade de aprender e de evoluir na profissão corrigindo os erros e melhorando a minha performance profissional.

Neste jornal fiz a carreira, de repórter estagiário, evolui até redator principal e dali cheguei a diretor-geral graças a todos quantos quiseram ceder-me parte dos seus conhecimentos. No país, internamente, fiz coberturas jornalísticas em todas as regiões administrativas. Viajei ao exterior para estágios de superação, e, em missões de reportagem. Fiz grandes amizades, que preservarei toda a vida. OBRIGADO NÔ PINTCHA.

Teorizando um pouco, devo sublinhar o facto de que a comunicação social tem como objetivo estudar os fenómenos que ocorrem graças à relação entre a sociedade e os meios de comunicação de massa. Há que ter sempre em conta que a comunicação social abarca processos de informação, persuasão e entretenimento de indivíduos e grupos. Na globalidade, os meios de comunicação social consistem em sistemas de emissão e de transmissão de mensagens para um público vasto, disperso e heterogêneo. A designação abrange essencialmente os órgãos de comunicação de massas (mass media, na expressão inglesa) das áreas da imprensa periódica, rádio, televisão, teatro, propaganda e cinema. O Jornal Nô Pintcha enquadra-se nesse âmbito.

A partir dos anos 1990, a evolução do telex a internet veio revolucionar a área da comunicação, o que tem permitido que os conteúdos Nô Pintcha sejam compartilhados pontualmente através do seu site www.jornalnopintcha.gw.

Conquistou credibilidade e respeito junto aos seus leitores. Os seus profissionais sempre souberam acautelar as suas preferências pessoais de modo não influenciarem as suas atividades jornalísticas.

O percurso da Imprensa escrita na então Guiné Portuguesa

O nascimento da imprensa na então província da Guiné Portuguesa deveu-se à instalação de uma tipografia em Bolama, em 1879, que mais tarde viria a ser designada Imprensa Nacional (hoje Imprensa Nacional –Empresa Pública, INACEP), a maior gráfica do país.

Em consequência, viria a ser editada ali, no dia 31 de outubro de 1883, a primeira publicação denominada FRATERNIDADE, dedicada à sensibilização e recolha de fundos para socorrer as vítimas da seca que tinha ocorrido, nesse mesmo ano, em Cabo Verde.

Um ano depois da criação da Tipografia, em 1880, começou a ser editado o Boletim Oficial da Guiné que apenas foi interrompido, com o fim do regime colonial durante um curto período em 1974. Com a instalação dos serviços públicos da República da Guiné-Bissau foi retomado e a sua impressão continua a ser feita sob a tutela da Função Pública até a data presente.

Em 1920, surgiu a terceira publicação, ECOS DA GUINÉ. Seguiram-se em 1922, VOZ DA GUINÉ, um quinzenário republicano independente, e em 1924 o PRÓ-GUINÉ, órgão do Partido Democrático Republicano. Estas publicações, todas, pertenciam a portugueses radicados na Guiné.

Em 1930 surgiu O COMÉRCIO DA GUINÉ, o primeiro periódico editado e dirigido por um guineense, o advogado Armando António Pereira, que durou apenas um ano.

No entanto, congregou à sua volta figuras de relevo da sociedade guineense, como o poeta Fausto Duarte (coordenador de um dos Anuários da Guiné-1946), Alberto Pimentel, Álvaro Coelho Mendonça, Juvenal Cabral (pai de Amílcar Cabral), João Augusto Silva e Fernando Pais de Figueiredo.

Ainda na década de 30, surgiram outras três publicações: 15 DE AGOSTO (1932); SPORT LISBOA E BOLAMA (1938) e A GUINÉ AGRADECIDA.

O primeiro diário, e o único até aos dias de hoje, O ARAUTO, foi publicado em 1942, sob a forma de um boletim policopiado da responsabilidade da igreja católica.

No ano seguinte passou a mensário, ganhando uma nova roupagem ao ser impresso. É com esta nova imagem que mais tarde, em 1951, retoma a periodicidade diária que se prolonga até 1968, data em que deixa de ser publicado, na sequência de períodos difíceis caracterizados por dificuldades técnicas na sua tipografia em Bissau que contava com um pequeno corpo de tipógrafos guineenses.

Em 1956, em Bolama nasceu o jornal O BOLAMENSE, editado pela Delegação Regional da Cultura e Turismo e impresso na Tipografia de Bolama.

Em 1953, Amílcar Cabral na qualidade de Diretor dos Serviços Agrícolas em Bissau, criou e ajudou a animar o BOLETIM INFORMATIVO, um espaço de sensibilização e promoção da agricultura e seu valor na elevação do nível de vida das populações.

Dois anos após o desaparecimento do jornal da igreja católica (O Arauto), em 1968, o Centro de Informação e de Turismo da Guiné, lançou o NOTÍCIAS DA GUINÉ.

Decorridos outros dois anos, a Guiné deixa de dispor de jornais, supostamente por razões técnicas, registando-se apenas a publicação de boletins, quase todos efémeros e tratando temáticas especializadas, como por exemplo o POILÃO do Banco Nacional Ultramarino e o BOLETIM DA ASSOCIAÇÃO COMERCIAL, entre outros.

Só o BOLETIM CULTURAL, editado pelo Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, de 1946 a 1973, ganhou expressão e valor tanto pela sua longevidade, como pelo nível científico do seu conteúdo de carácter etnográfico, antropológico e literário. O Boletim Cultural totalizou um conjunto de 110 números considerados trabalhos de matiz científico.

Foram publicados três ANUÁRIOS DA GUINÉ: o primeiro em 1925, o segundo em 1946 e o terceiro em 1948. Porém, em janeiro de 1972 surge um novo jornal, A VOZ DA GUINÉ, dirigido pelo antigo Chefe da Redação de O Arauto, o reverendo Cruz de Amaral, que também passou a ser, na mesma ocasião,

Presidente da Comissão de Censura, órgão a que ele já pertencera e que velava pelos princípios políticos e ideológicos do regime.

Algumas revistas e jornais editados em Lisboa chegavam a Bissau de forma selecionada e versavam assuntos da metrópole: futebol, política oficial, discursos, viagens e missões de governantes, mas sem referências à Guiné.

JORNAL NÔ PINTCHA

Depois da independência, o jornal Nô Pintcha veio colmatar o espaço que existia, marcado pela ausência de informações nacionais (das tabancas às regiões). Na altura, o contexto económico e social, era marcado por uma elevada taxa de analfabetismo, o que fazia com que houvesse situações pouco abonadoras como a ausência de uma opinião pública informada e uma deficiente utilização da comunicação social para a livre expressão de opiniões diversificadas.

Na realidade, o regime saído da luta armada de libertação nacional, orientava a prática do chamado jornalismo militante que impunha de certa forma a autocensura. Posteriormente, na fase da transição ao pluralismo democrático, da democratização e da liberalização económica, houve situações claras de censuras e manipulação dos órgãos da comunicação social ao qual o jornal não escapou.

O Jornal Nô Pintcha, apesar das limitações de diversa ordem, tem vindo a criar uma nova relação com os seus leitores, ao embrenhar no acompanhamento do que está por trás de tudo o que acontece no país, mas, também, relativamente as diversas crises que ciclicamente afetam o país há longos anos.

Desde os primórdios da sua existência, este jornal tem cumprido o seu papel
trazendo à luz questões que permaneciam ocultas, apresentando os factos relevantes ao público.

É certo que o jornal existe para incomodar, no bom sentido; não pode ser passivo, nem condescendente com as situações que afetam a sociedade negativamente. Antes, pelo contrário, deve ser ponderado, atuando sem precipitações e pré-julgamentos injustos no desempenho do seu importante papel.

O jornal tem agilidade e capacidade de mobilização da opinião pública (nacional e internacional). Muitas vezes a sua atuação leva ao choque das investigações jornalísticas com a averiguação policial ou a revelação do segredo de justiça.

É tendo em consideração o importante papel do jornal que considero que os jornalistas devem respeitar escrupulosamente a ética e a deontologia, e fazer da promoção da cultura do diálogo e da paz, um dos objetivos principais do seu labor quotidiano, se não, a sua tarefa principal enquanto fazedores de opinião. Há urgência em conferir uma maior capacitação aos profissionais para melhores serviços prestarem.

O jornal não carece de autorização oficial para investigar. O aumento da criminalidade não pode ser combatido unicamente pelo recurso a repressão sem contar com a principal arma contra o crime organizado que é a informação.

Para que o maior jornal do país se mantenha credível na sua linha, é indispensável que paute as suas ações no rigor, na transparência e na isenção. Isso depende dos seus profissionais.

Bem-haja a todos os colegas.

Humberto Monteiro, JORNALISTA
Antigo Diretor-Geral do Nô Pintcha
Editor do Jornal Gazeta de Notícias

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