Início da Luta Armada Contra o Colonialismo (Parte 5)

 (Retomando o parágrafo anterior)

…Acrescenta ainda Gabriel de Moura que o militar colonial de serviço que tinha por missão percorrer o caminho com as luzes de iluminação colocadas dentro do aquartelamento “(…) viu os dois primeiros pretos a surgir, ao fundo, vindos do mato, correndo em direcção ao cavalo de frisa, logo seguidos de muitos mais, tendo apenas tempo para gritar em crioulo: “Jube! onde bó vai”? (Tu, onde vais?). No mesmo instante, atirou-se para o chão, quando do mato foram disparadas rajadas de metralhadora, em sua direcção, fazendo ricochete em vários pontos do caminho, levantando poeira, sem que nenhuma das balas das rajadas das metralhadoras o acertasse, talvez porque o ângulo do seu corpo, no chão, não fosse fácil para os atiradores e fizesse que os seus disparos errassem o alvo.

A 1ª maior humilhação do inimigo

Gabriel Moura diz que apertou o gatilho da metralhadora G3 e começou a disparar em direcção a uma pequena multidão de pretos que começou a rastejar no caminho para entrar no aquartelamento. Outros, os da frente, os que mais se aproximaram do cavalo de frisa, ainda conseguiram movê-lo e entrar no aquartelamento, indo pela parada numa grande confusão, pelo medo que as rajadas da sua metralhadora estavam a causar juntamente com as dos outros para si. (…)

Nos minutos iniciais, segundo o mesmo cronista, todas as reacções do interior do aquartelamento, perante os atacantes que conseguiram entrar no aquartelamento, foram lentas e a medida que cada um dos militares ia acordando e saltava da “tarimba” (cama), em cuecas, para ver o que se passava.

Explica ainda que “A cada minuto que se passava, a confusão era maior. Os camaradas, naquela grande confusão, de uns a sair pelos estreitos corredores entre as camas, umas por cima das outras, onde só cabia uma pessoa, se o de cima descia sem reparar no de baixo, caía em cima dele, ainda mais com as luzes apagadas, lá conseguiram ir buscar as suas armas às casernas, descarregadas, por vezes, por ordem “superior”, sem algumas peças para evitar o roubo ou apropriação do “inimigo” e a sua utilização. Deu, como era de esperar uma grande “barraca”, pondo os militares uns contra outros, com as casernas às escuras, uns com armas junto das camas ou nos armeiros. O nervosismo ‘aos montes’, o medo, a falta de experiência e alguns camaradas a berrar feridos com estilhaços de granadas e furos de balas.”

De repente terminou o sarapatel dando início a debandada total por parte dos atacantes. Dispersaram-se pelos lados de Branbanda, Biogath, Gã-Binta, Estrada de São João, Farancunda, Gã-Sene, etc. O grupo de Malam Sanha seguiu pela estrada principal, por onde tinha entrado. Os tugas só puderam reagir depois da retirada dos nacionalistas. Muitos deles partiram no encalço dos fugitivos vestidos de pijama, sem fardamenta. Também não arriscaram a percorrer muita distância. Ficaram pelas tabancas próximas.

O desmoronamento do mito do Capitão Curto

Do ponto de vista programático, o objectivo pretendido pelos nacionalistas, que era de libertar os prisioneiros, não foi atingido. Mas, do ponto de vista estratégico, a acção ficou marcada nos anais da história do país, porque permitiu espicaçar e humilhar o inimigo e mostrar-lhe que era possível atingir o seu ponto mais reverenciado e, apesar de não ter sido preparado como “início formal da lutar armada”, o 23 de Janeiro foi imediatamente reconhecido e adoptado como tal pelo Bureau Central do PAIGC. Mesmo assim, e apesar de tudo disso, os nacionalistas sofreram duas baixas nesta operação e dois feridos ligeiros. Terá sido morto no local, Wagna Na Bomba, guarda-costas de Malam Sanhá, da tabanca de Gamalam (perto de Djufa), e Ansumane Sanhá de Gã-Djabela. Este último, foi interceptado na retirada, preso e morto pelos tugas. Dominados pela ira e sentimento de terem sido ultrajados no seu poder e orgulho, os colonialistas numa brutal retaliação, no mesmo dia, assassinaram cerca de cinquenta presos políticos. E os dois feridos, tanto um como outro caminharam sozinhos pela mata sem cuidados paliativos. O Infamara Dabó, de Gã-Tongho, ferido na perna, e em situação crítica conseguiu chegar a casa. Malam Mané, também, ferido na perna, foi interceptado pelos tugas, curado e morto depois por estes, depois de vários interrogatórios e sevícias.

Entretanto, rapidamente, a notícia do ataque ao aquartelamento de Tite, chegou a Fulacunda, o que fez com que o Capitão (José Carreto Curto?) deslocasse muito irritado a Entroncamento (Nova Sintra), para ameaçar e advertir o Régulo Buli Djassi, do sucedido, avisando que se for confirmado aquilo que diziam que aconteceu em Tite, ele próprio, no regresso para Fulacunda, queimaria todas as casas, desde Bacar-Conte (perto de Buba) até São João.

Malam Sanhá evitou a tragédia que iria recair sobre populações indefesas, tendo em conta as ameaças do capitão. Recebendo, do mensageiro do régulo, as informações sobre tais ameaças, aconselhou o régulo a refugiar-se em Gã-Tongho para salvar a pele, garantindo-lhe que iriam tomar providências para evitar a tragédia. Rapidamente, decidiu desenhar um plano e antecipar às medidas drásticas do Capitão, tomando, imediatamente, a posição de ataque. Instalou suas forças numa emboscada, perto de uma encosta, junto à estrada, entre Entroncamento (Nova Sintra) e Serra Leon, na localidade de Ganbola, aguardando pelo regresso, de Tite, do capitão que espalhava o medo e terror. No mesmo dia do ataque de Tite, por volta das catorze horas, o Capitão vinha, então, num Jeep descapotado e em pé, escoltado por uma coluna de viaturas. Como era sua atitude, vinha com um ar de arrogante e autoritário, lançando palavrões por aquilo que observou em Tite e por cada ‘’preto’’ que via atravessar ou a caminhar nas bermas da estrada. Ao chegar ao local, Malam Sanha estava decidido. Ficou a caminhar na berma da estrada, disfarçado de humilde camponês coberto de pano aos ombros, com uma pistola e granadas escondidas, Acenou um dos braços fingindo pedir ingenuamente boleia (“passadjo, passadjo’’, como se dizia). O capitão mandou reduzir a velocidade e, mal ia se aproximando do camponês começando os berros de insultos de atrevido, a coluna foi bruscamente atacada. Na troca de tiros, consta que o Capitão foi atingido mortalmente pelos disparos de Malam Sanha. Os dois acontecimentos heróicos num só dia, fizeram ecoar o nome de Malam Sanha, pronunciado de boca em boca pelas populações, como um lendário combatente que abateu em tempo útil, um oficial colonial violento, carrasco e temeroso, e quem se julgavam não temer as balas daqueles a quem chamava de ‘’terroristas bandidos’’.

(Continua na  próxima edição) 

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