Início da Luta Armada Contra o Colonialismo – parte 1

CAPÍTULO I

(Continuação da edição anterior)

Depois da introdução ao Capítulo I, do início da luta armada em 23 de Janeiro de 1963, em Tite, região de Quínara, prosseguimos com as publicações, em série, de alguns episódios de destaque que marcaram a nossa história da luta pela independência. Na edição anterior do Nô Pintcha, iniciamos com o subcapítulo sobre ‘’Os Antecedentes Históricos’’ desse acontecimento e, hoje, trazemos ao público leitor o subcapítulo retratando o destaque sobre as circunstâncias da trágica morte prematura do herói, Vitorino Costa, denominado na clandestinidade por Pápa, num cerco inimigo em Sãojoana, em Julho de 1963.

1.2 – A Morte de Vitorino Costa

No início da década de sessenta, na região de Quínara (Tite, São João-Bolama, Fulacunda, Gampara, Bubampada), o povo vivia em ambiente puramente rural. A pouca tropa colonial que havia tinha balas contadas e os canos das armas estavam cheios de massa contra a ferrugem. A revolta contra o poder colonial português parece ter agudizado o método de reforço das perseguições militares e da polícia política a base do terror.

Januário Simões era um informador da PIDE e irmão de Manuel Simões, proprietário de estabelecimentos de comércio (lojas) em Cubisseco, Empada, etc. Residia em Bolama, mas viajava sozinho num carro, tendo sido interceptado pelo bigrupo de nacionalistas armados, chefiados por Caetano Barbosa, que, por sinal, era seu condiscípulo na escola primária em Bolama. A razão, portanto, da morte do informador Januário em 24 de Junho de 1962, em Paiunco, secção de São João estava relacionada com o facto deste ter identificado Caetano Barbosa. Situação que poria em risco a vida dos seus familiares em Bolama. 

Nessa mesma noite, os nacionalistas prosseguiram com as acções de sabotagem. Destruíram pontes, cortaram fios de comunicação telefónica entre as povoações, e deitaram fogo na casa do agente da PIDE, Ansu Mara. 

A morte de Januário Simões em Paiunco (por Caetano Barbosa), e do condutor de um Jeep de patrulha na estrada entre Medjo e Bedanda.(por José Sanha) e de dois soldados abatidos por Vitorino Costa antes de morrer, em SaoJoana, terão sido, portanto, os rastilhos que incendiaram ainda mais a ira das autoridades coloniais nas regiões de Tombali, Quinara e secção de São João-Bolama. Os casos causaram alvoroços, por serem as primeiras vítimas mortais de raça branca.

A partir destes episódios as autoridades coloniais intensificaram uma campanha brutal de perseguições, detenções e torturas fatais contra a população. O aquartelamento de Tite era o centro prisional com maior número de detidos e onde eram praticados interrogatórios a base de variadas e brutais formas de tortura física do tipo hitleriano, onde poucos conseguiram resistir com vida. Algumas formas de sevícias incluíam o atamento de cordas na retaguarda dos jeeps e nos pés dos prisioneiros sobre quem pendiam fortes suspeitas e os arrastavam ao logo das ruas da vila, antes vazar os corpos na vala comum atrás do quartel, como forma de pré-aviso para o cidadão que atrevesse colaborar com os nacionalistas.

Tite era o ‘’inferno’’ dos militantes clandestinos, o centro do terror durante e depois dos anos de mobilização e início da luta armada. À partir das informações que a polícia política e o exército conseguia arrancar dos detidos, queimavam-se povoações, colheitas e levavam gados para os quartéis.

Passado pouco tempo, as autoridades coloniais surpreenderam e encurralaram o grupo de Vitorino Costa em Sãojoana, próximo das tabancas de Salanca/Gà-Metilia, em15 de Julho de 1962. Constava-se que a denúncia fora feita pelo chefe da povoação de Bissassema, de nome Augusto. O Papa Lite, como, também, era conhecido, chefiava o grupo de mobilização popular em prol dos nacionalistas. Tinha controlado a acção clandestina em Empada, Banta, Bacar-Conté, Fulacunda, Buba e Tite. Tinha-se abrigado em casa do tio Simão em Sanjoana à espera de seguir viagem, com destino para Bolama, para onde levava orientações do Partido e ia discutir com o colega Arafam Mane a estratégia das acções de clandestinidade nessa cidade e arredores.

No momento do ataque, todos os companheiros de Vitorino Costa conseguiram fugir, ficando apenas o líder do grupo encurralado dentro de casa. Os soldados coloniais avançavam em direcção à casa, quando de rompante, ao sair de dentro de casa, em fuga, é atingido na perna e cai. Trazia uma bolsa de couro dos oficiais soviéticos pendurada ao ombro, contendo anotações e registos de nomes dos colaboradores, e, inclusive, as medalhas do PAI com símbolo da tocha (“chapas”, como eram clandestinamente designadas). As “chapas” serviam de vínculo de filiação no Partido.

Sabendo ele que estava em perigo de vida, ainda tentou rasgar o caderno com anotações, mas não foi a tempo. Os ‘’tugas’’ aproximavam-se cada vez mais junto dele com a intenção de o prender. Sacou da pistola e atirou, matando dois agentes, sendo, de seguida, atingido no peito. Os soldados avançaram com sevícias sobre o corpo estendido no chão, tendo-o cortado a cabeça e espetado num pau, e passeando-a, num Jeep, pelas ruas de Tite, gritando: “Quem conhece este bandido? Eis aqui o Papa, matamos o Papa Leite”. Tio Simon, foi quem se encarregou de realizar o funeral em Sãojoana.

Assim ficou pelo caminho, o herói dos dois primeiros anos de mobilização popular, sem que o seu exemplo de determinação e bravura tivessem sido apagados pelas balas do inimigo. Era, na prática, um rude golpe contra os nacionalistas, ainda na fase de se estabelecerem nas matas. Mas, apesar disso, pelo contrário, a sua morte reforçou ainda mais a determinação dos nacionalistas e alimentou mais a chama da revolução. Passados seis meses depois, a 23 de Janeiro de 1963, os seus compatriotas homenagearam-no e aos demais nacionalistas torturados e mortos nas prisões da PIDE-DGS e do exército, com o ataque a esse quartel.

Entretanto, nas mãos do exército e da polícia política (PIDE), as anotações contidas no pequeno caderno do herói, transformaram-se num achado precioso para o ‘’colon’’ e, inversamente, numa bomba de segredos que despoletou uma nova vaga de perseguições, detenções e brutais torturas fatais contra os nacionalistas em Bolama. São João, Tite, Fulacunda, Buba e Empada e seus arredores. Foi daí que resultaria a descoberta e prisão de muitos, entre os quais Domingos Badinca, cujas torturas inimagináveis faziam ecoar nos ventos nocturnos dos quarteirões contíguos da prisão de Bolama, o som de gritos do herói destemido que, perante dores, não hesitou em confirmar a sua militância pela causa da libertação, pronunciando abertamente palavras ásperas e agressivas contra os colonialistas, dando avisos aos agentes sobre a inevitabilidade do curso da história iniciada pelos nacionalistas: a libertação. Nas masmorras da polícia política e do exército, Domingos Badinca (homenageado na canção de Zé Carlos) tinha dias contados. Protestava, gritava e vociferava com firmeza até a morte.

1.3 – “Chapa ou Fogo

A “Chapa”, com a sigla PAI, era emblema do partido com o símbolo da tocha, que era utilizado pelos nacionalistas como prova de filiação no movimento libertador, o PAIGC. Tendo conhecimento da importância dessa divisa, os colonialistas adoptaram uma esperteza para descobrir no seio da população as ligações com os nacionalistas. O método fora introduzido por Capitão José Carreto Curto e consistia em percorrer as povoações, congregando as pessoas, com base na intervenção policial, em recintos abertos improvisados ou espécie de fórum para resolver litígios, em que o próprio Capitão era juiz. O objectivo do Capitão era obrigar sumariamente as pessoas a apresentar chapas. As pessoas eram obrigadas a apresentar-se em sentido e com as mãos à cabeça. E a medida que fossem apresentadas o Capitão, no alto da sua inclemência, perguntava a pessoa: – “Chapa ou Fogo”? As pessoas eram ainda revistadas por um grupo de policiais exterminadores, para ver as chapas. Quem por medo do “Fogo” mostrasse “Chapa” era, imediatamente, preso e torturado em Tite. E se, por outro lado, resistir contra as provocações dos policiais a pessoa era fuzilada, publicamente, no local.

A persistência da tropa e dos informadores da DGS-PIDE contra a população obrigou os nacionalistas a refugiarem-se nas matas de Wanandim e Gã-djabela (terra de Quemo Mané), Gã-Tongho e mais tarde recuar para a floresta de Gã-Fode Mussá. Nesse período, as actividades dos nacionalistas ficaram reduzidas às acções de sabotagem contra o inimigo, traduzindo-se em corte de linhas telefónicas e cabos eléctricos. 

Se, por um lado, as detenções e perdas de vidas humanas aumentaram o medo no seio da população do sector de Quínara e São João-Bolama, tendo afundado, radicalmente, a relação entre o cidadão e o Estado colonial, por outro lado, a situação contribuiu para reforçar, cada vez mais, a convicção e determinação dos nacionalistas na luta contra a dominação colonial.

Para além das barbaridades, já citadas, um dos ataques, por exemplo, que serviu como ponto de viragem para alistamento de muitos jovens no grupo dos nacionalistas, como Lega Mané, Seco Djassi, entre outros, foi aquele perpetrado pelas tropas de Tite (reforçadas pelos pelotões vindos de Fulacunda e Buba e Bafata e Bolama) contra a base de Gã-Tongho – assunto a desenvolver mais a frente.

Tendo sido concluído, portanto, que a presença dos nacionalistas no sector de Quínara e São João-Bolama, vinha causando mais danos do que ganhos à população civil, e, por cima, operando sem meios bélicos capazes de responder as investidas dos tugas, o grupo resolveu retirar-se taticamente para a povoação de Calunca, junto à fronteira da Guiné-Conacri.

(Continua na próxima edição)                      

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