O governo liderado por Nuno Gomes Nabiam gastou, num curto espaço de tempo, cerca de um milhão e meio de dólares no pagamento de dívidas contraídas pelos seus antecessores, incluindo o de Domingos Simões Pereira.
Em entrevista exclusiva ao jornal “Nô Pintcha”, o ministro das Finanças, Alage Mamadu Fadia, disse que os débitos contraídos não são somente desse governo, mas sim dos anteriores, isso numa clara alusão aos comentários que têm surgido em como o país está com elevado nível de endividamento, esquecendo-se que a situação não é de agora, remonta há vários anos.
“Há muita coisa dentro do saco, que o deixou quase cheio. Pagamos ao BOAD cerca de 18 mil milhões de franco CFA de dívidas dos anteriores governos, principalmente, das pessoas que hoje dizem que o país está com uma taxa elevada de dívida”, revelou o governante.
Nessa entrevista, Fadia lembrou ter pago dívida contraída pelo governo do PAIGC, liderado por Domingos Simões Pereira, para a reestruturação das empresas Guinetel e Guine-Telecom, que não chegou de acontecer e tantas outras.
O ministro das Finanças informou que foi ele, enquanto Diretor Nacional do BCEAO, 15 dias depois da tomada de posse do governo de Simões Pereira, dirigiu a operação de mobilizar 15 mil milhões de francos CFA que permitiram assegurar cinco meses de salário na Administração Pública.
O que significa aprovação da segunda avaliação do programa de ajustamento económico pelo FMI para a Guiné-Bissau?
A Guiné-Bissau não conseguiu manter o programa com o Fundo Monetário Internacional (FMI) que estava em vigor em 2018, esse programa era para ser executado até Abril de 2019.
No governo de Aristides Gomes nenhuma avaliação fosse feita, isso levou com que o país deixasse de ter programa com FMI até 2020. Com a entrada em função do novo executivo, liderado por Nuno Gome Nabian, em março de 2020, logo começou-se a entabular contactos com o FMI, no sentido de estabelecer um programa de referência. No entanto, esse restabelecimento de diálogo coincidiu com a pandemia da Covid-19, o que tem afetado bastante a economia mundial, onde o FMI também não foge a realidade.
Mas, mesmo com essa paralisia provocada pela crise sanitária, as autoridades nacionais continuaram o diálogo com o Fundo, a fim dessa instituição financeira internacional abrisse as portas à Guiné-Bissau.
Após a abertura demonstrada por parte do FMI, logo os técnicos do Ministério das Finanças e daquela instituição financeira começaram a discutir os elementos que vão suportar o programa.
Durante o trabalho de retoma do programa com FMI, falou-se do défice orçamental, do rácio da divida, despesas sociais, das receitas, entre outros. No fundo são esses pressupostos que são chamados o programa.
Para ter acesso ao programa com FMI, o país interessado é obrigado a definir um calendário onde vai fixar a meta, indicando que em determinado período vai arrecadar essas receitas, assim como despesas a fazer.
Como bem sabem que o FMI tem o seu procedimento de fazer aprovar os acordos. Portanto, com base nesse critério, o Ministério das Finanças constituiu uma equipa composta pelos técnicos nacionais que trabalhou para estabelecer pontes.
Qualquer acordo conseguido com o FMI sempre é sujeito à ratificação ou aprovação, e se for um programa financeiro é aprovado pelo Conselho da Administração e se é de referência é aprovado pela direção, que é o nosso caso.
Agora, a diferença entre o programa financeiro e de referência, o programa de referência está ligado ao staff, não passa pelo Conselho da Administração. Esse tipo de programa não está associado a um financiamento.
Ao passo que o programa financeiro fixa metas e medidas a implementar, mas cabe ao Fundo indicar como vai ser feito esse programa. Portanto, esse tipo de programa precisa de apoio financeiro, para permitir que os fundos sejam desbloqueados em função das avaliações feitas. Se o programa é de três anos fazem cinco ou seis avaliações e cada uma recebe um montante que é associado ao financiamento.
É importante a Guiné-Bissau ter o programa com FMI, porque é auditor internacional das boas práticas em termos de gestão macroeconómica. Se o Fundo Monetário, na sua avaliação, considerar que as políticas implementadas são corretas, isto abre portas às outras instituições estabelecer parceria com o país.
De facto, importa referir que a relação com essa instituição financeira é muito importante para a Guiné-Bissau, porque vai permitir que outros parceiros comecem a acreditar nas autoridades nacionais, o que é muito bom para o desenvolvimento do país.
Em que se baseia a aprovação do programa de referência com FMI?
O programa está no quadro do que foi acordado, ou seja, há um programa de referência com três avaliações. Geralmente, as avaliações são semestrais, mas no nosso caso estabelecemos um acordo para que a avaliação fosse trimestral, porque o programa é só de nove meses, começou em junho e vai terminar em dezembro, o que significa que o objetivo foi atingido.
Como explica o crescimento económico de 1.5% no ano 2020 e 3.8% no ano passado?
De facto, não obstante a pandemia, durante o ano 2020 a economia mundial regrediu bastante, portanto todos os países foram atingidos com a Covid-19. Se formos ver as economias têm uma relação de interdependência. Não pode produzir se não tem quem comprar, esta situação mexeu com comércio internacional e as transações, o que tem refletido na balança do pagamento.
Com toda essa situação que afetou a economia mundial, a Guiné-Bissau conseguiu crescer 1, 5% e a previsão é para aumentar 6,3%, mas isso é questão de vir acordar com os parceiros. A nossa estatística aponta para esse aumento já referenciado lá em cima.
O crescimento significa que aumentou a riqueza, aliás, temos como bom indicador a campanha de castanha de caju. Quando o produtor consegue vender toda a sua castanha, mostra que conseguiu ter um bom rendimento.
Em 2021, pela primeira vez na história da Guiné-Bissau, foram exportadas 229 mil toneladas de castanha, o que tem contribuído no aumento da riqueza do país. A par disso, registamos o aumento de produção da eletricidade que, também, contribuiu na acumulação de riqueza.
Já no âmbito de investimento, assistimos a construção de estradas, de grandes hotéis e de algumas fábricas. Se me perguntar em termos práticos como vê este crescimento, a resposta é aumento de números de casas cobertos de zinco nos últimos anos.
Hoje é difícil ver casas cobertas de palhas, também nota-se o aumento de casas cobertas de telhados, isto é um sinal de crescimento ecónomo.
Um outro fator que contribuiu no crescimento económico é o pagamento atempado de salário aos servidores públicos, permitindo fluxo comercial e circulação de dinheiro. É isso que proporciona o aumento do Produto Interno Bruto (PIB).
O que nos pode dizer sobre o investimento público nesses últimos dois anos?
O investimento tem duas componentes, um com recursos externos e outro com fundos próprios (Orçamento Geral do Estado). Até aqui o investimento público tem melhorado. Em 2020 saímos de quatro para oito mil milhões de francos CFA de contrapartida e, em 2021, passou para 12 mil milhões de francos CFA.
E em 2022, o investimento vai passar para mais de 15 mil milhões de francos CFA. Tudo isso é esforço interno associado aos recursos externos para aumentar o investimento em vários setores, como agricultura, infraestruturas rodoviárias, escolares, hospitalares, entre outros.
Agora a pergunta que se coloca seria se é suficiente, diria que não. Precisamos ainda de mais investimentos em diferentes áreas para facilitar a mobilidade das pessoas e minimizar custos de vida da população. Devíamos ter a nossa frota aérea e marítima, ter melhores estradas, hospitais e escolas, mas isso vai depender dos nossos recursos e do nosso empenho. Para que a verdade seja dita, a Guiné-Bissau continua estar na lista dos países pobres. E, portanto, o nosso rendimento provém do setor agrário, principalmente da castanha de caju que depende do mercado internacional.
Contamos com muito apoio em termos de dom aos projetos das instituições, como o Banco Mundial, o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e outros em que a componente empréstimo entra de forma mais reduzida.
Mas na verdade estamos a fazer mais esforço cada vez mais com recursos internos, para acompanhar o setor de investimento.
Será que há um mecanismo de acompanhamento desses fundos desbloqueados para o investimento?
Sim. Os investimentos são traduzidos em termos práticos através de projetos, os quais são geridos pelos ministérios setoriais, que reportam ao Ministério das Finanças, através do Ministério da Economia, mas há um acompanhamento de projetos.
Qual é o impacto do acontecimento de 1 de fevereiro na economia do país?
Como cidadão lamento muito sobre o que aconteceu naquele dia, porque vivemos ataque de uma forma dramática, então são estas notícias que, quando saem para mundo fora, mancham a imagem do país, e é uma marca catastrófica que a Guiné-Bissau já assistiu.
Respondendo diretamente a sua questão, o país voltou a retroceder e afetou o grau de confiança que se sentíamos aqui no Ministério das Finanças. Sentíamos entusiasmo no relacionamento com algumas instituições parceiras, e até posso dizer que essa relação saiu de confiança para entusiasmo. Aliás, vê-se esses sinais nas obras de reabilitação do Hospital Nacional Simão Mendes e nas outras áreas.
As receitas públicas durante a primeira quinzena de fevereiro são mais de 500 milhões de francos CFA, isto referente ao imposto e às alfândegas, porque a importação reduziu. Em fim, tudo caiu no desânimo e na falta de confiança.
Custa-me dizer que não gostamos da Guiné-Bissau, um país que tem tudo para estar à frente de vários países do mundo, infelizmente, passamos todo o nosso tempo em conflitos políticos que acabam por refletir nos esforços de desenvolvimento. Hoje estamos na cauda em termos de Índice do Desenvolvimento Humano.
A Guiné-Bissau tem chuva e terra arável para a prática de agricultura e desenvolvimento de turismo, e ainda importamos mais de 100 mil toneladas de arroz por ano, se não fosse a exportação de castanha de caju estaríamos permanentemente deficitários em termos de balança de pagamento, graças a esse produto estratégico conseguimos equilibrar.
Quais os desafios para o presente ano económico?
É consolidar o programa com o Fundo Monetário Internacional, que permitirá ao país receber mais apoios dos parceiros. Fruto disso, recebemos uma missão do Banco Africano de Desenvolvimento, BAD, chefiada pelo seu presidente, que perspetiva alcatroar a estrada Tanafe/Farim e a construção de ponte sobre Rio Farim. Essa instituição financeira vai apoiar, ainda, o Governo na produção de arroz e, por fim, prevê um apoio orçamental direto na ordem de 12 milhões de dólares.
Enquanto isso, o Bando Mundial está a fazer tudo para conseguir os fundos para a construção da estrada Safim/Djeguê (fronteira da Guiné-Bissau com Senegal), ainda temos financiamento do Banco Árabe de Desenvolvimento Económico da África (BADEA), para a construção da estrada que vai começar do Prédio dos Antigos Combatentes à vila de Nhacra, além do financiamento para alcatroamento da Estrada Guimetal/alfândegas.
Antes do acontecimento de 1 de fevereiro, pedi um financiamento para a reabilitação da Estrada Safim/Jugudul e recebi a resposta que o meu pedido está a ser estudado.
Para o setor da agricultura, fiz um pedido para ABUDABI FOND, para autossuficiência alimentar.
Recebi no meu gabinete uma missão de uma empresa egípcia que investe em África no setor de energia, que está interessado em vir investir no país na área da energia solar, com capacidade de produzir 20 Megas. A energia consumida atualmente é importada, e se acontecer algo com a empresa Karpower, atual fornecedora de energia elétrica, cidade Bissau ficará sem luz.
O problema do país é tão enorme, que o Ministério das Finanças está a trabalhar para conseguir o “carimbo” do FMI para poder influenciar outros investidores.
Que explicação pode dar sobre o nível de endividamento do país?
Nós estamos a trabalhar para consolidação orçamental, aqui não falamos muito, se dissemos tudo que temos feito até aqui, com certeza as pessoas vão ficar surpresas. Há uma dinâmica na implementação de boas práticas de gestão das finanças públicas. É esse espírito que nos tem granjeado uma boa imagem para o exterior, portanto, não podemos falar de nós mesmos, mas que saibam que tudo o que se pretende fazer são as Finanças que procuram meios.
A título de exemplo, a recente participação da seleção nacional no CAN Camarões 2021 que custou pouco mais de 700 milhões de Francos CFA para Tesouro Público. Mas, mesmo assim os salários são pagos a tempo, assim como nunca faltou comida nos quartéis e nas esquadras. Também, estamos a investir no Hospital Nacional Simão Mendes. Nesse momento está a caminho uma fábrica de oxigénio que custa 250 milhões de francos CFA para assegurar a produção de cerca de 106 garrafas de oxigénio por dia.
Todos esses trabalhos que estão a ser feitos visam o desenvolvimento do país, embora haja pessoas que dizem que estamos a endividar o país e esqueceram que essas dívidas não nasceram hoje. Há muita coisa dentro do saco, quase o saco da dívida estava cheio. Pagamos ao BOAD cerca de 18 mil milhões de francos CFA de dívidas dos anteriores governos, principalmente, das pessoas que hoje andam a dizer que o país está com uma taxa elevada de dívidas.
Pagamos uma dívida contraída pelo governo do PAIGC, liderado por Domingos Simões Pereira, para a reestruturação das empresas Guinetel e Guine Telecom, que não chegou a acontecer, entre tantas outras.
O momento não é para tirar pedras a outros, só porque não é a pessoa da sua conveniência que está lá. O governo de Simões Pereira, 15 dias depois de tomada de posse, eu, enquanto Diretor Nacional do BCEAO, que dirigi a operação de mobilizar 15 mil milhões de francos CFA, que permitiram assegurar cinco meses de salários na Função Pública. Agora, pergunto será que esta dívida foi paga, claro que não, e o famoso resgate também é uma dívida para pagar.
Este governo já pagou cerca de um milhão e meio de dólares do ano passado à esta data, e pedi que prolongassem um bocadinho o período de pagamento dessas dívidas, devido à pandemia da Covid-19. O problema da dívida é ter capacidade de pagá-la, mas endividar todos os países endividam.
Texto: Alfredo Saminanco
Fotos: José Dju