Entre as 200 mil toneladas da castanha de caju declaradas, até 7 de setembro 118.225 haviam sido exportadas e, estima-se a fuga de cerca de 100 mil quilos pelas fronteiras terrestres, restando ainda cerca de cinco a dez mil toneladas nas mãos dos camponeses e intermediários. Esses dados foram revelados pelo ministro do Comércio em entrevista ao Nô Pintcha.
João Handem Júnior admitiu a possibilidade de haver fome no país, resultando da consequência da má campanha de comercialização de caju.
O governante sublinhou que o Executivo está a tentar minimizar o sofrimento da população, com medidas compensatórias, através de redução de preços dos produtos de primeira necessidade, consubstanciada no Programa de Emergência do Governo.
Aliás, acrescentou, como se verificou com a redução de preço do arroz (nhelém 100 por cento partido) de 22.500 para 17.500 francos CFA, de forma a permitir que haja poder compra desse cereal consumido por um número considerável da população, senão a maioria.
Igualmente, está a ter impacto positivo o levantamento das barreiras não tarifárias, permitindo assim o escoamento do resto da castanha que se encontra junto dos produtores e intermediários. “Agora, embora com a campanha praticamente finda, nos últimos dias nota-se alguma movimentação dos operadores no sentido de escoar a castanha para o Porto de Bissau, o que tem estado a desencorajar tentativas desenfreadas de fuga do produto pelas fronteiras terrestres”.
Uma outra medida tomada pelo Governo tem a ver com a suspensão e redução de várias taxas alfandegárias que, de acordo com o despacho conjunto dos ministros da Economia e Finanças e do Comércio. Segundo o documento, não faziam sentido cobranças de alguns impostos e nem aplicação de algumas taxas aos operadores económicos.
Conforme o ministro do Comércio, o levantamento das barreiras não tarifárias estimulou os intermediários a comprarem a castanha neste momento a 300 francos CFA o quilo.
Fuga de 100 mil toneladas
As estimativas apontam que cerca de 100 mil toneladas foram exportadas através das fronteiras terrestres, situação que tem contribuído na perda de algumas receitas.
De acordo com os dados disponíveis, a castanha da Guiné-Bissau é comprada no mercado internacional na ordem de 900 dólares por tonelada. “Mas se o processo de secagem for bem respeitado pelos atores da fileira, esse preço pode subir até 1.200 dólares”, disse o ministro
Na última semana foram intercetados dois camiões transportando 11 mil toneladas de castanha cada. A intenção era exportar o produto clandestinamente para o Senegal.
Perante este ato, o ministro disse, citando o despacho conjunto em vigor, que determina que qualquer operador apanhado em flagrante na tentativa de exportar a castanha por via terrestre perde todo o produto e os meios usados nessa operação a favor de Estado.
“Esse contrabando praticado pelos operadores económicos ou cidadãos comuns aconteceu numa altura em que está em vigor um despacho que criminaliza essa prática. Portanto, resta-nos apenas encaminhar o processo junto das instituições competentes para os devidos efeitos”, referiu Handem.
Laboratório de certificação da castanha
Para rentabilizar o setor de caju, João Handem lembrou da existência de três unidades de transformação da castanha, no âmbito da cooperação com a Líbia, mas encontram-se neste momento inoperacionais.
O governante disse que já existe plano para a reativação dessas indústrias e demais micro unidades de processamento da castanha. Até lá, defendeu a necessidade de criação de um laboratório de certificação internacional desse produto estratégico.
Handem justificou que os laboratórios das Pescas e dos Recursos Naturais não têm condições para certificar a qualidade da castanha de caju.
No entender do ministro do Comércio, há necessidade de o Governo procurar um parceiro capaz de instalar um laboratório de certificação da qualidade da castanha. De igual modo, defendeu, renegociar com o governo líbio, no sentido de aproveitar as infraestruturas instaladas para o efeito de processamento da castanha.
Por outro lado, sugeriu o ministro, negociar com um parceiro que tem a capacidade de comprar uma parte da nossa castanha e levar a outra para transformar e exportar com etiqueta da Guiné-Bissau.
O Ministério de Comércio, como já foi referido, estima-se a fuga de cerca de 100 mil toneladas através das fronteiras terrestres, por isso, espera-se a queda da exportação do produto declarado abaixo de 200 mil toneladas inicialmente previsto.
Por ser a principal fonte de crescimento da economia e sustento de mais de 80 por cento da população, há toda uma necessidade de reestruturar a fileira de caju, que rende anualmente muitos milhões de dólares ao país.
A incapacidade de sucessivos governos em transformar localmente o produto tem favorecido os países asiáticos como a Índia e Vietname, enquanto principais destinos das exportações da castanha bruta.
Para Handem Júnior, é preciso mudar o paradigma no tocante à plantação de cajueiros, porque boa parte de pomares se encontra velho, o que de certa forma tem contribuído na queda da produção.
Castanha do ano passado
Sobre a castanha da campanha anterior, que ainda se encontra estocada por falta de comprador, o ministro do Comércio revelou ter recebido propostas de dois interessados.
Segundo Handem, a grande dificuldade em atender essas propostas é que os interessados querem que o Governo assuma a garantia da exportação, o que, no seu entender, deve ser a tarefa do setor privado.
Por seu lado, o presidente da Associação Nacional dos Agricultores da Guiné-Bissau (ANAG), Jaime Boles Gomes, considera de crime económico a compra da castanha abaixo do preço estipulado pelo Governo. Porém, lamentou, dizendo que no país “as transgressões se deixam passar como se tratassem de atos normais”.
Com base em cálculos feitos pela ANAG, o país aproveita apenas 30 por cento do valor de caju, neste caso a castanha, desperdiçando os restantes 70 por cento. “Se esse produto for devidamente explorada, o país ganharia três vezes mais do que tem beneficiado atualmente.
O agricultor defendeu a aplicação de medidas severas aos empresários que violarem os preços de referência fixados pelos governos.
“A confiscação da castanha por violação do preço de referência pode, certamente, regular o comportamento de outros prevaricadores. Assim, todos os intervenientes saem a ganhar e, consequentemente, as economias das famílias e do país crescem, permitindo que haja o poder de compra”, disse o presidente da ANAG.
Jaime Boles lembrou que tinha alertado às autoridades competentes, no sentido de intervierem para salvar a campanha de comercialização da castanha caju, mas o seu apelo não foi ouvido na altura, pois, os atores políticos estavam focalizados na campanha eleitoral.
“O imposto de contribuição predial urbana, cujo fundo é para financiar o tratamento dos pomares, tem sido usado indevidamente. Em 2019 foram consumidos um bilião e novecentos e cinquenta milhões de francos CFA; em 2020 cerca de 1.5 biliões foram usados e, na campanha de 2022 fomos informados que entrou mais de três biliões que, no entanto, não sabemos se esse dinheiro existe”, denunciou.
Para finalizar, Jaime Boles destacou que a castanha da Guiné-Bissau, apesar de ser considerada mais saborosa, o seu valor caiu para 900 dólares a tonelada, devido ao tratamento inadequado do produto, enquanto a do Benim se situa em 1.400 dólares, por apresentar melhores condições de conservação.
Aliu Baldé