Mochilas e cacifes transformados em farmácias

A venda de medicamentos no mercado informal ou nas ruas atinge proporções alarmantes, constituindo assim uma ameaça à saúde pública e concorrência desleal ao mercado farmacêutico.

Essa prática nociva à saúde humana tende aumentar nos últimos anos no país, devido à fraca capacidade de controlo da Inspeção Geral de Saúde. Perante a inoperância desse serviço, a venda ambulante de medicamentos está a transformar-se no mercado de emprego de alguns curiosos e forma de ganha-pão.

Mesmo com a sua interdição pelas autoridades sanitárias, os curiosos continuam a desafiar a ordem, vendendo esses medicamentos de forma ambulatória nas avenidas e nos mercados da capital, assim como no interior do país.

Essas pessoas, além de não estarem devidamente credenciadas para o efeito, também os locais onde esses medicamentos são vendidos não apresentam condições para a conservação dos mesmos, isso associado às péssimas condições de higiene. Também, os medicamentos estão expostos às temperaturas acima dos 25 graus, o que faz com que os medicamentos percam seus princípios ativos.

Segundo constatou o repórter do Nô Pintcha, os “farmacêuticos de rua” adotam novas técnicas para transgredir a lei e os agentes da inspeção, camuflando com coletes de Orange e MTN como vendedores de crédito, com mochilas nas costas cheias de medicamentos, deambulando de um lado para outro. Igualmente, usam os cacifes e contentores para a venda discreta de medicamentos. 

Algumas farmácias e/ou farmacêuticos são cúmplices pelo aumento de venda de medicamentos nas ruas, porque são eles os fornecedores de medicamento a esses indivíduos, principalmente àquelas farmácias que não respeitam as exigências do Ministério de Saúde.

De facto, aqui na capital, essa prática está a diminuir gradualmente, devido ao nível de escolaridade de pessoas e os trabalhos de inspeção que estão a ser levados a cabo e a própria colaboração de alguns cidadãos, que denunciam esses prevaricadores de saúde junto das autoridades competentes.

Mas no interior do país, a realidade é totalmente diferente, porque naquelas zonas, devido à alta taxa de analfabetismo e fraco poder de compra, facto que leva o aumento dia-pós-dias dessa prática de venda ambulante de medicamentos, substituindo assim as farmácias. Agora, a compra de medicamentos transportados nas “mochilas” está-se a transformar num hábito, principalmente nas zonas rurais e nos subúrbios de Bissau. 

No interior, essa atividade é muito mais notória, devido à insuficiência de farmácias. Há zonas do país onde não existe uma única farmácia nem centro de saúde. Mediante aquela situação, a população é obrigada a procurar alternativas. O mais caricato de tudo é que, nessas localidades, as pessoas automedicam-se.

Durante essa reportagem, as pessoas confessaram que recorrem aos “farmacêuticos de mochilas” as vezes não porque querem, mas sim por falta de meios financeiros. Segundo informações, uma carteira de sudrex ou de paracetamol custa 300 francos CFA nas mãos de vendedores ambulantes, enquanto nas farmácias custa 500 francos. Portanto, para esses clientes a qualidade ou a proveniência de medicamentos pouco importa.

 De acordo com os resultados de um estudo, as principais causas de mortes em África subsariana está relacionada à automedicação ou compra de medicamentos nas mãos de pessoas não acreditadas, o que constituiu quase 40 por centos.

Para disciplinar essa atividade no país, foi criada a Autoridade Reguladora das Farmácias, Medicamentos e outros produtos sanitários, publicado no suplemento de Boletim Oficial, número dois, de 4 de julho de 2023.

O objetivo desse instrumento é de assegurar as normas e garantir que a lei seja cumprida, desde os ensaios clínicos, a conservação dos medicamentos e até venda nas farmácias. Portanto, pensa-se que com a criação dessa entidade será possível garantir a qualidade, a segurança e o princípio ativo dos fármacos vendidos.

Busca de solução

De acordo com as informações que jornal Nô Pintcha apurou no terreno, desde a independência a esta data o país foi invadido com atividades ilícitas quase em todos os setores, mas o mais preocupante foi no setor de saúde, facto que levou o atual ministro de Saúde Pública Domingos Malu a convocar uma reunião de emergência com os intervenientes na área, nomeadamente os proprietários de farmácias, clínicas e consultórios médico para busca de solução definitiva desse problema.          

Na reunião, segundo apurou o semanário, Malu pediu à colaboração total de proprietários de farmácias, no sentido de denunciarem a venda ilegal de medicamentos e, consequentemente, no combate à importação ilegal de medicamentos.

Na opinião do governante, essa luta não deve ser somente do Ministério da Saúde Pública e dos seus técnicos, mas sim de toda a sociedade, porque o problema de saúde é um problema nacional e transversal.

Para desencorajar essa prática, Domingos Malu anunciou a realização de uma campanha de apreensão de venda ilegal de medicamentos em todo o território, que vai contar com a colaboração dos ministérios da Administração Territorial e do Interior.

Na explicação do ministro, os infratores, uma vez proibidos a vender seus produtos nos centros urbanos, agora procuram feiras populares (lumos), para exporem esses produtos, prejudicando a saúde pública.  

Farmácias

No mercado farmacêutico tem-se registado uma melhoria significativa, embora algumas farmácias continuam a não cumprir com as exigências do Ministério da Saúde, através da Direção-Geral da Inspeção.

Em 2017, saiu um circular, no qual foi determinado que todas as farmácias devem ter armazém de stock, aparelho de ar-condicionado, prateleiras e um farmacêutico e balconista.

Portanto, essa situação está a gerar desconforto entre os proprietários, porque uns alegam que fazem tudo para cumprir com as orientações das autoridades sanitárias enquanto outros não.

Além dessa situação, o repórter constatou que há uma oscilação de preço de medicamentos, o que está a provocar uma certa preocupação para o Ministério da Saúde.

No encontro com os proprietários de farmácias e clinicas, o ministro aproveitou a ocasião para aconselhar aqueles que ainda não estão a cumprir com as exigências para fazê-lo antes de dezembro, caso contrário tomarão medidas severas.

Nesse sentido, pediu à associação de farmacêuticos, no sentido de continuarem a trabalhar junto dos seus associados para melhorar a qualidade do serviço prestado ao público.

A iniciativa visa corrigir tudo que está em falta no funcionamento das farmácias. Também, foi apurado que antes de entrada em vigor de Autoridade Reguladora, o país não disponha de uma lei que orientava as atividades de farmácia e clinica, aliás, esse último ainda não está regularizada.

Na ausência desse instrumento, foi produzido o despacho número 37/ 2016, que vigora como lei para orientar essa atividade.    

No referido encontro, o ministro manifestou total abertura em apoiar no que for necessário, “mas na base de colaboração institucional”.

Criação de laboratório

Depois de 49 anos de independência, vai-se criar um laboratório de certificação de qualidade, para acabar com a circulação de medicamentos de proveniência duvidosa ou falsos no mercado.

Para isso, vai-se realizar um trabalho de reavaliação de condições de farmácias antes do final do ano, porque o país não pode continuar a compactuar com desordem que se verifica nessa área.

Segundo novas exigências do Ministério da Saúde, as farmácias são obrigadas a montar uma estrutura de contabilidade, que vai permitir fazer cálculos de rendimento, assim, em função disso, o Estado aplica imposto.

Enquanto isso, o responsável de associação de proprietários de farmácias pediu a intervenção do Governo para acabar com a venda ambulante de medicamentos, porque essa prática reflete negativamente nos seus rendimentos.

“Além de obstrução de mercado de venda de medicamento, também constitui uma forte ameaça à saúde pública e proporciona uma concorrência desleal”, disse.

De igual modo, para facilitar o atendimento nas farmácias, os farmacêuticos recomendam aos técnicos de saúde a constar seus números de telefones nas receitas.

Rotura de medicamento

Nesse momento, o país está a deparar com rotura de stocks de medicamentos, devido à incapacidade das empresas autorizadas a importar medicamentos. Além dessa situação, os farmacêuticos pedem à mudança da política concernente à importação fármacos modernos, “porque, de facto, a Guiné-Bissau está muito atrasado”.

Um outro problema com que o país depara nesse setor tem a ver com a falta de mercado de materiais médicos, o que tem constituído uma barreira para o normal funcionamento das instituições sanitárias e, também, contribui para a ineficácia do sistema.

Entretanto, a associação da classe pede à intervenção do Governo o mais rápido possível, para permitir que as farmácias, clinicas, centros de saúde e hospitais possam ter capacidade de resposta aos desafios de momento. De igual modo, exorta às autoridades no sentido de agilizar a criação de uma legislação.

De recordar que há alguns anos, a Inspeção Geral de Atividade em Saúde encerrou as portas de algumas empresas importadoras de medicamentos por alegado incumprimento dos termos do contrato celebrado em 2017.

Alfredo Saminanco

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