Emmanuel MACRON em Bissau

Vir a Bissau o Presidente da França é, sem dúvida um acontecimento diplomático extraordinário. Luís Cabral foi recebido por Valéry Giscard d’Estaign, mas foi num encontro que teve lugar em Conacri, corria o ano de 1978. Nino Vieira foi recebido por François Miterrand em visita oficial, nos Campos Elísios, em Paris. Recentemente, Úmaro Sissoco Embaló foi recebido, com notável pompa e circunstância, por Emmanuel Macron, nos Campos Elísios, em Paris. Mas vale sublinhar: é a primeira vez que um Chefe de Estado da França vem a Bissau em visita de trabalho e de amizade.

Trata-se, pois, de um acontecimento inédito, e só não direi que é uma visita histórica para não abusar na adjetivação.

I – A empatia também conta

A visita do Chefe de Estado de um país que é um dos cinco Membros Permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, por conseguinte, um player global é, para a Guiné-Bissau – já o disse -, um marco diplomático de maior importância. É algo de que os guineenses não se podem esquecer pelo muito que esta visita, em si mesma, representa: de ativa solidariedade gaulesa, de um voto de confiança, de indiscutível promessa de cooperação que assim é feita à Guiné-Bissau e ao seu Presidente da República.

A este evento diplomático que hoje veio expor a Guiné-Bissau à uma nova luz – de facto, veio expô-la a uma notoriedade internacional inédita no bom sentido -, tem de se acrescentar também outro seu potencial, que se deve precisamente ao facto de a França ser um ator geopolítico global: o impacto desta visita extravasa a sua moldura institucional mais estrita que é, como se sabe, a do reforço das relações bilaterais guiné-gaulesas. Traduz, pois, um salto diplomático de tal modo qualitativo que, por assim dizer, estabeleceu imediatamente um patamar novo na interlocução externa do Estado guineense com a França, mas não apenas com a República francesa.

Repare-se, desde logo, que a visita de trabalho e de amizade do Presidente gaulês ao nosso país está a acontecer a menos de um mês após o Chefe de Estado guineense ter sido eleito Presidente da Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CEDEAO.

Ora, não escapará a nenhum observador minimamente atento que, esta quase coincidência temporal e sua inevitável repercussão externa, dificilmente deixará de capitalizar diplomaticamente o exercício da própria Presidência guineense da CEDEAO, uma mais-valia que, como se percebe, não temos de minimizar.

Também não será despropositado chamar a atenção do meu leitor para mais este ponto: a vinda de Emmanuel Macron a Bissau a convite do General de Exército Úmaro Sissoco Embaló exprime, a montante, uma evidente empatia interpessoal que vem provar que, mesmo nos graves assuntos de Estado, o coeficiente pessoal dos protagonistas pode ser – como neste caso claramente é – um ativo político

considerável. Que pode vir a ter implicações, mesmo estruturantes, isto é, muito benéficas particularmente para o nosso país, a longo prazo. Oxalá!

IIDesenvolvimento e o seu conceito

Não cabe num pequeno artigo, nem sequer tentativamente, fazer um balanço das relações bilaterais entre a Guiné-Bissau e a França, que são muitas extensas, diversificadas, com registos de maior ou menor intensificação ao longo de mais de quarenta anos, mais precisamente desde 1976. Saliento, apenas com duas notícias, a presença notável da França no processamento do nosso primeiro, e último, conceito estratégico de desenvolvimento (definido ainda em 1977).

Naquela altura – antes da amnésia geral secar completamente o pensamento económico guineense – sabíamos muito bem que desenvolvimento era (e é) um conceito inconcebível sem uma crescente capacidade produtiva da nação, que, por sua vez, implica, impreterivelmente, uma intensificação científica e tecnológica – logo, industrial – em todos os setores da economia, agricultura incluída.

Notícia 1 – montagem de automóveis “Citroen”

“Antes do fim do ano (de 1978), o primeiro carro “Citroen” será ancado no mercado.

Queremos dizer que esse projeto…custará ainda menos do que a garagem de reparações Volvo que vamos montar. É uma oficina de montagem que dispõe de material que pode servir para a montagem daqueles carros, mas que também pode servir para muitos outros trabalhos metalo-mecânicos como, por exemplo a construção de instrumentos agrícolas. É uma fábrica polivalente… que nos dará possibilidades de montar automóveis como carros de “patrulha” que podem servir para as Forças Armadas ou para trabalhos de estradas ou fronteiras, como ainda

pequenas camionetas de 300 a 400 quilos que, amanhã, podem vir a ser utilizadas até pelos nossos lavradores para o transporte de arroz e de outras coisas. Portanto, trata-se de uma coisa com grandes implicações na nossa vida. (O estado da Nação, 1978, pp. 68-9).

Notícia 2 – pesca industrial

Existe a SEMAPESCA, que é uma empresa mista com a França e que, inicialmente instalamos em Cacheu, mas que depois foi transferida para Bissau. Estamos convencidos de que esta vai ser uma das grandes empresas no setor das pescas.

Primeiro, porque os nossos associados na constituição desta empresa são gente com grande experiencia de pesca nas nossas costas, e trabalhando noutros países africanos desta área, com grande conhecimento da situação das suas águas territoriais.

Segundo, porque a SEMAPESCA começou por construir as infraestruturas necessárias

para poder pescar. Assim, a empresa está a construir uma fábrica de gelo e câmaras frigorificas grandes para a conservação de peixe. Portanto, está a fazer todas as instalações necessárias para ode de facto, ser viável, ser rentável. Já adquiriu um barco novo e nós também temos outro barco que foi uma oferta da França, no quadro da cooperação entre os dois países. Isso demonstra que dentro de alguns meses, a SEMAPESCA, depois de construídas as instalações e depois da chegada daqueles barcos, irá ser uma empresa bastante válida para nós, do ponto de vista de exploração e de exportação do nosso peixe.

Isto é um ponto importante porque, nas nossas conversações, está assente que a SEMAPESCA será uma empresa que irá trabalhar juntamente connosco, desde a captura até a venda do peixe na Europa. Quer dizer: não vamos vender-lhes peixe no porto de Bissau para eles irem vender na Europa. Vamos, juntos, vender o peixe na Europa. E acho que a venda do peixe nos países desenvolvidos da Europa dará um grande lucro. (O estado da Nação, 1978, pp.163-4).

Depois de décadas a implementar um modelo infalível de não-desenvolvimento – cujo símbolo mais gritante é talvez a conjugação fatal de exportação maciça da castanha de cajú in natura e importação maciça de arroz –, pode ser que a mudança geracional em curso traga consigo uma inteligente remodelação económica da Guiné-Bissau. E que uma diplomacia económica “agressivamente” inteligente renove com a França uma parceria de desenvolvimento económico, impulsionada por este novo élan que resulta do protagonismo dos Presidentes Úmaro Sissoco Embaló e Emmanuel Macron. Oxalá.

27 de julho de 2022

Fernando Delfim da Silva

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