Administrador de Canchungo defende realização urgente das autarquias

Cerca de três décadas passaram desde que a Guiné-Bissau começou a exercitar a democracia, com a realização, simultânea, das eleições legislativas e presidenciais em 1994. De lá para cá, o povo já foi chamado cinco vezes para escolher os seus representantes na Assembleia Nacional Popular e o Presidente da República, sendo autarquias ainda uma miragem, para assim completar o ciclo eleitoral.

Em consequência, as regiões, mas todas elas, estão votadas ao “esquecimento”, com as infraestruturas (artérias e edifícios públicos,…) das principais cidades a denunciar degradação acentuada. Para já, programas de desenvolvimento regional e local não faltam, mas o problema reside na mobilização de fundos para a sua implementação.

Perante esta realidade, o Administrador do Setor de Canchungo defende a realização das eleições locais (autarquias) o mais urgente possível, porque, no seu entender, é a única forma de tirar as regiões da situação de penúria em que se encontram, com infraestruturas públicas deterioradas, falta de energia elétrica, água potável, entre outras necessidades básicas.

Até lá, Bernardo Gomes e sua equipa estão empenhados, no sentido de aumentar o volume de receitas para, gradualmente, implementar os projetos consubstanciados no Plano de Desenvolvimento Sustentável do Setor de Canchungo (2019-2025), elaborado com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e da União Europeia (UE).

A tarefa não é nada fácil perante escassas fontes de receitas e necessidades ilimitadas. Aliás, à semelhança de outras cidades do interior, falta tudo e mais alguma coisa em Canchungo. Porém, a administração local tem, nesta primeira fase, um plano para a reabilitação da residência do administrador e do Centro Materno Infantil, assim como a recuperação da rede de água e normalização do fornecimento de energia elétrica.

As coletas de receitas não cobrem às necessidades da administração, visto que, da receita bruta arrecadada, 12,5% vão, obrigatoriamente, para à tutela e o resto é repartido de forma igual com a administração regional.

Essa “ínfima” parte que resta, segundo Bernardo Gomes, é utilizada no pagamento do pessoal, funcionamento, manutenção da cidade, apoios de carater social, entre outras despesas. Não obstante, revelou que não tem recebido o seu ordenado desde setembro último, período que foi nomeado para esse cargo.

Acresce a essas despesas o pagamento dos 16 meses de atrasados com o pessoal que o Bernardo diz ter herdado da administração anterior, “situação que está a ser resolvida de forma gradual, sempre que tenha aumentado as receitas”.

A nível do mercado, onde provém a maior parte das contribuições, não se conseguiu fazer grande coisa, apenas a recolha diário do lixo e abastecimento de água aos utentes, através de um furo feito pela própria administração.

As principais fontes de receita são as taxas de abates de animais, cobranças do mercado, feira popular (lumo), ocupação da via pública, licenças de construção, as taxas de utilização do terminal dos transportes, enfim, todo um conjunto de subcategorias de parcelas que permitem à administração angariar dinheiro.

Património

Em relação ao material de escritório, a Administração de Canchungo tem muita carência. Apenas existem velhas secretárias que já estão fora de padrões universalmente aceites para o normal funcionamento dos serviços administrativos. O edifício acaba de ser reabilitado, porque se encontrava num estado deplorável, que não oferecia condições de trabalho.

De igual modo, Bernardo Gomes confessou que o Estado não tem, atualmente, nenhuma parcela de terreno em Canchungo, devido à aquilo que considerou de má gestão de anteriores responsáveis que, “contra as expetativas de ocupantes tradicionais, fizeram arruamentos e partilhas desagradáveis”.

Neste momento, porém, está suspenso todo o processo de conceção e venda de terrenos. “E nós, enquanto administração local, estamos a gerir problemas deixados pelos nossos antecessores, que receberam dinheiro das mãos dos interessados, sem que, no entanto, tivessem conseguido ceder parcelas a todos”, revelou Gomes.

É um problema herdado, disse o administrador, mas, como a governação é continuidade, está-se a tentar, na medida do possível, resolver cada caso e, consequentemente, atenuar o sofrimento da população. São mais de 30 talhões que o Administração deve recompensar os clientes.

A situação é tão ridícula a ponto de Bernardo Gomes confessar que, hoje em dia, se aparecer um investidor, público ou privado, que queira construir um empreendimento de utilidade pública, a Administração local não tem uma única parcela a ceder, porque nas anteriores partilhas feitas não foi acautelado esse pormenor da necessidade de reserva.

“Para pôr cobro a situação, estamos neste momento, a negociar com os ocupantes tradicionais a possibilidade de cedência de mais outros terrenos, porque temos em carteira alguns projetos ligados à educação, nomeadamente a construção de uma escola pela Missão Católica e a instalação de um centro técnico-profissional agrícola, com capacidade para duzentas pessoas em regime de internato”, revelou o administrador.

Os trabalhos desse último projeto, concebido por uma ONG nacional sediada em França, estão atrasados, devido à falta de terreno, situação que tem condicionado a assinatura do acordo que devia ser concretizado desde janeiro último em Paris. Porém, está-se a diligenciar nas periferias de Canchungo, no sentido de conseguir terreno para esse efeito, porque, segundo o administrador, o setor não pode perder essa oportunidade por falta de espaço.

Saneamento básico

Em relação ao saneamento básico, Bernardo Gomes lembrou que foi exatamente no dia 1 do pretérito fevereiro que a Administração procedeu ao lançamento e divulgação de um projeto com essa finalidade. Neste âmbito, através de uma ONG francesa, está prevista a aquisição de um carro para a evacuação do lixo, “o que de certa forma vai aliviar algumas despesas”.

Igualmente, existe um projeto de recuperação da rede de água, que deixa muita falta. A situação preocupa “bastante” a Administração local, razão pela qual essa problemática faz parte de um conjunto de atividades consubstanciadas no Plano de Desenvolvimento Sustentável do Setor, que envolve diferentes instituições públicas e inclui as comunidades locais.

Energia elétrica

O fornecimento da energia elétrica é um assunto que o administrador de Canchungo nem queria comentar, porque, segundo suas palavras, é irritante falar daquilo que considera de autêntico drama vivido pelos clientes consumidores.

Em termos factuais, disse que não há luz elétrica em Canchungo, A maioria dos citadinos utiliza vela, porque a empresa fornecedora faz gestão baseada no “abuso e na violação de normas. Para já, não está devidamente a cumprir nenhuma cláusula do acordo que assinou com o Ministério da Energia”, denunciou.

Referiu que no documento rubricado entre as partes, consta que a energia é vendida a preço de 350 francos por um kw e, se houver a necessidade de aumento, deve-se, antecipadamente, informar a Administração local e ao Ministério da Energia, o que não está a ser cumprido, denúncia essa que o repórter do Nô Pintcha tentou confirmar junto da empresa em Canchungo, mas sem sucesso.

Além disso, acrescenta Bernardo Gomes, Canchungo é a cidade, a nível do país, onde a energia elétrica é mais cara, 750/kw. Esta situação tem suscitado reações por parte da população, que saiu à rua em sinal de protesto, mas sem efeito, isso para não falar das diligências feitas em Bissau, para a resolução do problema.

“Não vou desistir, aliás, estou a ponderar levar o caso ao conhecimento do Primeiro-Ministro e/ou do Presidente da República. Se à esse nível também não surtir efeito, vamos, conjuntamente com a população, deslocar até às instalações da central elétrica, património público, proceder o seu encerramento”, advertiu o administrador.

O mais irrisório, de acordo com Bernardo Gomes, é que todas as infraestruturas elétricas em Canchungo, nomeadamente central, postes e ramais pertencem ao Estado, mas a empresa não tem pago nada, ainda por cima fatura à administração o consumo da energia. “Assim sendo, já mandamos também o aviso de pagamento à empresa, caso de não cumprimento vamos tomar medidas de acordo com a lei”.

Com exceção dessa empresa fornecedora de energia, Bernardo Gomes afirmou ter trabalhado em estreita colaboração com o setor privado, sobretudo os comerciantes, assim com a polícia e o do exército, enfim, todas as instituições e serviços descentralizados do Estado sedeados no setor.

Furto de gado

O furto de gado constitui a maior preocupação da Administração local, que, sistematicamente, tem recebido denúncias e queixas relacionadas com esse fenómeno que tem inquietado os populares do Setor de Canchungo.

“Sem exagero, esses furtos aparentam ser encomendados, porque em várias situações de justiça, os larápios apresentam-se com advogados no tribunal, enquanto o assaltado sem capacidade para constituir defesa. O que vale dizer em outras palavras, que o ladrão é defendido e o dono dos animais é espancado e, em certas circunstâncias, assassinado”, lamentou Bernardo Gomes.

Por isso, sugeriu a realização de campanhas de sensibilização em todos níveis, para a recolha de armas militares espalhadas, mantendo os soldados nos quartéis. “Isto porque, durante a ação de roubo é frequente ver os ladrões com uniforme militar, com armas automáticas e, às vezes, com bazucas, granadas, e isso cria uma certa ambiguidade, além de pôr em causa a imagem da instituição castrense”.

Entretanto, o furto é um fenómeno muito frequente em Canchungo. A sua prática não conhece idade, aliás, em janeiro passado, um jovem ladrão de 23 anos de idade, que tinha muito para dar ao país, perdeu a vida durante tiroteio com os agentes políciais.

Para por cobro a situação, o Estado tem que assumir a sua responsabilidade em garantir segurança à população, o que passa, como sugeriu o administrador, pela campanha de sensibilização de recolha de armas e exercer maior controlo na sua circulação.

Adulai Djalo

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