O Centro de Saúde Mental de Enterramento, em Bissau, foi construído em 1984, com o financiamento da Cooperação Holandesa. Após a sua inauguração no mesmo ano, a gestão esteve ao cargo dessa instituição durante 10 anos, onde era garantido não só o serviço de consulta externa, como internamento de doentes.
Na altura, dava-se comida aos doentes internados, assim como exames laboratoriais, tratamento, medicamentos de forma gratuita, além de seguimento aos pacientes, através de visitas domiciliárias. Portanto, naquela época, o centro tinha todas as condições de um centro digno do seu nome, por isso, era considerado um estabelecimento de referência a nível da Costa Ocidental da África.
Naquela era, o centro recebia doentes vindos dos países vizinhos, nomeadamente da Guiné Conacri, Senegal e Gâmbia, devido à qualidade de serviço que prestava, aliás, todo o tratamento era gratuito.
Em 1994, a gestão do Centro passou para o Governo da Guiné-Bissau, regime que prevaleceu até o eclodir do conflito militar de 7 de junho de 1998. Mas durante a guerra, o edifício foi fortemente atingido e saqueado, tendo o espaço sido invadido, depois da guerra, com construções de habitações.
Em 2000, com a insistência de alguns técnicos, o então governo, através do Ministério de Saúde Pública, acabou por disponibilizar um balão improvisado no Hospital 3 de Agosto, com o apoio financeiro da Organização Mundial de Saúde (OMS), mas os atendimentos eram ambulatórios, porque não havia condições para o internamento.
Nesse balcão improvisado, eram os familiares dos pacientes que passaram a custear o tratamento, inclusive compra de medicamentos. Como é de conhecimento público, os medicamentos para tratamento de doentes mentais não são convencionais, por isso, são caríssimos e, além de mais, nem todas as farmácias que vendem esses medicamentos, isso para não dizer que não há no país. Portanto, são essas e mais outras situações que dificultam o tratamento de doentes mentais.
Com o apoio da União Europeia, foi edificado um novo centro no mesmo local onde funcionava o antigo, em 2016, com a capacidade de internamento de 36 camas, mas que nunca chegou de funcionar por falta de meios. Até neste momento o atendimento dos doentes é ambulatório, mesmo havendo camas para internar.
Atualmente, o centro, além da sua especialidade de atendimento, também foi criado outros serviços, como os de psicologia, social, exames laboratoriais, farmácia e enfermagem.
Entretanto, o centro foi criado na altura exatamente para atender os doentes de fórum psiquiátrico e neurológico, com uma capacidade de internamento de 60 camas, e, ainda com melhores condições.
Neste momento em que se regista o aumento de número de população e de casos, o Centro de Saúde Mental de Enterramento atravessa piores momentos desde a sua criação, quando, na verdade, deveria estar à altura de responder os desafios sanitários.
Estamos a falar de um centro que outrora foi considerado de referência, mas que hoje funciona em regime de tratamento ambulatório, sem camas para os pacientes internos, sem cozinha, refeitório, celas para separar os doentes agressivos dos outros.
Centro abandonado
Sobre este assunto, o repórter do jornal Nô Pintcha falou com a diretora do Centro, Finhamba Quessangue, que começou por lamentar a situação, informando que o Governo não dá apoio mínimo ao centro. Segundo ela, o centro funciona em regime de autogestão, isto é, através de cobranças de consultas e outros serviços.
“Cobramos a primeira consulta 1500 francos CFA, controlo de rotina 1000 francos, é esse dinheiro que utilizado no pagamento de salário aos dez contratados, num valor estimado em mais de 400 mil francos CFA, além de serviço de limpeza, fundo de maneio e manutenção, pelo que é urgente o Governo assumir a sua responsabilidade para que o centro possa funcionar na sua plenitude”, esclareceu.
Aquela responsável disse que há uma necessidade de descentralizar os serviços do Centro de Saúde Mental para todo o território nacional, porque a Guiné-Bissau não é só a capital, mas, antes, o Ministério da Saúde Pública tem que honrar com o seu compromisso de garantir saúde à população, que passa necessariamente pela criação de condições laborais e salariais.
Na defesa da sua tese, Finhamba Quessangue disse que a população do interior tem mesmos direitos com a de Bissau, mas isso não acontece na realidade. “Evacuar um doente mental de ilhas de Bubaque para Bissau é um risco grande, porque todos sabemos que lidar com uma pessoa com problema psíquica é difícil”.
Falta de especialistas
A diretora informou que atualmente no país só existe um técnico especialista em psiquiatria, mas que está colocado no Hospital Militar, além dessa especialidade, também o centro precisa de um adenologista, porque a cada dia o consumo de droga está a aumentar, principalmente nos adolescentes.
Na sua opinião, o Estado deve apostar na formação de mais técnicos especialistas em diferentes matérias ligadas à saúde mental, isto para fazer face a essas situações que estão a transformar-se num problema nacional.
Ainda na sua explicação, disse que há várias situações que são conectadas ao problema de saúde mental, como o caso de crenças, cultura, tradições e ritos, razão pela qual é preciso o envolvimento sério das autoridades sanitárias, bem como das comunidades nas campanhas de sensibilizações sobre a mudança de mentalidade de pessoas em relação a essa doença.
“Quando alguém está com problemas mentais, os familiares recorrem logo ao tratamento tradicional, e só quando o paciente piorar é que procuram o centro. Portanto, há doentes que são orientados para ir junto a um psicólogo, recusam alegando que não são loucos. Essa resistência também tem sido um dos fatores que está a contribuir no aumento de casos no país”, salientou.
De acordo com aquela responsável, além de tratamento, também trabalham na prevenção, um método muito mais barato e acessível, mas deparam sempre com a falta de colaboração do público.
Revelou que depois da pandemia de Covid-19, tem aumentado o número de doentes de transtorno de ansiedade no país, devido à situação socioeconómico e político que está a precipitar o nível de intolerância e de stress na sociedade.
A depressão que há uns anos é considerada como doença ocidental, hoje já é uma realidade no país, porque o homem guineense mudou a sua forma de viver por causa de fatores sociais que exercem seus poderes coercivos contra a própria sociedade.
Melhoria do atendimento
Mário Iamta, técnico do Centro de Saúde Mental, disse que neste momento estão a labutar para melhorar o serviço de atendimento. Sublinhou que na questão de saúde mental, cada doente é um doente único (linguagem técnica), por se tratar de uma área muito complicada de medicina.
Na saúde mental não há sintomas patolomónicos como o paludismo. Para diagnosticar um paciente, requer um esforço enorme da parte do médico. “Quando chega um doente somos obrigados a fazer vários tipos de exames quer com doente e com os familiares e só depois que tomamos a decisão, portanto, é um trabalho de muita paciência”.
Segundo sua explanação, quando recebem um paciente, antes de consulta, primeiramente tentam saber junto da família o seu estado, se é uma pessoa temperada ou não, se consome bebidas alcoólicas, liamba, drogas e até se gosta de frequentar lugares de lazer, são conjunto de exames que fazem para melhor compreender o estado de doente.
“No conjunto das questões que fazemos, tentamos saber se o paciente é uma pessoa intervertida ou extrovertido. Caso o doente seja pessoa intervertida (fechada, que não gosta de partilhar seus problemas com próximos e até com os médicos) é difícil de ser diagnosticado”, assegurou.
Um outro segredo para melhor tratamento do doente é confiança, entrega, simpatia e abertura com os pacientes e acompanhantes, tentando sempre colocar-se no lugar de pessoa doente, porque qualquer um pode contrair doença mental, dependendo da genética de cada pessoa.
Mário Iamta disse que depois do tratamento, dão orientações às famílias de como lidar com o doente em casa e que tipo de alimentação é apropriado, isto no sentido de ajudar na sua recuperação.
Ainda a nível do tratamento do doente, disse que esse não só precisa de ser medicado ou alimentado, também um cuidado emocional, espiritual e física, chamado tratamento holística.
Ao longo do processo de recuperação do paciente, fazem tudo para que ele não volte a viver o seu passado ou lembrá-lo, porque é constituído de recordações perigosas que podem refletir na saúde de pessoa.
Aumento de casos
Mário Iamta revelou que nos últimos anos, os casos de doentes mentais têm aumento a um ritmo muito acelerado, devido vários fatores, entre os quais, os problemas de epilepsia (problema neurológico, pessoas que caiem de cabeça), de drogas recreativos, que, de facto, está a “destruir” a camada juvenil.
“O grande problema que o consumo de álcool e drogas causam numa pessoa é o bloqueio da parte do planeamento, limitando assim a capacidade racional e cognitiva de pessoa”, disse.
O técnico informa que além dessas, também existem outras como a depressão, amor entre a família, desemprego, transtorno de ajustamento, que é causado por falecimento de um dos cônjuges e ansiedade.
Alfredo Saminanco