Os restos mortais do ex-Presidente da República de Transição, Aladje Manuel Serifo Nhamajo, foram à enterrar no sábado, dia 23 de maio, com honras de Estado, numa cerimónia dirigida pelo Presidente da República, General Umaru Sisssoco Embaló, realizada no Palácio Colinas de Boé.
Aladje Manuel Serifo Nhamajo faleceu a 17 de março último, em Lisboa, aos 62 anos, vítima de doença prolongada. O malogrado, que deixa viúva e quatro filhos, assumiu a Presidência da Guiné-Bissau de 2012 a 2014, num período bastante conturbado da história do país, então provocado por um golpe militar que ocorreu nas vésperas da segunda volta da eleição presidencial.
Durante a sua vida, Serifo Nhamajo foi dirigente político exemplar, conhecido pela sua frieza extraordinária na tomada de decisões, um homem que soube sempre estabelecer pontes onde fosse necessário para reconciliar e unir as pessoas em conflito. Era conhecido como um homem de paz. Foi deputado da Nação durante muitos anos e do Parlamento da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) no qual foi vice-presidente e Presidente em exercício da Assembleia Nacional Popular (ANP).
Dado o alastramento rápido e perigoso da pandemia Covid-19, vinda da longínqua cidade de Wuhan, no centro da China, foi necessário uma espera de mais de dois meses para que a transladação dos restos mortais do malogrado Presidente de Transição da Guiné-Bissau fosse possível.
O féretro de Aladje Manuel Serifo Nhamajo, acompanhado de sua esposa, Hadja Isolina da Fonseca Nhamajo e alguns familiares, foi transportado de Lisboa para Bissau num Boeing 767-300 ER, da companhia aérea portuguesa, Euroatlantic, que aterrou no Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira na sexta-feira, por volta das 19 horas, onde era esperado por uma delegação política constituída por Hadja Satu Camará Pinto – vice-presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP), Sandji Fati – ministro.de Defesa Nacional, Botche Candé – ministro do Interior, Mário Dias Sami – deputado da Nação e Mama Saliu Lamba – vice-presidente da APU-PDGB. Depois, a comitiva seguiu para a casa do malogrado, no Bairro Militar, onde milhares de pessoas aguardavam pela sua chegada. No sábado, dia 23, por volta das 13 horas, realizou-se o funeral na residência do seu pai, Aladje Mussa Nhamajo, onde este também se encontra sepultado.
As cerimónias fúnebres, acompanhadas de uma salva de 21 tiros de canhão, contou com as presenças do Presidente da Assembleia Nacional Popular, Cipriano Cassamá, do Primeiro-Ministro, Nuno Gomes Nabiam, do coordenador do Madem G-15, Braima Camará, dos membros do Governo, líderes religiosos da comunidade islâmica e milhares de cidadãos, dentre eles familiares, amigos, colegas, camaradas e simples cidadãos comovidos pelo desaparecimento físico do ex-Presidente Nhamajo.
Cerimónia fúnebre
Em cumprimento do programa das exéquias, o cortejo partiu da casa do malogrado, no Bairro Militar, seguiu pela Avenida dos Combatentes da Liberdade da Pátria, depois percorreu a Avenida Francisco Mendes, passando à frente da sede nacional do PAIGC (o partido do falecido Nhamajo) na Praça dos Heróis Nacionais, onde foi saudado por alguns militantes, conduzidos por Adiato Djaló Nandigna, vice-presidente do PAIGC e Califa Seidi, líder de bancada do partido libertador.
A sua chegada ao Palácio Colinas de Boé, da Assembleia Nacional Popular (ANP), o cortejo foi saudado por uma parada militar dos três ramos das Forças Armadas, para depois a urna funerária, coberta da bandeira nacional, foi depositada em câmara-ardente no salão de reuniões da plenária onde se procedeu à cerimónia oficial das exéquias.
Essa cerimónia foi presidida pelo Chefe de Estado, o General Umaru Sissoco Embaló, na presença da viúva e restantes familiares, do Presidente da ANP, do Primeiro-Ministro, do vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, do presidente do Tribunal de Contas, do procurador-geral da República, do antigo Presidente da República, ministros titulares das pastas de soberania, alguns deputados da Nação, representantes dos partidos com assento parlamentar, ex-Primeiro-Ministro, decano do corpo diplomático e representes religiosos da comunidade islâmica do país.
Além das mensagens dos partidos com assento parlamentar, foi lido um elogio fúnebre por parte da ANP, mensagens da família com agradecimentos ao Governo e, por último, a mensagem da segunda vice-Presidente da ANP.
No elogio fúnebre, Dan Yalá, primeira-secretária da ANP, realçou o que foi a personalidade do falecido Aladje Manuel Serifo Nhamajo, destacando-o como um dos vultos mais marcantes da recente história política do país.
“A vida e a morte são indissociáveis”, sintetizou Dan Yalá para, mais à frente, acrescentar que a ANP conheceu na pessoa do Manuel Serifo Nhamajo um deputado de excelência e um acérrimo defensor da democracia. “Toda a sua carreira política foi vivida com entusiasmo e muita sabedoria, nesta douta casa representativa do povo guineense.”
A primeira-secretária da ANP detalhou as funções que o falecido ex-Presidente assumiu ao longo da sua vida política e sublinhou que o país sente-se honrado e devidamente agradecido por esse seu filho. “O homem cresce e ganha o seu espaço e dimensão na sociedade, fruto da sua formação no processo dinâmico da vida”, disse Dan Yalá.
Falando em nome da Assembleia Nacional Popular, Hadja Satu Camará Pinto, segunda vice-Presidente desse órgão de soberania reconheceu que Manuel Serifo Nhamajo foi um homem que dedicou a sua sabedoria e energia na luta para o desenvolvimento da Guiné-Bissau. “A dimensão humana e política do Aladje Serifo Nhamajo ultrapassa as fronteiras do nosso espaço geográfico nacional”, disse.
Encontro com a comunidade islâmica e familiares
Depois do funeral, num breve encontro com a comunidade islâmica presente na cerimónia, o Presidente da Assembleia Nacional Popular, Cipriano Cassamá, agradeceu a todos os que participaram no ato fúnebre. Ao falar em nome de todos os deputados da Nação, ele confirmou que o falecido Serifo Nhamajo realizou grandes reformas no parlamento guineense. “Convidei Serifo para presidir a Comissão para a Reconciliação Nacional, mas acabou por desempenhar outras funções. Pedimos a Deus que a sua alma descanse em paz”, salientou.
Com um sentimento patriótico, o Presidente do parlamento manifestou-se confiante de que o Chefe de Estado fará um bom trabalho para que a Guiné-Bissau encontre uma melhor solução e avance para o desenvolvimento.
Por sua vez, o Chefe do Governo, Nuno Gomes Nabiam disse que foi com muita dor que ouviu a morte de Serifo Nhamajo e que, por isso, pede a Deus para que lhe dê um canto na glória. “O malogrado deixou-nos quando ainda podia ser muito útil, mas quem tem o poder é o nosso Deus e cada um de nós tem o seu dia de regressar a casa do Pai.”
O coordenador do Madem G-15, Braima Camará, que também usou da palavra, aproveitou a ocasião para, em nome da família do malogrado, agradecer o gesto do Governo pela forma como foi realizado o funeral de Serifo Nhamajo.
Braima Camará enalteceu as qualidades do falecido que, graças a ele, conheceu a religião islâmica, a tolerância e a guinendadi. “Acompanhamos com muita satisfação que as autoridades nacionais (Governo, Presidência da República e Assembleia Nacional Popular) assumiram as suas responsabilidades. “O grande sonho do Serifo era reconciliar os guineenses e vamos continuar essa luta, juntamente com o Presidente da ANP”, sintetizou o Bá do Povo (como também é conhecido).
Breve biografia de Serifo Nhamajo
Aladje Manuel Serifo Nhamajo nasceu no dia 25 de março de 1958, na povoação de Al Baite, na Região de Oio, no seio de uma família humilde. Aos seis anos entrou para a escola corânica do mestre Dauda Talla, na tabanca de Buduf, área de Kolda, República do Senegal. Três anos depois o pai de Serifo mudou-se de residência para Pelundo, no Setor de Canchungo, Região de Cacheu. Serifo Nhamajo teria de reiniciar o seu percurso escolar no ano letivo de 1966-1967, vindo a concluir a 4.ª classe já em 1970, na Escola Missionária de Canchungo.
Estudou em Bissau, no Ciclo Preparatório Marechal Carmona, atual Escola Salvador Allende. De 1973 a 1978 frequentou o Curso Geral dos Liceus, tendo concluído o 5.° ano no Liceu Nacional Kwame N´Krumah.
Antes, de 1972 a 1974, ele trabalhou no Batalhão de Engenheira número 447, atual Ministério das Obras Públicas e, mais tarde, foi admitido no Restaurante Pelicano como chefe de receção.
Serifo Nhamajo era poliglota. Falava e escrevia português, francês e inglês e tinha domínio perfeito do crioulo e dos dialetos fula, mandinga e manjaco.
Nos anos 80, ele foi contemplado com uma bolsa de estudo para Portugal, tendo frequentado, em Lisboa, o curso de Contabilidade Geral e Analítica; estudou o curso médio de Administração no Centro de Formação Administrativa (CENFA), em Bissau, onde lecionou a mesma disciplina. Após os estudos em Portugal e já no país natal, Serifo Nhammajo continuou a trabalhar no Ministério das Obras Públicas onde, mais tarde, viria a instituir o Fundo Rodoviário, tornando-se no seu primeiro diretor-geral, bem como das jangadas. Foi administrador do Projeto de Estradas no quadro do Banco Mundial e do Fundo de Kuwait. Foi chefe do Departamento de Controlo e Gestão Financeira dos Projetos do Ministério do Equipamento Social (Obras Públicas), entre outros.
Em 1996, Manuel Serifo Nhamajo deixou de exercer esse cargo, tendo participado na fundação da empresa “Nô KUMPU”, tendo sido eleito presidente do Conselho de Administração.
A nível político, Serifo Nhamajo teve uma brilhante carreira. Ao ingressar nas fileiras do PAIGC, passou de simples militante a dirigente ativo, tendo seguido todas as etapas até chegar a membro do Comité Central e, posteriormente, do Bureau Político. Antes, ele fora militante ativo da Juventude Africana Amílcar Cabral (JAAC).
Com a implantação do multipartidarismo na Guiné-Bissau, nos inícios dos anos 90, tendo em vista a sua capacidade intelectual, dinâmica e influência na Província Norte, Serifo Nhamajo conseguiu eleger-se como deputado da Nação no Setor de Mansabá e, ao mesmo tempo, ajudou o seu partido a obter uma vitória eleitoral com maior número de deputados.
No hemiciclo guineense, Aladje Manuel Serifo Nhamajo exerceu as funções de presidente do Conselho de Administração; em 2008 assumiu as funções de 1.º vice-Presidente da ANP tendo, em simultâneo, dirigido a Comissão Organizadora para a Reconciliação Nacional, criada a nível da ANP, com o alto patrocínio do então Presidente da República, Malam Bacai Sanhã. Ele foi deputado no Parlamento da CEDEAO e seu vice-presidente, tendo igualmente assumido funções de presidente da comissão especializada para a área do comércio, alfandegas e livre circulação de pessoas e bens. Foi o primeiro guineense eleito 1.º vice-presidente do Parlamento da CEDEAO.
Por inerência de funções, Serifo Nhamajo, como é mais conhecido, assumiu por duas vezes o cargo de Presidente interino da Assembleia Nacional Popular, em 2009 e 2012, exercendo essas funções após as mortes dos Presidentes da República, João Bernardo Vieira e Malam Bacai Sanhá, respetivamente, na base da disposição constitucional que determina a substituição tanto do Presidente da República como do Presidente da ANP.
Em 2012, tendo em conta a violação grave das regras estatutárias do seu Partido, o PAIGC, em relação à forma de votação secreta nas primárias, Manuel Serifo Nhamajo entendeu por bem concorrer às eleições presidenciais antecipadas na qualidade de candidato independente, tendo sido o terceiro mais votado (49.767 votos).
No decurso do processo eleitoral ocorreu um golpe de Estado. Perante a necessidade que se impunha de retorno à ordem constitucional e ao funcionamento normal das instituições, na qualidade de Presidente interino da ANP, Serifo Nhamajo teria de assumir as funções de Presidente da República interino, como parte de um acordo de transição rubricado a 16 de maio de 2012.
Em 2013, a convite da família do Reverendo Doutor Moon, fundador da Federação Universal para a Paz, Serifo Nhamajo foi condecorado na Coreia do Sul com a medalha da Paz, juntamente com a esposa, Hadja Isolina da Fonseca Nhamajo. Igualmente, em 2019, no quadro da Conferência Internacional da Federação Universal para a Paz, realizada em São Tomé e Príncipe, Nhamajo foi condecorado com a medalha Honoris Causa.
No termo do ciclo de transição, o então Presidente Manuel Serifo Nhamajo publicou, em maio de 2014, uma coletânea de discursos intitulada: Reconciliação, Inclusão, Paz e Desenvolvimento. Foi indigitado pela CEDEAO e pela União Africana para chefiar as missões de Observação Eleitoral no Burquina Faso e em Cabo Verde, respetivamente.
No campo desportivo, Serifo Nhamajo era amante ferrenho de futebol. Em consequência disso, foi eleito presidente do Clube Desportivo de Mansabá pelo qual venceu o título de campeão nacional, a Taça de Guiné e a Supertaça; mais tarde viria a ser eleito presidente do Sport Bissau e Benfica, função que assumiu até 2005. Foi, igualmente, presidente da Assembleia Geral da Federação Nacional de Futebol da Guiné-Bissau de 1993 a 1994.
Aladje Manuel Serifo Nhamajo era casado oficialmente com Hadja Isolina da Fonseca Nhamajo e pai de quatro filhos. Que a sua alma descanse na glória de Allah!
Bacar Baldé