Preço de carne está longe de baixar em Bissau

Dificuldades de encontrar vacas, o seu transporte até Bissau, condições de pastagem, associadas à crise mundial, são alguns dos fatores que os intervenientes da fileira de carne alegam como razões para o seu elevado preço na capital guineense. 

Neste momento, como se sabe, um quilo da carne da primeira está a ser vendido a seis mil francos cfa e da segunda num valor de 4.500 francos. A situação leva ao baixo consumo desse alimento em Bissau, devido o fraco poder de compra dos citadinos.

Ora, o fraco poder de compra por parte da população foi testemunhado pelo presidente da Assembleia-Geral da Associação dos Magarefes do Setor Autónomo de Bissau (AMSAB), em entrevista ao jornal Nô Pintcha. Sérgio Djata justifica o motivo pela subida de preço de quase todos os produtos, enquanto os salários dos funcionários mantiveram-se.

Como exemplo, aponta o drama de um chefe de família que, mesmo sendo pequena, que paga renda da casa, a escola das crianças e compra arroz, com o magro salário, praticamente nada sobra, muito menos para comprar carne. “A continuar no ritmo atual, essas famílias levam muitos anos sem capacidade para consumir carne”.

A situação tem obrigado à “diminuição drástica de abates” e já causa problemas aos magarefes. Quando sacrificarem os animais e não houver negócios, correm um sério risco de a carne estragar-se, numa altura em que se queixam da falta de meios de conservação e acabam sofrendo prejuízos.

O dirigente disse que compram as vacas junto dos criadores de gados e vendedores a um preço em que dificilmente conseguem lucros. Deu conta que adquirem uma vaca de 100 quilos a 450 ou 500 mil francos. Calculando isso, um quilo teria que ser cinco mil, para que possam ganhar nos órgãos interiores.

Neste momento, em média, faz-se entre 15 e 20 abates diariamente, mas o número consegue subir até 60 ou 70 vacas nos períodos das festas.

Por seu lado, o presidente da Associação de Criadores e Vendedores de Gado (ASERIVEGA) também lamentou as dificuldades na compra e transporte das reses para Bissau.

Nesse sentido, Bocar Baldé acusa as autoridades nacionais de estarem a contribuir para o aumento dos obstáculos e fala de múltiplos pagamentos pelo caminho: “Imagina, a pessoa compra vaca no interior, paga autorização na Polícia e na Veterinária, além de pagar guia no Comité de Estado. Como se isso não bastasse, fazem-lhe cobranças em todos os postos montados ao longo do caminho até Bissau, num montante que varia entre mil e três mil francos por cada carrada. E os donos das vacas são obrigados a pagar, pensando no que pode acontecer aos seus animais que, muitas vezes estão apinhados como sardinhas na viatura. O cansaço pode causar problemas às vacas”.  

Sem diálogo com governo

No entanto, tanto a AMSAB assim com a ASERIVEGA não veem a probabilidade de o preço de carne baixar. O presidente desta última faz saber que há mais de sete anos que a região de Oio é a maior fornecedora de vacas à cidade de Bissau, sendo que a maioria dos vendedores efetua as suas compras no Senegal. Eles compram, pagam despesas normais no país vizinho e voltam a tirar dinheiro para saldar custos na Guiné-Bissau, além dos “muitos postos” de controlo. Os agentes da Polícia, da Câmara, da Veterinária e dos comités de Estado formam essas equipas, pelo que, a seu ver, não será fácil baixar o valor de carne em Bissau, por enquanto. 

A AMSAB também alinha pela mesma diapasão, afirmando que o preço tende a subir, uma vez que, desde que foi aumento na campanha de comercialização da castanha de caju, nunca mais baixou e o período está a avizinhar-se outra vez.

As duas organizações foram unânimes em acusar os sucessivos executivos de falta de diálogo. “O governo nunca chamou os magarefes para discutir o preço de carne, apesar de termos escrito cartas a solicitar encontros nesse sentido”, refere Sérgio Djata.

Aliás, declarou que o governo tem avultada dívida para com alguns magarefes, num valor que não revelou e que fora contraída ao longo do fornecimento que se fazia no quadro de um concurso público lançado para o efeito. “O Ministério das Finanças pegou essa conta e meteu nas dívidas internas. Uma dívida contraída através do concurso público não pode entrar nas internas, visto que os impostos foram pagos antecipadamente”.

Na sua opinião, esse processo “matou” muitos magarefes. Pessoalmente, diz que a dívida ronda os 30 milhões de francos, desde 2007. “O nosso regime aqui é salve-se quem puder”.

Ainda das dificuldades, opresidente da ASERIVEGA refere que têm a ver com a problemática de espaçoS para as vacas ficarem e pastarem. Neste momento, com as bolanhas inundadas nos arredores do Matadouro Municipal, os donos vão cortar ou compram palha para os animais comerem, num montante mínimo de mil francos diários por cada rês.

Por falta de espaço, há tempos, sobretudo na época das chuvas, em que a ASERIVEGA suspende a entrada das vacas para Bissau, por não haver local onde possam ficar até que as que cá se encontram sejam compradas. Diz o seu líder que, desde a sua criação, em 2018, esta política tem contribuído para evitar prejuízos aos seus membros, uma vez que trabalham em estreita colaboração com a Câmara Municipal de Bissau e os magarefes.

Os responsáveis da ASERIVEGA queixam-se também da congénere da Região de Gabu, que cobra todos os transportadores de vacas, mesmo não sendo membros da sua associação, numa “clara violação e abuso de poder”.

Segundo ele, o preço varia entre 7.500 e 10 mil francos CFA. Bocar Baldé disse que já tentou várias vezes resolver essa situação, mas sem sucesso, pois a outra organização está acompanhada de polícias. Nesse sentido, apelou às autoridades competentes a intervir para ultrapassar a situação.

Como baixar o preço

Entretanto, o presidente da Assembleia-Geral da AMSAB reconheceuque não há condição ideal no Matadouro Municipal, apenas o mínimo para se trabalhar. Sérgio Djata evocou como problemas atuais, os ligados à pressão de água, sabendo que o reservatório local tem defeito de construção e a questão de higiene é muito importante na carne.

A problemática de viatura para o transporte de carne verde, igualmente, está a dificultar. Djata lembra que há cerca de três anos que estão sem carro, tendo reconhecido que a forma como atualmente transportam a carne não é adequada, mas ainda não têm alternativa.

No entanto, os membros da associação dos magarefes queixam-se de falta de apoio por parte do governo, comparativamente aos comerciantes que, segundo afirmam, sistematicamente, beneficiam de ajudas dos bancos, com influência do executivo.

Para que o preço de carne possa baixar no mercado, a AMSAB advoga que, primeiramente, tem que haver diálogo entre o governo e os intervenientes da área, onde cada um apresenta a sua ideia para a solução. Essa opinião foi partilhada pela ASERIVEGA.

Entre as várias alternativas, Sérgio Djata apresenta o facto de os magarefes poderem ter a possibilidade de emprestar dinheiro para melhorar a sua performance. Outra forma seria o governo, através do ministro da área, negociar com os seus homólogos de Mali, Burquina Faso ou do Togo, criando condições de trazer vacas nesses países, onde existem em abundância. “As coisas são fáceis de resolver quando há vontade”.

Promete que, ao continuar no nível atual, a associação não descarta a hipótese de tentar encontrar soluções junto do Primeiro-ministro ou do Presidente da República, não obstante a CMB e os serviços veterinários serem os interlocutores diretos.

Em conversa com alguns consumidores, estes lamentam o elevado preço de carne e pedem a intervenção das autoridades competentes para se inverter a tendência.

No Matadouro Municipal existem quatro instituições que trabalham em colaboração, nomeadamente os agentes afetos à CMB, os serviços da Inspeção da Veterinária, a ASERIVEGA e a AMSAB.

Motocarros no transporte da carne

Carlos Najack, encarregado de Matadouro Municipal de Bissau, explicou que, em termos de transporte de carne, tinham uma viatura, mas há muito tempo que está parado por avaria. Atualmente, esses serviços são feitos através de veículos particulares, nomeadamente táxis e motocarros.

Mas o encarregado afiança que as autoridades camarárias fazem questão de garantir que haja condições mínimas para o transporte da carne, metendo cartões debaixo dos pequenos veículos para evitar contacto direto da carne com o carro.

“As partes interiores da vaca, tal como as dobradas, os intestinos, é levada em carinhas de mão, mas colocados dentro de um saco”, confirmou, adiantando que existem casos em que se verifica dificuldades de acesso aos mercados e nos quais usa-se aquele meio como alternativa.

No entanto, Carlos Najack indicou que a Direção superior da CMB está a envidar esforços no sentido de ultrapassar a situação da viatura, que tem causado quebra na arrecadação de receitas. “É necessário haver carro apropriado para transportar a carne”. 

Relativamente à colaboração com outras instituições, colocadas no Matadouro Municipal, garantiu a existência de relações saudáveis com os magarefes, vendedores de gado e a inspeção de Veterinária. Mas, por vezes, há pequenas fricções, como é normal, sobretudo quando há rejeições de carcaças, o que é de desagrado para os magarefes, que alegam comprar caro as vacas. Mesmo assim, faz-se o que é necessário possível.

Por outro lado, Najack apelou à toda a população de que, quem tiver animal para abater, que vá fazê-lo no matadouro, que é o lugar apropriado para essa prática. Considera que tem as condições mínimas para o funcionamento, com serviços também indicados. “Portanto, mesmo a carne de consumo pessoal, devemos traze-la aqui para que seja inspecionada antes de ser consumida”, concluiu.

Abate tradicional

Quando os magarefes fazem abate, pagam dois mil francos por cada vaca e 500 francos para as cabras. Desse montante, estão incluídos os pagamentos que se fazem aos serviços veterinários. Pagando esse valor à CMB, esta faz o resto dos trabalhos, nomeadamente a limpeza e higienização do local.

À Inspeção veterinária, compete verificar se a carne tem condições sanitárias para o consumo, antes de chegar aos mercados. Caso não haja, acabam por queimar o produto. Ao que se sabe, não há muito problema nesse sentido, pois os criadores de gado agora cuidam muito bem dos seus animais, sobretudo aqueles que vêm da zona leste do país.

Apesar de se afirmar a existência de condições mínimas para os trabalhos, algumas fontes locais dão conta que a Guiné-Bissau talvez seja o único ou dos poucos países do mundo onde atualmente o abate ainda se faz de forma tradicional. Por isso, os utentes do matadouro pedem que os serviços sejam modernizados.

No entanto, os funcionários da CMB colocados no Matadouro elogiaram os esforços que estão a ser empreendidos pela atual Direção de Mercados.

O Matadouro Municipal de Bissau funciona nas atuais instalações desde 1965. No local, a CMB dispõe de 17 funcionários, incluído quatro guardas (dois diurnos e dois noturnos). A maioria deles é pessoal de limpeza.

Ibraima Sori Baldé

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