Depois da suspensão do Projeto de Pesca Artesanal de Cacheu, a atividade pesqueira começou a atravessar grandes dificuldades nessa localidade, com reflexos negativos na captura, devido à falta de meios materiais e financeiros para o exercício da faina.
Os factos ressaltam a vista, com dezenas de canoas abandonadas, câmaras de conservação artificiais degradadas, além da fraca movimentação de pessoas no porto.
A partir de momento em que o projeto deixou de operar, cada pescador passou a exercer a atividade por conta própria, o que levou o grosso número numa situação de aposento temporário por incapacidade financeira para suportar as despesas. Para já, é uma situação quase comum vivida em toda a zona costeira.
Na opinião dos pescadores, o governo, através das autoridades da pesca, é o principal barreira para o exercício da pesca artesanal, com a tomada de várias medidas, nomeadamente o “fracassado” período de repouso biológico, cobranças exorbitante de licenças, multas não tarifadas, falta de sinalização e/ou delimitação de zonas reservadas, entre outras.
Enquanto isso, as autoridades acusam os pescadores de falta de colaboração no cumprimento das leis, desobediência na vigência do período de repouso biólogo, bem como a persistência no uso de rede de monofilamento.
Repouso biológico
O diretor do Parque Natural dos Tarrafes do Rio Cacheu, Domingos Gomes Bitundi, disse que o repouso biológico é uma estratégia definida pelo Instituto da Biodiversidade das Áreas Protegidas (IBAP) e o Centro de Investigação da Pesca Aplicada (CIPA), resultante de um estudo científico, onde se chegou a conclusão que era necessário estabelecer esse período de três meses, isto é, de junho a agosto, e durante esse período é interdito certas artes de pesca.
Segundo sua explicação, já lá vão seis anos a implementação dessa medida, mas sempre tem havido dificuldades no seu cumprimento, devido à falta de meios para exercer um controlo rigoroso. Portanto, como se trata de aspeto ligado aos recursos marinhos, a atividade requer vedetas rápidas para uma fiscalização eficaz e eficiente.
Domingos Bitundi reconheceu que, nesses três anos, o IBAP e o CIPA não conseguiram fazer uma fiscalização desejada, apesar de tantas diligências no sentido de conseguir apoios materiais e logísticos para o cumprimento dessa missão. “Perante essa realidade, não se pode fazer uma avaliação positiva de período de repouso biológico”.
Reagindo às denúncias feitas pelos pescadores, o diretor do Parque disse que o estudo feito comprova que o repouso biológico permite a regeneração da biomassa, o que significa que os peixes desovam em grande quantidade, mas mesmo com esse resultado, eles continuam a opor-se à medida sem uma base científica. “Portanto, o descontentamento está relacionado com a proibição de atividades de pesca naquele período”.
“Como estão insatisfeitos com o repouso biológico, então desencadeiam campanha de desinformação, com o único propósito de descredibilizar os estudos realizados, acabando eles próprios contribuir na inviabilização e no insucesso dessa medida”, salientou.
Suspiro de alívio
Segundo o diretor do Parque Natural dos Tarefes do Rio Cacheu, Domingos Gomes Bitundi, a partir do próximo ano, se tudo correr como previsto, as atividades de fiscalização serão permanentes e rigorosas.
Enalteceu que a criação do período de repouso biológico é para evitar a dilapidação dos recursos haliêuticos, tal como tem acontecido nos últimos anos, tendo afirmado que as alegações dos pescadores não correspondem minimamente a verdade.
Na explicação de Domingos Bitundi, o repouso biológico é um bocado incómodo para os pescadores, razão pela qual nunca vão concordar com a medida.
Por outro lado, reconheceu que esses seis anos do repouso foram um fracasso total, o que dá força aos pescadores nas suas alegações, portanto, o insucesso na fiscalização não está relacionado à falta de recursos humanos e muito menos de vontade, mas sim de meios materiais.
“Há uns anos, são as direções de parques que alugavam canoas a motor para a fiscalização, aquilo parece como uma brincadeira, onde os fiscalizadores andam na canoa de 30 cavalo, enquanto o infrator com 40 cavalo. Como é possível prender alguém nessas condições. Para as atividades de fiscalizações, motores recomendados são de 100 cavalos ou mais”, esclareceu.
Domingos Bitundi disse que até o próximo período de repouso biológico estarão em condições de fazer balanço. “Posso-lhe garantir que vamos atingir 70 por cento, porque estamos a trabalhar para atingirmos este resultado”.
Na opinião de diretor do Parque, o governo deve intervir diretamente, criando meios materiais e financeiros para que o repouso biológico possa ter sucesso, porque o objeto desse período é conservação dos recursos haliêuticos.
“Peço a intervenção do governo não só no apoio material e financeiro, mas também a nível de segurança, porque os guardas de parques sofrem agressões e quando o processo é traduzido à justiça, acaba por ser engavetado. É nesse sentido que pedimos à presença de Estado. Aliás, há situações em que prendemos os agressores e lavados, depois de alguns minutos aparece alguém a dizer que é o meu sobrinho, tanto que acaba por ser solto sem que a justiça seja feita”, lamentou.
Além da situação de repouso biológico, o uso de rede de monofilamento (tchas) constitui também diferendo que opôs o pessoal do parque aos pescadores, que continuam a pescar com esse tipo de rede, sob pretexto de que deve-se, primeiramente, criar alternativas antes de tomada de qualquer medida.
O diretor do Parque defendeu que se os pescadores conseguem comprar rede de monofilo, também podem adquirir outro tipo de rede, mas como não estão interessados em colaborar evocam falsos argumentos.
Segundo Domingos Bitundi, durante a vigência do período de repouso biológico, promovem campanha de sensibilização sobre várias práticas nocivas a pesca, também dão apoios às comunidades costeiras. “Alguns pescadores pensam que os recursos haliêuticos pertencem ao IBAP, pelo contrário são propriedade de todos os guineenses e, como tal, devemos participar na sua conservação”.
Falta de benefício
O presidente de Associação dos Pescadores Artesanais de Setor de Cacheu, Augusto Djata, disse que a implementação do período de repouso biológico não tem refletido positivamente nas suas atividades pesqueiras, de modo que não há diferença com o período normal, “aliás, não temos sido beneficiados com essa medida. Para mim, a situação é mais pior ainda em relação aos anos atrás”.
Na sua tese, o governo deve repensar a estratégia, porque essa que vigora não tem tido resultados satisfatórios. Para ele, o melhor seria intensificar ações de fiscalizações no alto mar ao invés de estar a preocupar com o repouso biológico, que não tem resultado em nada.
Para ser sincero, disse ele, essa medida só vem atrapalhar vida de pescadores nacionais, principalmente artesanais, porque cria-nos mais prejuízos de que ganhos. Nós, os pescadores artesanais do país, não temos condições de pescar no alto mar, devido à falta de meios e de apoio do Estado.
“Então, acontece que quando é fixado o período de repouso, deixamos de pescar, mas os barcos piratas e os pescadores estrangeiros continuam com as suas atividades”, desabafou, tendo reconhecido que as autoridades marítimas não dispõem de materiais para fiscalizar toda a zona marítima.
Responsabilidade partilhada
O presidente da Associação dos Pescadores de Cacheu reconheceu que a falta do pescado no mercado é, em parte, a responsabilidade dos pescadores, mas o maior responsável continua a ser o governo que nunca dignou em criar condições para o setor pesqueiro.
Segundo a sua explicação, com 50 anos da independência a Guiné-Bissau não tem mercado de venda de materiais de pesca, portanto, tudo que é usado vem dos países vizinhos, sobretudo do Senegal para os pescadores de norte e da Guiné para aqueles de sul.
Disse que com a falta de mercado de venda de rede e outros materiais, vai ser difícil combater o uso de monofilamento, porque é mais acessível e barata e, além disso, é mais resistente.
No entanto, pediu ao governo que antes de avançar com quaisquer medidas, deve reunir com os intervenientes na área para em conjunta buscar soluções onde todos sairão a ganhar.
Augusto Djata disse que, nos últimos anos, os pescadores sofreram muito, porque o governo ao invés de sentar à mesa de negociação em busca de soluções, enveredou pela adoção de “imposição” como a única via, pelo que nunca vai haver entendimento.
Na sua ótica, pescar com a rede que tem a capacidade de capturar cerca de 200 quilos de peixe e a outra a penas 50 kgs, qual é que vai ter mais procura, claramente é aquela que captura mais, e não com a intensão de prejudicar mas sim, a procura de maior rendimento, além de ser mais barata do mercado.
“O governo não nos acompanha nas nossas atividades para ter noção das despesas que fazemos. Só em combustível, gastamos 45 mil francos CFA, licença cerca 400 mil e o salário vária em função de proprietário e de canoa”, disse.
Canoas abandonadas
O presidente de associação dos pescadores disse que a imposição feita aos pescadores, a falta de mercado de vende de materiais e posto de combustível apropriado para abastecimento de canoas, associada às despesas exorbitantes, levam maioria dos seus associados a abandonar suas atividades.
Augusto Djata justificou que mais de 40 por centos de pescadores deixaram de pescar por falta de meios e outros por acumulação de dívidas.
António Imbali, comunga-se da mesma opinião, dizendo que as despesas são enormes desde combustível e a contratação de pessoal, por isso, pediu à intervenção do governo na redução do preço de licenças, assim como na criação de condições para o setor.
Enquanto isso, Gonor Manga, vendedeira de peixe, acusa que o governo é o principal obstáculo da pesca artesanal, e que a sua imposição vai “matar” a atividade pesqueira, tendo apelado às autoridades marítimas no sentido de abrandar as certas medidas, que têm refletido negativamente nas suas atividades.
Alfredo Saminanco