Pecuária está em decadência gradual na Guiné-Bissau

O prometido é devido. Voltamos hoje com mais detalhes sobre as consequências da seca no Leste da Guiné-Bissau. É importante realçar que, além de provocar o desaparecimento de algumas plantas frutíferas como laranjeiras, papaieiras e outras, também a seca afeta fortemente o subsetor da pecuária.

Nesta reportagem, pretende-se abordar em em grandes linhas a importância deste subsector na economia nacional e a sua decadência gradual, devido ao aumento da seca no Leste, zona potencial de criação de gado e também com reflexo sobre os recursos naturais da zona.

A pecuáriadesempenha um papel particularmente importante na economia do país, contribuindo com 17 por cento do PIB nacional e com 32 por cento do PIB do setor agrário. A grande concentração da criação de gado bovino é no Leste do país (85 por cento), o que tem traduzido numa importante pressão e degradação dos recursos naturais na zona.

Esta poderá constituir, muito em breve, um ponto de estrangulamento ao desenvolvimento daquela área do país. Outro dos principais obstáculos ao desenvolvimento da criação de gado bovino está ligado à saúde animal, ao baixo potencial genético das raças locais, à insuficiência de pastagem e, sobretudo, à carência de água durante a época seca, o que obriga os criadores à prática da transumância em direção aos principais cursos de água (Geba, Chaianga e Corubal) entre dezembro e julho.

Os criadores, apesar de possuírem grandes manadas de gado bovino, vivem em condições de pobreza extrema, situação que se deve, principalmente, ao fraco desenvolvimento de infraestruturas e de serviços de apoio, a limitadas oportunidades de acesso às tecnologias apropriadas de transformação e conservação de produtos lácteos e seus derivados.

Conflitos, roubos e analfabetimo

A reportagem do “Nô Pintcha” constatou que as práticas sazonais da transumância em direção aos cursos de água, sobretudo nas regiões do Norte da Guiné-Bissau, tem provocado conflitos de interesse que tendem a agravar-se ano após ano, sobretudo ligados aos aspetos fundiários e de roubos constantes de gado entre os criadores e as populações autóctones.

Outro dos problemas causados pela transumância é o aumento da taxa de analfabetismo em crianças das comunidades de criadores de gado, para além da degradação das condições habitacionais e sanitárias, particularmente em que as mulheres e crianças ficam expostas a intempéries, acrescidas ainda pelo facto de que as mulheres têm de passar muitos dias longe da família quando se deslocam às cidades e vilas do país para vender leite que, muitas vezes, não chega a ser comercializado por dificuldades de sua conservação. Esta situação exige respostas rápidas e consistentes que deverão visar, sobretudo, a sedentarização dos criadores de gado nas suas comunidades respetivas.

Aliás, como é sabido, a questão da pecuária nos últimos anos tem sido particularmente crítica nas regiões de Bafatá e Gabu, mas o problema não é recente e tem vindo a agravar-se sucessivamente. As causas são múltiplas, como as que foram acima apontadas, nomeadamente a carência de água para consumo animal, a escassez de zonas de pastagem devido à degradação de bolanhas e do bas fonds, associado ao fraco ordenamento territorial das tabancas (invadidos pelo cultivo agrícola e pela plantação de anacárdios com zonas insignificantes reservadas para a pastagem dos animais que, em contrapartida, o número de efetivos de animais está a aumentar muito rapidamente).

Outra causa não menos importante está relacionada com a problemática da saúde animal, a transumância e o aumento da taxa de analfabetismo nas crianças das comunidades de criadores de gado, degradação das condições habitacionais e de higiene, o fraco rendimento económico obtido pela venda de produtos lácteos.

A escassez de água para o consumo animal afigura-se entre os problemas mais graves, se considerarmos o número de efetivos existente no conjunto das duas regiões leste do país que representam mais de 85 por cento do efetivo nacional e a sua importante contribuição para o PIB do país e do setor agrário.

Raras são as localidades que possuem furos de água com bebedouros para consumo animal. Em consequência disso, os criadores são obrigados a recorrer a pântanos de águas estagnadas e a outros cursos de água para satisfação parcial das necessidades de dessedentarização dos animais.

A escassez de água tem também sido um dos principais fatores não só da transumância como também da degradação de saúde animal, em geral, o seu baixo peso e da sua baixa produtividade em termos de leite, onde uma vaca produz menos de 0,5 litros por dia na época seca.

 Em relação à insuficiência de ração animal entre janeiro e junho, tem a ver com a própria prática tradicional da cria de gado, onde os criadores recorrem quase que em exclusivo ao seguimento dos animais que procuram, de “per si”, a sua ração, vagueando em espaços abertos nos arredores das tabancas e em direção às bolanhas.

Em contrapartida existem muitas pastagens e resíduos agrícolas durante a época da chuva que podiam ser conservados, utilizando técnicas simples para posterior aproveitamento em períodos críticos para ração dos animais, evitando a sua deambulação, perda de peso e aumento da produtividade em termos de leite.

Consequências da transumância

Como consequência da transumância tal como é praticada atualmente no Leste, ela tem ainda consequências muito graves sobre as questões da habitação, saúde e no futuro das crianças e mulheres. A transumância ocorre entre dezembro e julho junto aos principais cursos de água doce, onde os criadores de gado improvisam acampamentos construídos com folhas de árvores, sem camas adequadas.

Devido a essas más condições, as mulheres e as crianças são as primeiras vítimas, passando boa parte do seu tempo doentes com infeções diversas e, na maioria dos casos, os acampamentos ficam muito afastados dos centros de saúde. Além disso, as crianças são as principais responsáveis para o seguimento diário das manadas.

Nesse sentido, não conseguem frequentar as aulas, tanto nas suas tabancas de origem, que deixam em dezembro (durante o 1.º trimestre do ano letivo) como na tabanca de acolhimento (onde permanecem durante os dois últimos trimestres do ano escolar).

Outra consequência da transumância tem a ver com a fraca soberania alimentar dos criadores de gado. O tempo de permanência nas suas tabancas é muito limitado, regressam praticamente depois da época da lavoura ter sido concluída (julho/agosto), o que faz com que os dejetos dos animais não sejam utilizados como fertilizantes naturais para os campos de produção.

Comparativamente aos países da sub-região

Pesquisas mostram que, apesar das experiências positivas alcançadas ao nível dos países da sub-região em relação ao desenvolvimento da pecuária, nomeadamente no Senegal, Mali, República da Guiné, Gâmbia, etc, a Guiné-Bissau não tem sabido aproveitar estas experiências, que poderiam ser um fator catalizador muito importante em relação ao desenvolvimento da economia do mundo rural. Nesse sentido, alguns desafios persistem em relação à divulgação e aceitação dessas experiências existentes na sub-região e a ser, ao mesmo tempo, uma estratégia de diversificação das fontes de rendimento no meio rural ao nível das famílias de criadores de gado, nomeadamente a divulgação de técnicas de produção de pastagem, tecnologias de transformação e conservação do leite e derivados, da sensibilização para o aumento do seu consumo como fator de melhoria da dieta alimentar.

Esta reportagem visa sensibilizar os decisores políticos a refletirem sobre as consequências negativas que esta transumância está a provocar, adotando estratégias de apoio aos criadores a fim de poderem permanecer nas suas localidades e evitar estas movimentações e aumentar a valorização do setor pecuário que muito contribui para o desenvolvimento económico do país.

Esta reportagem visa divulgar informações sobre as reais condições de vida das populações e diminuir a prática periódica de transumância e as suas consequências, nomeadamente o fraco rendimento económico, fraca escolarização das crianças, a precariedade das condições de saúde e habitacionais das famílias dos criadores, enorme sacrifício das mulheres e crianças na comercialização dos produtos lácteos, os conflitos fundiários entre pastores e agricultores e os constantes roubos de gado, cujas causas principais são o fraco nível organizacional dos criadores de gado, insuficiência da água para o consumo animal durante a época seca, aliado ao insuficiente conhecimento das técnicas da construção de estábulos, da produção e conservação da ração animal; do fraco acesso aos serviços e conselhos pecuários de qualidade e o nível incipiente de 
infraestruturas de apoio que possam facilitar o desenvolvimento saudável dos animais; fraco acesso dos criadores a financiamentos estruturantes que possam permitir a melhoria das atividades e o aumento do seu rendimento, refletindo na melhoria das suas condições de vida. 

Políticas públicas

Tanto a Carta Nacional da Política Agrícola, o PNIA, o Plano Nacional para o Ambiente como o DENARP I e II estabeleceram orientações estratégicas em termos de segurança alimentar, de gestão e preservação do ambiente e da luta contra a pobreza, o que significa conciliar o uso durável dos recursos naturais e o desenvolvimento económico. Este imperativo é cada vez mais evidente no Leste do país, onde se concentram 85 por cento do gado bovino e, ao mesmo tempo, assiste-se a uma degradação acentuada dos recursos naturais e com escassez de água tanto para consumo animal como humano.

Esta reportagem consistiu em entrevistas, exploração de documentos e relatórios de projetos de desenvolvimento, identificou-se como prioridades a implementação de alternativas tecnológicas que permitem rentabilizar e conciliar o desenvolvimento da pecuária e a regeneração dos recursos naturais na zona.

Ao nível das comunidades de criadores de gados que habitam a zona Leste do país, o artigo responde aos seus anseios de verem melhoradas a sua condição de vida, através da criação de bases que permitam a sedentarização do gado, pressuposto fundamental para que as crianças possam ser escolarizadas e o seu bem-estar económico e social seja garantido de maneira durável e sustentável.

Contribuição das ONG

Entretanto, a situação em que vivem os criadores e a população em geral preocupam as organizações de desenvolvimento comunitário que intervêm na zona. Aliás, nos seus planos estratégicos espelham orientações claras de intervenção que devem ser feitas para atenuar a situação crítica em se encontra a zona leste, desde a problemática de seca, desenvolvimento dos setores agropecuários, saúde, educação e acesso a financiamentos e realizações de infraestruturas.

Foi nesta linha de ação que a DIVUTEC, com o apoio financeiro  da União Europeia e em parceria com o IMVF de Portugal implementou num passado recente, um projeto de desenvolvimento pecuário, construindo quatro furos pastoris em diferentes localidades da Região de Gabu a fim de garantir água para consumo animal e humano, uma unidade leiteira na cidade de Gabu com o propósito de recolher e transformar o leite e, ainda, um campo de produção da ração animal com a introdução, também, de ração melhorada. Apoiou também as campanhas de vacinação de gado em toda a região.

De igual modo, no âmbito de um outro projeto financiado pela AECID – Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, em parceria com a ACPP realizou cinco furos pastoris em diferentes localidades da Região de Bafatá, assim como a construção e equipamento de uma unidade de transformação de leite em Bantandjam, Setor de Bambadinca, apoio às campanhas de vacinação em estreita colaboração com os serviços regionais de Veterinária de Bafatá e Gabu.

Paralelamente, no quadro de outras cooperações, desenvolveu um vasto programa de luta contra a pobreza nas regiões leste e sul da Guiné-Bissau, através de implmentação de ações conducentes ao financiamento de atividades geradoras de rendimento, formações e reforço de capacidades técnicas das comunidades.

Foram grandes as intervenções que ajudaram a minimizar o sofrimento dos criadores, mas não são suficientes, tendo em conta a quantidade de gado de que dispõem as duas regiões.

Se tivermos em conta as enormes potencialidades existentes em diferentes setores como o de pecuária, nada justificaria o nível de pobreza em que vivemos na Guiné-Bissau. Deve haver visões estratégicas de valorização do potencial existente para tirarmos maior proveito dela e melhorar as condições de vida das populações.

Por: Djuldé Djaló

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