O Secretário de Estado dos Combatentes da Liberdade da Pátria (SECLP) defendeu, em entrevista exclusivo ao semanário Nô Pintcha, que o problema dos obreiros da independência é uma questão da soberania nacional, que deve ser assumido pelo Estado da Guiné-Bissau e não deixar toda a responsabilidade ao governo.
Augusto Nhaga reforçou a sua afirmação, apontando o artigo quinto da Constituição da República que diz que o Estado tem o dever de garantir a dignidade aos combatentes, assumindo a saúde, educação e assistência médica e medicamentosa dos veteranos da guerra, assim como dos seus familiares, nomeadamente pais, filhos e viúvas. Eis o teor da entrevista.
Senhor secretário de Estado, que balanço faz do seu desempenho desde que assumiu essas funções?
Antes de mais, permita-me agradecer a oportunidade que o jornal Nô Pintcha me concedeu, para poder partilhar com o público leitor e a população em geral, as mudanças que estamos a imprimir neste ministério.
É verdade que a governação é um processo contínuo e a função do Secretário do Estado é coadjuvar o seu ministro. Isto significa que eu trabalho, correspondendo com o titular da pasta do Ministério da Defesa e dos Combatentes da Liberdade da Pátria.
Indo direto a sua pergunta, a lógica seria que as pessoas fizessem avaliação sobre o meu trabalho e da minha equipa, em vez de ser eu à fazê-lo, ou seja, estar a fazer uma autoavaliação. Mas, já que é uma questão colocada, eu diria que estamos num bom caminho, porque já conquistamos a confiança de pessoas e estamos no processo de reorganização da casa.
Lembro-me que assumimos essas funções sem que houvesse uma cerimónia de passagem de testemunho com o meu antecessor. Nestas condições, a minha equipa, apesar da determinação, tivemos muitas dificuldades e perdemos muito tempo em tentar perceber a casa e os passos dados pela antiga direção. Praticamente, trabalhávamos sem uma linha orientadora. Parecia que tudo estava desorganizado e que fomos entregue uma casa abandonada a sua sorte. Mas, não podíamos perder o foco nem frustrar as expetativas e confiança depositada na nossa pessoa.
Perante esta situação, conclui que os combatentes da liberdade da Pátria, sendo primeiros funcionários ou servidores públicos, mereciam e continuam a merecer mais atenção do que têm tido nos últimos anos.
Eles serviram com amor, paciência, sangue e suor, antes e depois da luta da libertação nacional. Tiveram uma missão clara e cumprida. Lutaram durante onze anos e oito meses pela liberdade, resgatando a dignidade dos seus concidadãos sob o jugo colonial.
Os guerrilheiros pagaram a fatura na pele e, com as suas vidas, conseguiram o objetivo preconizado, tendo proclamado unilateralmente a independência da Guiné-Bissau, em 24 de setembro de 1973, que viria a ser reconhecida pela potência colonizadora (Portugal) em 1974.
Que comentário faz dos cerca de 47 anos de independência?
Tanto o país assim como os cidadãos guineenses estão em dívidas com os combatentes da Liberdade da Pátria. Sem querer minimizar os esforços anteriores, hoje, infelizmente, os que lutaram pela liberdade de todos nós estão numa situação muito complicada e difícil. Se calhar, nenhum cidadão guineense seria capaz de justificar a razão da degradação sem no entanto imputar responsabilidade a uma ou outra formação política ou individuo.
Os aspetos negativos são gritantes e visíveis a olho nu. A começar pelas infraestruturas que albergam a Secretária de Estado dos Combatentes da Liberdade da Pátria e a nível social, onde se nota os indícios de irresponsabilidade governativa. Os combatentes vivem em estrema pobreza e, constantemente, queixam-se de humilhações, falta de atenção na resolução dos seus problemas em diferentes lugares, isso para não falar de migalha pensão de sangue que recebem.
Perante essas e demais situações, seria compreensível se um combatente declarar-se arrependido de ter integrado a luta de libertação nacional.
A vida que levam, há mais de quarenta anos de independência, é incompatível com os feitos e conquistas que proporcionaram ao povo.
Acho que o assunto dos Combatentes da Liberdade da Pátria deveria ser assumido do Estado da Guiné-Bissau, em vez do Governo, porque os Executivos mudam depois das eleições, ao contrário do Estado do estado.
Quais são os problemas identificados e progressos alcançados?
Para organizar e estar a superar as dificuldades encontradas, a nossa equipa promoveu várias iniciativas. Uma delas aconteceu em agosto de 2020, por intermédio de um roteiro, em que tivemos a oportunidade de auscultar as opiniões das pessoas sobre os problemas dos combatentes. Nesse debate público, tivemos a criação de Plano Estratégico e, em perspetiva, avançamos com a ideia de organizar uma conferência ou um congresso nacional dedicado à vida dos Combatentes da Liberdade da Pátria, para aperfeiçoar os diplomas e outros instrumentos legais que temos em mão.
As duas ideias foram traduzidas em projetos e entregues à Assembleia Nacional Popular (ANP), para posteriores aprovações, porque servirão de guia de orientação de todas as ações de SECLP.
Aliás, os referidos diplomas foram, uma vez, objeto de análise e debate na ANP sob à presença e observação dos combatentes e acompanhada, através da rádio, por toda a sociedade. Durante o debate, os deputados foram unânimes em reconhecer que a geração pós-independência falhou e não faz quase nada para dignificar os combatentes.
Entretanto, a futura conferência ou congresso nacional visa provocar um debate sobre os problemas de combatentes em vista a encontrar soluções concretas e viáveis para a vida dos que ainda estão entre nós.
Não precisa ser cidadão atento para saber que a classe que mais sofreu com a desorganização sociopolítica do Estado da Guiné-Bissau é os que lutaram pela independência. Basta só olharmos pela desorganização de base de dados dos combatentes. Há pessoas com título de combatente da liberdade da Pátria, mas que nunca participaram, direta ou indiretamente, na luta de libertação e há até os que a idade é incompatível com o estatuto de antigo combatente.
Ainda há combatentes que desde independência nunca beneficiaram de nada dos seus direitos, porque não foram identificados ou registados no sistema. Por outro lado, temos a situação embaraçosa de moldes de atribuição de direitos à assistência de benefícios aos familiares dos combatentes. Mas, esses problemas só poderão ser debatidos e encontradas soluções viáveis com a realização de conferência ou congresso nacional, mas, infelizmente, ainda não é possível por falta do dinheiro ou cabimento de verba, apesar de termos reunidos todos os outros requisitos necessários.
Estas e demais dificuldade, como da falta de viaturas, meios para desenvolver os nossos trabalhos, constituem a grande desafio deste ministério.
Como encara as reclamações dos combatentes?
Chegamos e encontramos os combatentes filiados em diferentes associações, num total de seis organizações, mas todos com um único objetivo de lutar pela melhoria da classe. Nesse momento, estamos a trabalhar no sentido de unificar as organizações numa única estrutura ou federação, para melhor representar os combatentes.
Sabe, a governação é muito complexa, torna-se mais complicado ainda, quando se trata de um país como a Guiné-Bissau, em que tudo parece constar na lista de prioridade de prioridades.
Nesse aspeto, às vezes, a seleção e atendimento das prioridades, talvez os problemas dos combatentes são vistas como inoportunos ou menos urgente e assim sentem-se penalizados.
A pensão dos combatentes é apenas 40 mil francos cfa, com esta quantia pagam a renda de casa, sustento e a escola dos filhos. Mesmo assim, os seus problemas ainda parecem menos prioritários para os governantes.
Este Governo, além da situação da Covid-19, que afeta a economia nacional e a nível mundial, herdou variadíssimas situações que revertem em problemas em todos os setores.
Só para ter a noção, quando chegamos encontramos situações de acumulação de dívidas de processo de pedido de reembolso, mas o Executivo, através do Ministério das Finanças, disponibiliza mensalmente cerca de cinco milhões de francos cfa, para suportar tais encargos de tratamento e reembolso de despesas fúnebres de combatentes e cada processo de reembolso custa ao Governo cerca de 180 mil francos cfa.
A nossa equipa, tentando liquidar as referidas dívidas acumuladas desde 2005, deparou com uma situação caricata e perplexa. Isto porque cada vez que mobilizávamos o dinheiro para reembolsar ou pagar as restantes dívidas, surgiam mais faturas para pedir reembolsos, até que chegamos ao ponto em que não podíamos mais pagar. Agora em vez de liquidarmos as dívidas, acabamos por acumulá-las. Neste momento, ainda temos 41 pedidos de reembolso acumulados mais a fatura de mês de gosto para pagar a farmácia, no quadro de parceira fornecimento medicamentos.
Em relação a debate da ANP sobre o aumento de pensão, em três vezes mais que salário base, a pergunta que fica para responder é com que base económico. O melhor seria se tal aumento desejado fosse realizado de uma forma progressiva e de acordo com a evolução económica do país.
Na qualidade de governante, poderia querer tal proposta se fosse realista, porque acho que não vale a pena criar falsas espectativas aos combatentes.
Quanto a desconto de 500 francos no dinheiro dos combatentes, tentamos, sem sucesso, evitar esse desconto. A única garantia que recebemos a respeito foi da sua reposição a posterior, mas mesmo assim, ainda estamos a trabalhar neste sentido.
Como estão os patrimónios da SECLP?
A SECLP, se calhar é a única instituição do Governo com património próprio. Outrora, esta instituição tinha em funcionamento diversas cooperativas, nomeadamente a nível de agricultura, horticultura, carpintaria, alfaiataria, celeireiro e campos de hortas de frutas. Hoje, esses lugares não passam de uma utopia, além de serem improdutivos para o Estado devido a sua desorganização e banalização de bens públicos. Os mesmos estão a ser invadidos e ocupados pelas comunidades nacionais e a vendidos para os estrangeiros. Neste caso, o Governo pode vir a ter dificuldades em recuperar os referidos bens, tendo em conta o tempo em que foram abandonados.
Os jovens que lá persistem, são filhos dos combatentes, mas que trabalham por contas próprias. Ficamos a saber destes bens graças a recente visita que realizamos nas diferentes zonas históricas. Nesta primeira fase, visitamos Lugadjol, Cassaca, Ponto Balana, Bolama, Bambadinca, Guiledje, Catió e Ilha de Komo.
Os referidos patrimónios, incluindo Centro de Documentação Histórica podiam servir aos combatentes se forem explorados como espaços ecoturísticos e económicos. Mas, infelizmente, estão todos abandonados e em ruínas.
Em relação aos prédios da Aldeia dos Combatentes, no Bairro de Antula, também precisam de assistência e manutenção. Recentemente evacuou as fossas de casas de banhos.
Internamente, precisamos de meios económicos e materiais, principalmente de viaturas, para dar assistência médica e medicamentosa aos combatentes, atualizar e integrar aqueles cujos nomes não estão contemplados no banco de dados.
Quais são as perspetivas do futuro?
Temos muitos projetos em manga e outros engavetados por falta de dinheiro. Estamos a aguardar a convocação da sessão extraordinária da ANP, para debater e aprovar o projeto de resolução sobre a situação dos combatentes. Queremos que as histórias desses homens sejam contadas na primeira pessoa, por isso criamos um programa radiofónico, denominado “O Combatente”, que saí às sextas-feiras, numa das rádios privadas em Bissau.
Queremos mobilizar parcerias para as áreas profissionais, nomeadamente agricultura, carpintaria e corte costura, assim como os hospitais. Queremos realizar a conferência ou congresso nacional para podermos enriquecer o plano estratégico de desenvolvimento da SECLP.
De igual modo, reassumir e reorganizar o património dos combatentes, como forma de tornar esta instituição mais produtiva e viável, porque acreditamos que é possível.
Outrossim, queremos identificar, recensear e criar banco de dados de combatentes, e estamos a ponderar a bancarização das pensões, assim como a criação de um guiché único para tratamento de pedidos de fixação de pensão para dignificar os combatentes.
Também consta dos nossos planos, a revisão dos estatutos dos combatentes, que foi aprovado desde 1975. Por outro lado, reativar as delegacias regionais da Secretária de Estado dos Combatentes da Liberdade da Pátria, criado pela lei número 1/86 de 10 de março. Estamos determinados para combater a pobreza no seio dos libertadores da Pátria de Cabral, mas precisamos de apoio em tudo.
Texto e foto: Nelinho N´Tanhá