Manecas dos Santos “convencido que país entrará no caminho do desenvolvimento”

No quadro da comemoração do Dia da Independência, 24 de setembro, que se realiza no sábado, o comandante Manuel dos Santos, vulgo Manecas, concedeu por telefone, a partir de Lisboa, uma entrevista ao Jornal Nô Pintcha, a que foi fundador, na qual afirma estar convencido de que a Guiné-Bissau entrará no caminho do desenvolvimento.

Porém, lamentou o ciclo de instabilidade política que abala o país desde os anos 90, do Século passado, a esta data. Falou, entretanto, da decisão corajosa do PAIGC em proclamar unilateralmente a soberania do Estado da Guiné-Bissau, entre outros assuntos. Convidamos o leitor para o teor da entrevista, como se segue.

A Guiné-Bissau comemora no sábado, dia 24 de setembro, 49 anos de independência e sendo um dos seus obreiros, como é que comentaria os acontecimentos marcantes da luta armada e dos anos da independência?

A criação de regiões libertadas, a decisão de proclamação unilateral do Estado da Guiné-Bissau em 24 de setembro de 1973, em Lugadjol, Madina de Boé, foram os marcos mais importantes da luta armada de libertação nacional. Porquê? Porque, em finais de 1960 Cabral já dizia no Comité de Descolonização das Nações Unidas que a situação da Guiné era de um país com uma parte do seu território ocupado por tropas estrangeiras. Ele convidou essa instituição para visitar as regiões sob administração do PAIGC. Elas tinham todos os requisitos necessários de um Estado, nomeadamente território, escolas, centros de saúde, justiça, comércio, etc., etc.  

Consequentemente, a missão das Nações Unidas visitaria as regiões libertadas em 1972 e, do seu regresso, confessou o que viu na realidade. Assim, Amílcar Cabral e o PAIGC continuaram as suas ações.

Também, em 1972 realizaram-se as primeiras eleições nas regiões libertadas, onde foram eleitos os conselheiros regionais e os deputados à Nação. A primeira reunião dos deputados à Assembleia Nacional Popular (ANP) teve lugar em Lugadjol, foi presidida pelo camarada João Bernardo Vieira (Nino) que, pela sua voz, proclamou solenemente a existência da República da Guiné-Bissau. Isto constitui um orgulho para todos os guineenses, independentemente da sua afiliação e do seu pensamento políticos. É o único país dos Bissau-guineenses na história da Humanidade. O povo da Guiné-Bissau, dirigido pelo PAIGC, proclamou unilateralmente a independência e foi capaz de lançar uma ofensiva que levaria os colonialistas portugueses à mesa das negociações, o que culminou não só com a independência da Guiné e Cabo Verde, mas com todas as colónias portuguesas.

Em relação a ação combativa, depois do assassinato de Cabral, o PAIGC virou completamente o cenário da guerrilha. Como explica  isto?

Na verdade, depois do assassinato de Amílcar Cabral pelos agentes colonialistas, decidimos continuar os combates fortemente. Desencadeamos uma ofensiva do mês de março de 1973 a abril de 1974 que, evidentemente, culminaria com o golpe de Estado em Portugal (o 25 de abril) contra o regime fascista. O movimento dos capitães nasceu e cresceu na Guiné-Bissau para depois vier a realizar o golpe de Estado em Portugal.

O comandante confirma que depois da morte de Cabral a guerrilha do PAIGC começou a bater aviões de guerra nas frentes de combate?

Sim. Em 1972, o camarada Amílcar Cabral conseguiu, com o apoio da então União Soviética, uma arma denominada míssil terra-ar (estrela dois) que exatamente nos serviu para acabar com o domínio português de ar. Pusemos a tropa colonial ficar no chão e sem capacidade de manobra. Isto levou os colonialistas portugueses a abandonar a Guiné-Bissau e, consequentemente, perder a guerra em todas as suas colónias.

Um combate forte que marcou a luta de libertação nacional foi a balha de Komo. Em duas palavras, o que nos explica sobre esta batalha?

Não, eu não tinha entrado ainda para a luta de libertação nacional. Estava a estudar no Instituto Superior Politécnico em Lisboa. Ouvi que foi um combate heróico, apesar de, no meu ponto de vista, a ilha de Komo não tinha assim aquele valor.

Em relação ao programa maior pensado para a fase pós-independência, acha que o país está a concretizar o seu desenvolvimento progressivo?

Penso que não. Entendo que desde os anos 90, do Século-XX, a Guiné-Bissau cresceu muito pouco. Não estamos a cumprir com o programa maior do PAIGC, por razões da constante instabilidade política e falta de objetivos claros, bem definidos, para o desenvolvimento do país.

O senhor foi um dos primeiros dirigentes governativos do país logo após a independência. Como é que descreveria a sua função no primeiro executivo do país independente?

Tive várias funções na Guiné-Bissau. Primeiramente exerci função do titular do Sub-Comissariado da Informação e Turismo (atualmente Ministério da Comunicação Social), de onde fui o fundador do Jornal Nô Pintcha (órgão Público). De seguida desempenhei funções de ministro dos Transportes e Comunicações, do Comércio, das Finanças, etc. E em cada uma dessas instituições deixei uma marca. Foi no meu mandato que se construiu o aeroporto internacional Osvaldo Vieira. Quando fui ministro das Finanças, o país conseguiu ter um orçamento equilibrado e sem défice, sendo capaz de pagar todas as despesas do Estado e receitas correntes. Foi a única vez que o Estado da Guiné-Bissau conseguiu pagar o décimo terceiro (13º mês) aos funcionários públicos.

Como foi a fundação do Jornal Nô Pintcha?

Claro que não foi difícil. Tínhamos todos os meios necessários, nomeadamente materiais, financeiros e quadros para fundar o jornal em março de 1975 e contratamos obviamente cooperantes portugueses que nos apoiaram na formação técnica dos jornalistas. A mim, na qualidade de titular da pasta, nunca cheguei de censurar algum jornalista, nem no jornal e nem na rádio (a única estação que existia na altura).

Como é que comandante Manecas vê o futuro da Guiné-Bissau?

É um pouco difícil fazer a futurologia da Guiné-Bissau, mas estou convencido que mais tarde ou mais cedo o país entrará no caminho de desenvolvimento. Temos tudo, designadamente recursos naturais e humanos para o fazer avançar. Precisamos apenas de melhorar o aspeto organizativo, ter bons dirigentes que possam assegurar a estabilidade política do país.

Bacar Baldé

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