Luta pela independência: Os protagonistas de Pindjiguiti (PARTE IV)

Dia do Massacre

O ex-sargento do exército colonial, em Santa Luzia,local que eventualmente, se tornaria Quartel-General (QG),Mário Dias,condiscípulo de Domingos Ramos e Constantino Teixeira (TchutchoAxon) no primeiro Curso de Sargentos Milicianos (CSM), reservado a europeus e filhos da Guiné ditos civilizados ou assimilados, esteve, também, presente no dia do massacre. Relatou que todo ano, as empresas se reuniam para definir os salários a serem pagos aos diversos membros da tripulação das embarcações. Esse entendimento visava padronizar os salários nas diferentes frotas, a fim de evitar a competição pelo recrutamento do pessoal. É evidente que, mesmo que os salários fossem aumentados anualmente, os marinheiros não eram considerados nessas discussões. Era uma situação de aceitar e viver com isso, como era comum na época.

Comentou, ainda, Dias, dizendo que o mesmo ocorria em relação aos preços fixados anualmente para a compra do amendoim (mancarra), que eram estabelecidos por tabela do governo, após consulta aos comerciantes. Os agricultores não tinham voz nem vez nas decisões. Com o acordo em vigor, as empresas começaram a pagar aos marinheiros os novos salários. As principais casas comerciais na Guiné eram conhecidas pelos nomes, Casa Gouveia (CUF), NOSOCO, Eduardo Guedes, Ultramarina e Barbosas & Comandita.Tinham ao seu serviço frotas e lanchas. Contudo, a Casa Gouveia não realizou o aumento e continuou a pagar conforme a tabela do ano anterior. Meses se passaram e os marinheiros clamavam por respostas do gerente, que na época era o ex-membro da equipe administrativa, Intendente António Carreira. Ele respondeu de forma arrogante, um comportamento que provavelmente herdou de seus dias como funcionário administrativo.

Com a insatisfação crescendo e os ânimos se aquecendo, os trabalhadores decidiram então entrar em greve com ocupação das instalações a partir de dia 2 de agosto. Uma genuína revolta operária. Luís Cabral (2009) narra os acontecimentos, dizendo que a partir da noite de 2 de Agosto de 1959, as embarcações que chegavam ao porto de Bissau eram cuidadosamente posicionadas nas proximidades do antigo cais de Pijiguiti. Os homens desembarcavam com uma autoconfiança plena, acreditando nas cerimónias provavelmente realizadas aqui e ali, nas quais as vísceras das galinhas sacrificadas teriam indiciado um bom prenúncio para a luta iminente. Os capitães das lanchas dirigiam-se aos responsáveis das empresas para informar que os marinheiros haviam deixado as suas embarcações.

Na infame tarde de 3 de agosto de 1959, Carreia decidiu chamar a polícia. A situação se deteriorou quando um subchefe da casa Gouveia se aproximou dos marinheiros e trabalhadores agitados e foi atingido na cabeça por um remo, precisando ser socorrido e levado ao hospital. Em seguida, a direção da casa Gouveia ordenou o fechamento dos portões para impedir a saída, enquanto os grevistas persistiam em bloquear a entrada.O comandante militar, tenente-coronel Filipe Rodrigues, chegado ao local inteirou-se da situação e, ao ver aquele grupo armado de remos, paus, etc. a marchar agressivamente em direcção à Casa Gouveia, deu ordens aos polícias para dispararem. A polícia reagiu com extrema violência. As forças de segurança atacaram os trabalhadores desarmados, disparando sem compaixão.

A partir de Alto-Crim (mãe-de-Água) ou da praça do Império, começava-se a notar muita gente a dirigir-se apressadamente, alguns até corriam em direcção ao porto. Conforme se descia a avenida da República, via-se pessoas aglomeradas e a maioria demonstravam a sua revolta contra as autoridades policiais.

No local, havia uma multidão considerável nas imediações. Os portões de Pindjiguiti estavam encerrados. As forças da PSP eram constituídas por cerca de duas dezenas de polícias nativos, armados com espingardas Lee Enfield 7,7mm, enquadrados por dois ou três graduados europeus. Passado certo tempo, quando tudo se acalmou, quando a polícia estava a tentar conter a multidão, chegou uma companhia de recrutas do CSM, comandado pelo capitão Teixeira,  que tinha acabado de prestar a guarda de honra a uma alta entidade da Força Aérea colonial em Bissalanca, começou a cercar os terrenos baldios anexos ao Pindjiguiti, por onde muitos marinheiros e trabalhadores do cais tentavam escapar.

Acredita-se que o número de vítimas nesse dia ultrapassou 50, embora esse dado seja cercado de controvérsias. Devido ao fato de que muitos corpos foram lançados ao rio pelas tropas portuguesas para que nunca fossem recuperados, o total exato de mortos permanecerá incerto.

Mobilização para a Luta

Esta violenta repressão fez com que o PAI começasse a dar os seus primeiros passos, percebendo que era impossível alcançar a independência de forma pacífica. Naquele dia de greve, o veleiro Agostinho Tchoi chegou ao porto mais cedo do que o esperado e estava à espera da chegada dos seus dois companheiros.Ngreo e Ntebolo, que moravam em Nhalá, para que pudessem partir juntos rumo ao sul, numa missão do grupo de Rafael Barbosa para mobilização e entrega do emblema (ou chapa) do PAI aos colaboradores. Enquanto esperavam, tiros começaram a ecoar, disparados pela polícia contra os grevistas. Os três canoeiros não assistiram ao massacre dos marinheiros e estivadores. Remaram algumas dezenas de metros, ergueram a vela e partiram em direção à ponta de terra de Cumeré, que se projetava no rio Geba, para depois tomar rumo para Djabadá.

O processo de entrega do emblema teve início em Djabadá, com a entrega ao senhor António Tchoi. Após isso, a tripulação seguiu para Kalecunda, onde encontrou Tchuba e o tio Sinkou, parente do veleiro Tomás Sousa Cordeiro.Em Ganchiquinho, os emblemas foram entregues a Lulu Dias e António Dias; em Gandua, um emblema foi dado a MalamSambu; em Gandjon, foi entregue a Ntsongo; em Gansene, o chefe da aldeia (régulo), José Sá, recebeu um emblema; em Gandjek, Dan Cabral foi o destinatário; em Perdegudja foi entregue a Pago da Costa; e finalmente, em Ganquecuta, SaiduNanque (Quecuta) recebeu o seu. Em Bissilon (Flac-Min), um emblema foi dado a Ndingue da Silva.

Os três mensageiros, do sul, de Rafael Barbosa foram depois perseguidos pela polícia colonial, sendo detidos a 22 de Novembro de 1959. Tchoiconseguiu ser libertado mais cedo, uma vez que a sua figura esguia lhe conferia uma aparência jovem. Os outros dois irmãos navegantes, Ngreo e Ntebolo, acabaram por ser soltos, também, mais tarde, o que os levou a decidir juntar-se à guerrilha no sul. Ngreo, devido aos seus feitos notáveis durante a luta, passou a usar o nome Nbanco-Ferro.

 

 

“Documentos elaborados pelo Instituto da Defesa Nacional (IDN), sob a direção do Dr. Eduíno Sanca (Pesquisador).”

 

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