A Guiné-Bissau assiste, nos últimos tempos, escassez e especulação de preços de alguns produtos da primeira necessidade nos mercados do país. Desde finais de março que os preços de vários produtos de primeira necessidade não param de subir.
O facto preocupa os consumidores que acusam os comerciantes pela situação e da incapacidade do Governo em atenuá-la para minimizar o sofrimento da população.
Mas, os comerciantes dizem que os aumentos dos preços se devem aos impostos, custos de transportes e ao elevado preços dos produtos importados no mercado internacional.
Perante a situação que vem agudizando dia após dia, aliada a difícil situação económica dos guineenses, a reportagem dO Nô Pintcha tentou ouvir as partes envolvidas no processo, neste caso os comerciantes, governo e defensores dos consumidores, para apurar a verdadeira causa.
Todos mostraram-se preocupados pela situação e o diretor-geral do Comércio e Concorrência, Lássana Fati, reconheceu a difícil situação com que os guineenses passam atualmente com a falta e a especulação de preços dos produtos e garante que o Governo está a trabalhar para atenuar a situação e estabilizar o mercado, a fim de minimizar o sofrimento da população.
Desta feita, disse que o Governo está a previdenciar a importação de 60 mil toneladas de arroz 100% partido (nhelém), 30 a 40 mil toneladas de açucar e 3 a 4 milhões de litros de óleo alimentar para abastecer o mercado, com um preço acessível ao consumidor.
Lássana Fati disse que o Governo não está de braços cruzados face a especulação de preço dos produtos e muitos comericantes que praticaram esse acto foram presos pelos serviços de inspeção do Ministério do Comércio e foram-lhes aplicadas devidas multas.
Disse, ainda, que os serviços de inspeção intensificaram horários de trabalhos para melhor controlar a situação e garante que os produtos de emergência que o Governo pretende importar serão entregues aos comerciantes a serem selecionados e haverá controlo rigoroso de preços a serem fixados pelo Governo, através de um termo de compromisso entre grossistas e retalhistas. Qualquer violação será punida conforme a lei, sublinhou o diretor-geral.
Lássana Fati pediu a colaboração da população para denunciar casos de especulação de preços e, assim, ajudar os serviços de comércio a melhor atuarem contra os infractores.
Em relação ao arroz Supremo, o diretor-geral garante que o Governo vai tomar medidas e que o preço não pode passar 22.500 Fcfa em Bissau e 23.000 no interior. E sobre o sabão, Lássana Fati disse que já foi convocado o proprietário da fábrica para saber da situação e tomar medidas necessárias e fazé-los justificar-se, e fazer importação desse produto. Referiu o caso do preço de cimento que disparou consideravelmente, apesar da fábrica existir no país.
O diretor concluiu, lembrando que o contexto mundial não está fácil atualmente, o que, de certa forma, está a refletir na economia e na vida social, devido ao COVID-19 e a guerra na Ucránia.
Por seu lado, o presidente da associação dos retalhistas dos mercados da Guiné-Bissau, Aliu Seide, disse que a subida de preços não é culpa dos comerciantes. Pois, os retalhistas dependem dos importadores que os fornecem mercadorias e o comércio funciona em cadeia, sublinhou Seide.
O presidente de retalhistas disse que a Guiné-Bissau depende fortemente do estrangeiro para ter acesso aos produtos básicos que são importados de Portugal, China, Dubai ou dos vizinhos Senegal, Gâmbia e Guiné-Conacri.
Arroz partido e açucar são os que mais faltam
Falando de escassez e aumento dos preços dos bens essenciais, Aliu Seide destacou o açucar e o arroz partido (“nhelém”) como dois produtos atualmente com maior problemas em falta no mercado.
Mas, argumentou que a escassez de produtos básicos que se verifica atualmente no mercado nacional e consequente subida dos proços dos mesmos devem-se a crise mundial provocada, sobretudo, pelo surgimento da pandemia do COVID-19, agudazado ainda mais com o conflito russo-ucraniano.
Disse que a crise económica mundial causada pelo COVID teve reflexos negativos sobre a economia, reduzindo a produção, emprego e consequentemente a disponibilidade de produtos.
Seide sublinhou que o comércio, sendo uma cadeia e que a Guiné-Bissau sendo um país dependente de importação de produtos, sofreram também efeitos do aumento do preço de combustível e dos custos dos transportes, assim como da subidada do dólar.
Também disse que o recente despacho do Governo, através do Ministério de Comércio, que fixou o preço de saco de açucar de 50 kg em 27.000 Fcfa e o arroz nhelém de 50 kg em 19.000 Fcfa não ajudou estabilizar os preços.
Pois, disse que esses dois produtos subiram consideravelmente no mercado mundial e a Guiné-Bissau depende mais do Senegal para obter estes dois produtos onde agora também o preço disparou, estando superior ao fixado pelo despacho do Governo, fazendo com que os comerciantes não conseguem importar estes produtos para vender no país, levando assim à escassez dos mesmos, explicou Aliu Seide.
Acrescentou que no Senegal o açucar passou a custar 30.000 Fcfa por saco de 50 kg em Dakar e mais caro nas regiões, e o arroz partido passou a custar 20.000 Fcfa por saco de 50 kg. Agora, questiona como é que os comerciantes podem vender estes produtos ao preço inferior aos preços de onde é importado? Lembrou que o comércio faz-se para ganhar lucro e não o contrário.
Aliu Seide, lembrou também que o Senegal subvenciona os comerciantes e aplica uma taxa mais baixa em relação à Guiné-Bissau.
Contudo, disse que apesar dessa situação de crise, aqui na Guiné-Bissau neste momento os preços estão mais baixos em relação ao Senegal e Guiné-Conacri, no caso de arroz, óleo alimentar e outros. Portanto, disse que o Governo deve sentar-se à mesa com os operadores económicos para dialogar e encontrar uma solução que possa atenuar essa situação.
Disse que a falta de açucar no mercado está a causar enormes prejuízos, pois, muitos guineenses usam o açucar para vários fins. Uns e outros fazem sorvete, bolo, sumo, café, leite para vender e conseguir algo para comprar arroz para o consumo familiar.
Seide falou também dea escassez e alto preço de pescado no mercado que, segundo ele, não tem motivo, porque a Guiné-Bissau é um país potecialmente rico em termos de recursos haliêuticos.
ACOBES desapontada com a situação
Entretanto, o secretário-geral da Associação dos Consumidores de Bens e Serviços (ACOBES), Bambó Sanhá manifestou preocupação da sua organização face à atual situação com que vive o consumidor guineense, perante a grave crise de escassez de alguns bens alimentares e especulação dos seus preços.
Sanhá disse que, na verdade, o mundo está a deparar com enormes problemas motivados por vários factores entre os quais, o surgimento da pandemia do COVI-19 e agora o conflito russo-ucraniano, o que está a reflectir negativamente sobre a economia mundial e a vida das populações.
Disse que desde cedo que a ACOBES vem alertando o Governo pela situação, através de denuncias nos órgãos de comunicação social e encontros institucionais sobre casos de aumento de preços e venda de produtos inapropriados para o consumo. Mas não foi atendida a altura certa até que chegamos num ponto agora muito preocupante com o disparo, sem controlo dos preços dos produtos essenciais que estamos a assistir e sem solução à vista.
Bambó Sanhá disse que o Ministério do Comércio, enquanto entidade detentora de política do comércio e responsavel pelo controlo do mercado, foi passivo perante a situação que levou a subida progressiva dos preços de produtos da primeira necessidade, legitimando assim o aumento dos preços, através de aprovação de estruturas de custo, o que a ACOBES criticou sempre.
‘’O Governo deve possuir estrutura própria que possa fazer prospeção de preços no mercado internacional, através de bolsa de valores e não o importador a fazer isso. Existe um programa chamado PLAT que informa diariamente sobre os preços de produtos no mercado internacional e não os preços a partir da internet, e tem um código que só se pode aceder se pagar o custo para ter a chave de acesso’’, sublinhou Sanhá. Acrescentou que o comércio livre não é sinónimo do preço livre, sob pena de aniquilar o consumidor.
O responsável da ACOBES disse que o conflito entre a Russia e Ucránia, complicou ainda mais a situação dos consumidores que viram reduzidas as suas capacidades de compra, aumentando o número de pessoas e famílias que passam fome e misséria.
Exemplos disso, disse que o arroz passou de 15.000 para 20.000 a 23.000 Fcfa; o óleo alimentar, saiu de 1000 Fcfa para 1750 a 2000 Fcfa; o açucar saiu de 500 Fcfa para 1000 Fcfa a quilograma; o pão saiu de 150 para 200 Fcfa; o sabão barra saiu de 700 para 1300 fcfa, o cimento saiu de 4500 para 7.500 fcfa, varão de ferro 8, 10 e 12 subiram quase 50%; combustível e transportes subiram consideravelmente. Igualmente, os preços de carne, peixe e frangos congelados dispararam grandemente, para não falar dos legumes e hortaliças, acaretando o consumidor ainda mais o custo de vida, perante diminuição de rendimento e sem aumento de salário aos funcionários, defendeu Bambó Sanhá.
Apesar de dispormos aqui das fábricas de cimento e sabão, isso não está a beneficiar o consumidor guineense, pelo contrário, sublinhou.
Perante essa situação de crise, muitos chefes de famílias perderam a liderança na sua família porque não conseguem dar três refeições obrigatórias aos seus familiares, mas apenas uma só refeição e isso tem repercussões sociais negativas.
Certo é que o Governo não conseguiu pôr autoridade sobre os preços dos produtos apesar da comissão que tinha sido criada para o efeito, envolvendo o Governo, através dos Ministérios das Finanças e do Comércio, consumidores, operadores económicos e outras entidades.
Essa comissão estaria encarregue de fiscalizar o preço de alguns produtos inicialmente listados na primeira fase como o arroz, farinha e açucar. Mas como os operadores já tinham pago antes dessa comissão, as taxas sobre seus produtos, depois da medida de baixar as taxas sobre produtos referenciados, estes pediram o Governo o reembolso da diferença no valor quase de 500 milhões de Fcfa, o que o Governo não conseguiu fazer, levando com que os preços fixados não tivesse funcionado e os comerciantes foram obrigados a venderem seus produtos no preços que acharem e perante a incapacidade do Governo e/ou falta de vontade, disse Bambó Sanhá.
O secretário-geral da ACOBES não concorda com os argumentos do Governo em como não pode diminuir taxas pelo compromisso que tem com o FMI na arrecadação de receitas para aprovação de alguns programas. Disse que o Governo podia convencer o FMI noutros aspectos, porque nos países onde vem o FMI foram subvencionados combustíveis, energia, gás e famílias financiadas para fazer face à crise do COVID-19, mas, contrariamente na Guiné-Bissau não aconteceu.
A comissão está agora a trabalhar nesse momento na prospeção do mercado internacional e, para ACOBES, o Governo deve tomar disposições para fazer face a situação. Já temos informação que o Governo está previdenciar a importação de alguns produtos essenciais para fazer face a situação e travar a especulação de preços.
Bambó Sanhá disse que a Guiné-Bissau dispõe de condições naturais favoráveis para a prática da agricultura para deixar de depender de produtos importados. Só o Governo pode apoiar na mecanização agrícola para desenvolver o setor e criar oportunidades de emprego e de auto-suficiência alimentar e nutricional da população.
Produtos inapropriados para consumo
Outro aspeto referido pelo secretário-geral da ACOBES tem a ver com o arroz marca “FOOTBAL” que segundo Sanhá está armazenado num dos armazéns em Bissau, concretamente na Empresa Nafá para ser vendido a população.
Uma situação que a ACOBES já denunciou junto das autoridades competentes mas que, até ao momento, não houve nenhuma decisão do Ministério do Comércio. Contudo, realçou a colaboração da polícia judiciária nesta matéria e lamentou a forma como a televisão da Guiné-Bissau, que tem essas imagens do arroz não publicou nada há mais de um mês. O caso já estava no Ministério Público, mas simplesmente foi arquivado e não foi acusado para o tribunal, disse Sanhá.
Existem vários produtos fora de prazo que está a circular no mercado, caso de frangos congelados, figados, ovos, arroz e outros com prazos adulterados, sublinhou Sanhá, apelando a intervenção das autoridades para salvar a vida da população, porque é um atentado à saúde pública.
Há operadores que tentam introduzir produtos inapropriados no país perante a vista aberta das autoridades e/ou em conexão com alguns responsáveis, colocando a saúde da população em risco. Há locais também inapropridos para venda de alimentos e outras formas desprotegidas, além de vários tipos de água empacotada hoje em Bissau com qualidade duvidosa, afirmou Bambó Sanhá.
Situação difícil
Alguns consumidores abordados pela reportagem do Nô Pintca consideraram a situação muito mal. Dizem que tudo está difícil e com elevado preço e nem sabem para onde vamos.
“Estamos em risco de grave crise que poderá vir a ter ter outros contornos. O Governo mantém-se passivo perante a situação e isso poderá desembocar numa revolta que poderá ter consequências. Até hortaliças e legumes que são produzidos localmente são caros e sem motivo para tal, porque não é importado. Os comerciantes já alertaram que nos próximos tempos o país poderá ficar sem arroz.
Produtos como arroz de todos os tipos, açucar, sabão, óleo alimentar, leite, caldo de galinha, cebola, para não falar de carne e peixe, que agora os coitados não conseguem comer. Será que isso é normal num país democrático onde a população exerce seus direitos cívicos, elegendo seus representantes? Achamos que qualquer Estado, enquanto pessoa de bem, deve lutar para minimizar o sofrimento do seu povo e, sobretudo, quando toca com a alimentação.
Não pode ser e nem deve continuar assim, vendo outras pessoas a comer e outras ficarem com fome. O Governo deve tomar medida para atenuar a situa, antes que seja tarde” concluíram.
Djuldé Djaló