Os guineenses alertam para a necessidade de se investir seriamente na produção e distribuição das energias renováveis ao nível nacional.
Na opinião dos conhecedores da matéria energética, o atual sistema de produção da energia elétrica, além de ser cara ao consumidor, é poluidora do ambiente, também não tem garantia, pois, o país pode ficar na escuridão a qualquer momento, por não ter alternativa a uma eventual avaria técnica que possa acontecer com a única fornecedora, a Karpower.
Os cidadãos, Alexandre Cabral, engenheiro eletroquímico e Idrissa Djaló, secretário executivo da Comissão Nacional de Eleições, que é também um consumidor a 100 por cento da energia renovável na sua residência, partilham opiniões que a economia do país corre o risco de estagnar e parar a vida dos guineenses.
O engenheiro petroquímico e especialista em questões ambientais, Alexandre Cabral, afirmou que enquanto o país não considerar prioritário o setor da energia nos seus planos de desenvolvimento, não é impossível atingir o progresso almejado.
Cabral considera a energia como condicionante e sustentáculo do desenvolvimento de qualquer país. “Isto é automático e indiscutível, mas no nosso país, em termos práticos, a energia não constitui a prioridade ”, observou.
Falta de legislação
O especialista elencou três prioridades que o país deve estabelecer para atrair investidores e, consequentemente, fazer arrancar o país rumo ao desenvolvimento sustentável – eletrificarão, industrialização e infraestruturação.
Alexandre Cabral defende a eletrificação não só da capital, Bissau, mas também de todas as regiões e até as tabancas. “Alguém pode pensar que estou a exagerar mas não, é bem possível, através da opção por energia do sistema solar, que é de baixo custo e muito saudável, do ponto de vista ambiental”, explicou.
Comparando a Guiné-Bissau ao Cabo Verde, o especialista disse que, atualmente, naquele país lusófono, a população usa cerca de 30 por cento das energias renováveis, nomeadamente a eólica, através do vento e a solar e por meio do sol.
“Os cabo-verdianos traçaram que, até ao ano 2030, a população estará a consumir 50 por cento das energias limpas enquanto os guineenses ainda nem os cinco por cento atingiram, o mais grave ainda é a falta da legislação e regulamentação do setor nessa matéria em concreto, salvo o plano que a CEDDEAO apoiou o nosso Governo na sua elaboração”.
“Muitas das nossas mulheres ficaram contaminadas da doença de tuberculose devido à penetração da quantidade de fumo nos seus órgãos durante a utilização de lenha e carvão da cozinha” disse.
O especialista ambiental estimou que cerca de 95 por cento da população guineense usa energia biomassa florestal (lenha e carvão) e apenas 5 por cento é que têm fogões elétricos ou utiliza gás de cozinha.
No que se refere à industrialização, para Cabral, quando o país optar verdadeiramente por essa via, estará simultaneamente a combater a falta de emprego e a lutar para o rápido crescimento da economia nacional, através da opção de transformação local dos seus produtos, atualmente exportados em abundância e de forma bruta.
“Só com a industrialização é que podemos dar suficientemente o emprego aos jovens e só a partir dela é que podemos resolver a questão do Produto Interno Bruto do país (PIB) através da produção local suficiente e exportação do excedente para permitir a entrada da divisa em quantidade razoável ou necessária”, afirmou.
Questionado como reflete a garantia da energia na vida de um cidadão, Cabral disse que o índice do consumo da energia é um dos indicadores de qualidade de vida da população de um país.
Sobre o investimento no setor da energia solar no país, o engenheiro petroquímico considera que há um desleixo por parte dos sucessivos governos nessa área. “Os executivos esperam que a comunidade internacional faça tudo, mas é preciso um esforço interno para depois pedir ajuda”.
Dando exemplo da importância da energia elétrica, lembrou que a Rússia, o revolucionário Lenine dizia aos russos “para desenvolver todo o território russo, na altura União Soviética, tinham duas prioridades imperativas, nomeadamente a eletrificação e a industrialização do país.
Na sua perspetiva, quando o país avançar seriamente para a eletrificação total do território, as indústrias vão aparecer em quantidade, dando ganhos económicos ao país e, consequentemente, esses benefícios vão ser revertidos na infraestruturação, dando o estado físico do país uma outra imagem.
Barreiras no setor da energia
O engenheiro da energia e gás afirmou que existem barreiras para o desenvolvimento do setor energético. Alexandre Cabral indica que os obstáculos para o investimento do setor privado interno e externo nessa área têm a ver com a falta de legislação e uma política própria.
“É uma dor de cabeça estar a pensar alavancar essa área tão estratégica perante uma ausência de base legal (legislação) e políticas próprias para o efeito, ou seja, estamos a brincar connosco mesmos”, indignou-se, vendo na cara dele alguma irritação.
“Para dizer a verdade, o país não tem trabalhado para o aproveitamento das potencialidades de insolação disponíveis. Temos o sol suficiente que arde quase durante todo o dia mas, de facto, essa riqueza natural é subaproveitada e praticamente não existe investimento na área de energia solar”, afirmou.
Revelou que o seu escritório fez um estudo sobre o investimento na área de energia solar, mas concluiu-se que, em todo território nacional, existe apenas uma única entidade que produz e vende energia solar no país é a fundação holandesa, Fress, em Gabu, também expandida para Buba e Tombali.
Sabe-se, sublinhou, que essa fundação teve grandes dificuldades na sua fase inicial para a cobertura das suas despesas devido ao número reduzido de clientes consumidores.
Disse que esse subaproveitamento tem a ver, primeiro, com a ausência da política do Estado para o setor e, consequentemente, inexistência de financiamento dos projetos, por parte dos parceiros de desenvolvimento.
Instado a quantificar em percentagem os utentes da energia solar no país, disse que o número de pessoas que usam essa energia é insignificante e até considerou que ainda não faz parte da cultura do guineense.
No seu entender, a opção do uso da energia fornecida pela Empresa de Eletricidade e Águas da Guiné-Bissau (EAGB) está ligada ao nível da pobreza económica dos guineenses, pois o custo de um painel solar, uma bateria e outros acessórios não é barato, por isso, as pessoas preferem estabelecer contrato com a essa empresa, onde o custo não ultrapassa os 45000 francos CFA.
Proliferação de bombas de combustíveis
O engenheiro Alexandre Cabral, especialista ambiental, alertou que há uma proliferação de estações de combustível que, na sua opinião, constitui um perigo para o país, tendo em conta o não respeito das regras de distanciamento físico entre bombas.
“Grande número de estações estão a funcionar sem antes terem feito os obrigatórios estudos de impacto ambiental e constituem ameaças séries à população, porque são produtos inflamáveis e explosivos, com consequências de danos incalculáveis”, alertou.
Para se evitar os possíveis estragos no futuro, o especialista aconselha a realização de estudos de impacto ambiental social às estações que estão a funcionar sem uma prévia avaliação dos riscos ambientais para a sociedade.
Centrais elétricas nas regiões
Na sua perspetiva, devem ser criadas centrais elétricas solares em cada região, servindo-se de alternativa na imprevisibilidade da avaria da única fonte de produção energética de que Bissau depende, neste caso, a Karpower.
Idrissa Djaló apelou às autoridades, sobretudo alfandegárias, a isentarem os custos de desalfandegamento dos materiais solares de forma a permitir a sua comercialização a baixo preço no mercado, caso contrário, de nada servirá a importação dos materiais de energias renováveis, pois, o guineense, de modo geral, não tem poder de compra.
Esse consumidor da energia limpa considerou que a primeira grande vantagem do uso da energia solar é a conservação de um meio ambiente saudável, o utilizador torna-se autónomo e sem medo de consumir mais. A garantia e a permanência da energia 24 horas por dia na sua casa ou local de serviço.
O cidadão Idrissa Djaló convida os guineenses a optarem pela energia solar por ser não poluidora do ambiente, garantida e de baixo custo. Salientou que o custo é apenas referente ao primeiro investimento, na aquisição de materiais de produção, depois disso o consumidor tem a garantia de energia durante cerca de três anos de forma autónoma.
Djaló assegurou que daqui a dois anos não precisa de instalar a energia da rede da EAGB e disse que prefere investir ainda mais no sistema solar para tornar-se mais autónomo.
“A tarifa da EAGB é progressiva, ou seja, quanto mais um cliente consome a energia a tabela de custo sobe para esse consumidor, quando devia ser no sentido inverso. A política de faturação foi pensada, na altura, no sentido de desincentivar o consumo excessivo da energia, tendo em conta a fraca capacidade da produção desse bem, mas que agora precisa de ser revista”, observou.
Djaló advertiu que a energia fornecida neste momento pela empresa Karpower não tem garantia e nem está prevista chegada ao país da produção energética da barragem hidroelétrica de Caleta e Samba Ngaló, porque podem sofrer avarias a qualquer momento, estagnando por completo a economia nacional.
A vantagem de energia solar, pelo que constatamos na residência do nosso entrevistado, as baterias de acumulação recebem carga até por volta das 19h25 minutos e logo de manhã, com o reaparecimento do sol as acumuladoras voltam a receber carga.
Idrissa Djaló estima o investimento em pouco mais de um milhão e meio de francos CFA em materiais e instalação. “Atualmente a tendência do custo dos materiais está a baixar consideravelmente nos mercados internacionais devido à concorrência entre a Europa, Estados Unidos da América e China na opção pelas energias renováveis.
Aumento de procura de sistema solar
No país começou a aparecer empresas de venda de materiais de energia solar. O “Nô Pintcha” falou com o diretor-geral da empresa de Energia do Sistema Solar da Guiné-Bissau. Check Omar Só, que na ocasião revelou que a procura de materiais de eletricidade solar está a aumentar pouco a pouco no país.
Disse que a empresa que dirige tem a disposição diversos materiais eletrodomésticos de origem europeia e americana, adaptados ao consumo de sistema solar.
“A única dificuldade de mudar para o sistema solar é conseguir um fundo para aquisição desses materiais, de resto é apenas beneficiar da energia e usufruir dela como quiser, sem pensar em despender algum valor no final do mês, como acontece com a luz da EAGB”, explicou.
Omar Só afirmou que os materiais disponíveis a venda na sua empresa têm a garantia mínima de um ano de funcionalidade sem qualquer avaria, mas o período de durabilidade das baterias de acumulação de carga é de três anos.
Os consumidores domésticos, particularmente as vendedeiras de refrigerantes (água, sorvete e gelado) queixam-se do custo da energia fornecida pela EAGB, a qual consideram cara e incompatível com os seus rendimentos.
A vendedeira de água e sumo nos passeios do Mercado de Bandim, Rita Djú, disse que, com este custo de faturação da energia da EAGB, nenhuma vendedeira consegue afirmar-se através da venda de pequenos produtos refrigerantes.
“Imagine, no meu caso concreto, a compra da energia no valor de 5.000 francos CFA não dura mais do que uma semana. Isto é insuportável para quem tem um rendimento baixo no seu negócio”, afirmou.
Aliu Baldé