Arthimiza Mendonça é jornalista guineense, consultora de imagens e ativista social, radicada nos Estados Unidos há mais de 12 anos. Está de volta ao país para preparar a realização de uma campanha de sensibilização para o combate à mudança da cor de pele, que se tem verificado na sociedade guineense e não só.
O evento realizar-se-á entre os dias 5 e 10 de dezembro próximo, com o lema “Amo a minha pele”, onde serão debatidos temas como a despigmentação e autoestima, as suas causas e consequências, a negritude, pele negra, máscara branca, imaginário isolado. Vai-se falar também da lógica de aculturação; negritude: questão económica e religiosa (teólogos, economistas e estudiosos serão oradores deste tema), entre outros assuntos.
Em entrevista ao Nô Pintcha, a ativista manifestou-se preocupada com a atitude de mudança de pele na sociedade guineense que, segundo ela, é um fenómeno que está a crescer com uma frequência assustadora, mesmo no seio dos homens.
Mas Arthimiza Mendonça advoga que as pessoas vocacionadas a essa prática não devem ser julgadas, mas sim ajudadas por serem vítimas do sistema das indústrias cosméticas e da colonização. Mas elas não sabem disso. “Quer queiramos, quer não, a prática é vestígio dos colonizadores europeus. Isso significa que essas pessoas precisam da nossa ajuda e não de julgamento. Por isso, digo que não importa ser branco ou preto, o essencial é que cada um é igual a si mesmo”.
No seu ponto de vista, essa cor negra que temos e que inquieta alguns “foi imposta pelo Ocidente”, apontando o exemplo da Igreja Católica, que denomina a cor preta de pecado, de luto, de tristeza ou de dor.
“Então, essa conexão começou a fazer-nos pensar que não somos boa gente. Mesmo nas nossas abordagens aos mais pequenos, mostramos isso mesmo. Acho que devemos mudar a linguagem para que as crianças também não fiquem com essa ideia na cabeça. Temos que deixar bem claro que não é a cor que determina o nosso valor. A sensibilização deve ser ainda estendida à juventude”, considera, adiantando que os africanos devem aceitar o que são, a sua ancestralidade, os seus pais, porque trocando de cor, estamos a ser diferentes dos nossos progenitores.
Racismo estrutural
Aquela jornalista e consultora de imagens acrescentou que as pessoas que mudam de cor merecem uma sensibilização séria, mostrando-as causas, consequências e riscos dessa prática para a sua saúde física e mental. Isto porque, segundo ela, tal hábito não provoca somente a doença de pele, câncer ou impedir alguma cirurgia, mas tem também a ver com questões mentais, referindo que a falta de autoestima é muito sério, pois pode levar a depressão e “outras asneiras difíceis de resolver”, tendo em conta o frágil sistema de saúde existente no país.
Instado a pronunciar-se sobre alegados motivos que estariam na origem do crescimento desse fenómeno, Arthimiza Mendonça disse que estamos a viver numa “sociedade de racismo estrutural”, onde os empregadores acreditam que pessoas com pele mais clara podem dar visibilidade aos seus negócios. “Por isso, colocam-nas nos lugares-chaves da empresa para poderem atrair mais aos clientes. É gravíssima essa situação num país como a Guiné-Bissau, em que a grande maioria da população é negra”, opinou.
Fez saber que nos países onde há racismo, determina-se uma quota para a minoria com cor diferente, para que nenhuma franja seja excluída. Nesse sentido, afirmou que todos querem sentir como cidadãos em que tenham as mesmas oportunidades, onde cada um esteja no lugar merecido, pelo que deve haver mudança de mentalidade sobre a matéria.
No entanto, garantiu que durante a campanha de dezembro, irá trabalhar para fazer as pessoas compreenderem o orgulho de ser negro, conhecer sobre negritude, a nossa história e manter a nossa tradição, sendo “negro no mundo de negro e não de brancos”.
Mendonça é da opinião que é importante vivermos a nossa própria realidade e não de forma disfarçada, uma vez que conhecendo o seu passado faz viver o presente e preparar o futuro mais bonito. “Os europeus tiraram muita coisa de nós, ao ponto de desacreditarmos em nós mesmos. Somos esperança de muita gente, embora não demos conta disso”.
Lucro de 4,8 biliões de dólares
Entretanto, aquela ativista guineense indicou que as indústrias cosméticas ganham cerca de cinco mil milhões de dólares por ano com o fenómeno da mudança da cor de pele, desde produtos de esfoliação, cremes e injeções. Disse que hoje em dia, os mais poderosos economicamente já usam injeções para mudar de pele, por ser mais eficazes e mais duradouras.
Outro aspeto, que qualifica de grave, é que os utentes não sabem da proveniência do produto que usam, prazo de validade, nem nível dos componentes, porque não são inspecionados e são vendidos sem controlo. “É perigoso, porque muitos fazem automedicação”.
Adiantou que o facto ganha força, tendo avançado alguns dados baseados em pesquisas realizadas para o efeito, não apenas estimativas: em África, quatro em cada 10 mulheres mudam de cor (40%); na Nigéria a taxa é de 80%.
Preocupada com tais indicadores, Arthimiza não quer que os mesmos cheguem à Guiné-Bissau. Mas pretende realizar uma pesquisa a nível nacional e no seio dos homens também, que já entraram bastante nesta onda, para apurar os dados do país.
Por outro lado, Arthimiza Mendonça anunciou a realização, durante a campanha, de Miss e Mister “Amo a Minha Pele”, que terá lugar no dia 10 de dezembro de 2022.
Para o sucesso da referida campanha, pediu a colaboração de todos os guineenses, que estes entendam que os sensibilizadores estarão para ajudar e não outros fins. “Estaremos com psicólogos e dermatologista para assistir ao nosso público-alvo”.
Esta será a terceira edição a nível do país, mas a ativista tem feito sensibilização nas redes sociais para que as mensagens cheguem a noutros países de expressão portuguesa, eis porque traz oradores de diferentes países lusófonos.
Ibraima Sori Baldé