A falta de emprego para jovens é um dos problemas mais candentes no atual contexto nacional. O continente africano é um dos mais asfixiados por este fenómeno e com jovens cada vez mais a terem dificuldades de acesso ao mercado de emprego.
No entanto, a falta de emprego empurra a maioria dos jovens ao sector informal, embora precária e com empregos sazonais e instáveis.
Os jovens consideram a atividade informal como alternativa, mesmo assim ainda sentem-se como pessoas sem emprego, porque não é o tipo de ocupação que almejam. Para eles é o emprego formal, com segurança social em dia, que lhes deixam à vontade junto da família.
O empreendedorismo é uma ideia que a maioria não acredita, o que leva alguns a optarem pela emigração clandestina, o que muitas vezes torna-se fatal.
Falta de emprego
A Guiné-Bissau é um país que não possui capacidade para absorver toda a mão-de-obra, porque o Estado continua a ser quase o único empregador, situação diferente de outros países.
O setor privado que podia ser alternativa para o emprego também está desestruturado e sem capacidade de responder aos desafios do mercado.
Essa situação deixa milhares de jovens sem trabalho para coparticipar nos lares. Por causa disso, alguns refugiam-se nas atividades informais, para poder ganhar a vida enquanto outros enveredam-se pela marginalidade.
O Governo do primeiro Carlos Gomes Júnior, deliberou em 2010, em Conselho de Ministro, um despacho que suspende o ingresso na função pública com a exceção dos Ministérios da Educação e Saúde, foi por isso que estas áreas se tornaram um “refúgio” para milhares de jovens, até para aqueles que formaram noutras áreas.
Às portas do mercado de trabalho continuam fechadas. Não há números oficiais atualizados de jovens sem emprego.
A crise política tem agravado ainda mais a situação económica do país, onde a juventude é parte da população mais prejudicada, com cerca de 30 por cento de jovens, quase 600 mil pessoas estão sem emprego, segundo os dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Enquanto não houver reformas na Guiné-Bissau, é impossível pensar no emprego jovem, porque a administração pública está superlotada com pessoas improdutivas, e algumas sem formação académica. O mais caricato é que as pessoas trabalham até fora da idade limite na Função Pública. E essas mesmas pessoas quando já não têm força para irem ao serviço recrutam seus filhos para os substituírem nos seus postos. Com essa prática será difícil falar no emprego jovem.
Um jovem que não tem emprego é propenso à convulsão social, acabando por ser influenciado, muitas vezes, pelos políticos, a fim de se tornarem também corruptos.
O papel das organizações juvenis, enquanto grupos que procuram emancipar jovens, deve ser concorrencial fomentar projetos sustentáveis de promoção do empreendedorismo.
Carência de vida
A exiguidade do mercado do emprego para jovens e ausência de uma política virada à problemática da juventude, fizeram com que a prática de lavagens de carros se tornasse uma alternativa de emprego juvenil.
Os jovens são, hoje em dia, especialistas em lavagem de carros, facto que leva os proprietários das viaturas a optarem mais nos seus serviços, porque fazem-no de forma perfeita, limpam os tapetes, prestando um serviço impecável.
Joelson Indi é um jovem de 29 anos de idade, morador do Bairro de Bandim, natural de Bissau, filho de pai na reforma e mãe doméstica. Inconformado com a situação de vida, o rapaz decidiu sair a procura de emprego para poder autossustentar-se e ajudar os irmãos mais novos. O primeiro emprego foi numa empresa de lotaria de jogo de sorte e azar, denominado Bissau Game.
O jovem concluiu o ensino liceal em 2017, mas como não tem meios financeiros para continuar os estudos, preferiu abraçar o mercado informar para evitar os maus vícios.
Indi, depois de perder emprego naquela empresa, para não ficar parado, abraçou a atividade de lavagem de carros como alternativa. Se o trabalho continuar a correr como deseja vai prosseguir com os estudos. “Dói-me muito a situação em que se encontram os meus pais, mas como não tenho outra maneira, somos obrigados a viver naquelas condições. Mas o meu desejo é tirar a família daquela precariedade de vida”, lastimou.
O jovem Mamadu Aliu Djaló, maior de idade, pratica a atividade de lavagem de carros para não ser delinquente. Segundo suas palavras, um jovem naquela idade sem emprego é fácil ser influenciado para práticas nocivas à sociedade.
Djaló disse que os seus pais já lhe deram tudo que estivessem aos seus alcances, agora resta-lhe, como filho, sacrificar-se para os retribuir.
Mamadu Aliu revela que não conseguiu concluir a 11ª classe devido ao acidente de viação que sofreu em 2008 em que teve que ser evacuado para Dakar com ajuda do cidadão, Umaro Sissoco Embaló, atual Presidente da República.
Depois do seu regresso ao país, deixou de estudar, porque a idade do pai estava muito avançada, então teve que arranjar forma de sobreviver.
Um outro jovem com quem o repórter falou foi Jô Guilherme da Costa, que afirmou que se sente vergonha do seu trabalho, mas como não tem outro foi obrigado a passar a submeter-se a essa “vergonha” na rua.
Segundo ele, muitos pensam, no país, que os lavadores de carros são bandidos, consumidores de droga, pelo contrário “muitos deles são pessoas idóneas e honestas”.
CMB burla ou fiscaliza avenidas
No entanto, Robilson Gomes Djú disse que lava carros com todo orgulho, porque é um trabalho que lhe permite viver tranquilo sem ter que roubar ou furtar como alguns fazem. E consegue custear a sua formação através de rendimento desse trabalho.
As dificuldades com que deparam têm a ver com impertinência da Câmara Municipal de Bissau que não os deixa trabalhar para o seu ganha-pão de cada dia. Para Robilson Djú, a direção da Polícia Municipal os deu ordens para não lavar carros nas estradas alcatroadas, apenas em terra batida e que aceitaram cumprir à ordem. Passado algum tempo, a própria Câmara, através da Polícia Municipal, voltou a impedi-los de lavar viaturas nas zonas anteriormente indicadas.
De acordo com o relato desse jovem, a CMB, nos últimos tempos, requisitou a Guarda Nacional para os prender e levar para brigada de polícia, onde são obrigados a lavar dez a quinze carros como castigo, além de serem despidos, para que não consigam fugir e, às vezes até vítimas de torturas.
Para além desse comportamento desumano, os agentes da Polícia Municipal interpelam os donos das viaturas para pagar três ou cinco mil franco cfa, caso o dono resistir ameaçam levá-lo para direção onde é coagido a pagar uma multa de 30 a 50 mil francos CFA.
Robilson Gomes Djú sustentou que tentaram várias vezes convencer a direção da CMB para os ceder um espaço, mas não foi possível. E eles enquanto pessoas com necessidades não podem ficar paradas sem fazer nada, é por isso que continuam a lavar carros naquelas localidades indicadas pela CMB.
Disse que estão dispostos a contribuir com algum valor que vierem a acordar com a edilidade camarária desde que seja de uma forma legal.
Djú acusa o pessoal da CMB de transformar esses locais de lavagens de carros em fontes de rendimentos ou de sustentos. “Quando alguém está com bolsos vazios, logo dirige-se para essas localidades para poder encher bolsos”, denunciou.
“Para que a verdade seja dita a própria CMB não está disposta a acabar com a lavagem de carro nas ruas/estradas, porque sabem se isso terminar também vão sofrer as consequências, por isso, fingem que estão contra mas no fundo estão de acordo”, acusa.
O comportamento de agentes parece convidar os jovens para se refugiarem nos assaltos, furtos, roubos e todo o tipo de banditismo. “Ao invés de ajudar-nos com a solução, fazem o contrário, desencorajando os jovens de seguir em frente. “O nosso desejo é de um dia ter um bom emprego, ninguém de nós deseja ficar nessa situação por resto de vida, aliás, é difícil encontrar uma pessoa com 50 anos de idade a lavar carros”, desabafou.
Acusações de roubos
Uma outra situação com que deparam é com os proprietários de carros que, às vezes, quando levam carros para lavar não controlam seus pertences, e só depois que o fazem, e quando não encontrarem algo que tinham no carro, logo os acusam diretamente de furto, mesmo que o dono tivesse esquecido noutro lugar. Como na Guiné-Bissau a justiça não funciona como deve, são obrigados a pagar o que não furtaram.
Tcheco Passenó, jovem que lava carros ao lado da discoteca Tropicana, disse que faz isso para pagar à escola, renda e ajudar a família. Portanto, não são ladrões nem bandidos, como alguns pensam, são responsáveis de famílias.
A nível de trabalho têm uma boa colaboração, quando um conseguir lavar uma viatura logo de seguida deixa para aquele que ainda não conseguiu, assim sucessivamente.
“Aqui todos concluíram a 11ª classe, mas como não têm meios financeiros para pagar a formação optam pela prática de lavagem de carros e se Deus quiser vão continuar com os estudos”, prometem.
Fredi Pontão Gomes disse que depois de ter concluído o liceu, decidiu começar a lavar carros para evitar de sentar em casa ou nas bancadas sem fazer nada. Segundo ele, se tudo correr como previsto, no próximo ano vai retomar os estudos, porque o seu sonho é um dia ser um homem formado.
Por fim, Netchi Carlos Ié, licenciado em Gestão de Recursos Humanos, disse que foi através de lavagem de carros que conseguiu pagar seus estudos superiores, mas mesmo com a formação contínua a viver dessa atividade, devido à falta de emprego.
O Jovem aconselhou os colegas para olharem além desse trabalho. “Lavagem de carros é um trabalho que consome maior parte de tempo e se não esforçar, certamente, vai ficar todo o tempo lá sem aproveitar nada”.
“A honestidade é sempre elemento que faz parte do nosso dia-a-dia. Cheguei de ser acusado de furto, mas como todos colegas me conhecem e próprios proprietários de carros sabem quem sou, isso que foi a minha salvação”, lembrou.
Entretanto, o repórter do JNP tentou sem sucesso auscultar a versão da CMB sem sucesso, sobretudo das acusações que os lavadores de carros fizeram ao longo dessa reportagem.
Alfredo Saminanco