MORÉS 1: A fortaleza do norte

PARTE I

Antecedentes históricos:

No decurso do massacre contra marinheiros e estivadores ao serviço da Casa Gouveia, ocorrido a 3 de Agosto de 1959, no Cais de Pindjiguiti, em Bissau, e depois de ter sido decretada “ação direta”, pelo PAIGC, em 1961, como única via para a conquista da independência, as células de nacionalistas criadas nos centros urbano, sobretudo em Bissau, começaram a infiltrar-se, estrategicamente, disseminando, sobretudo, em zonas rurais do interior, tanto para o norte como para o sul do território. Infiltração dos nacionalistas no leste foi mais retardada, tendo em consideração as particularidades climáticas e humanas (sociológicas) da zona.

A primeira célula de nacionalista direcionada em missão de mobilização na região norte era encabeçada por Rafael Paula Barbosa, coadjuvado por Luciano Ndau. O grupo de Rafael terá identificado, então, um lugar no meio da mata cerrada, na região de Oio, chamado Morés (Mors ou Morros, conforme pronúncia “mandingas/oincas” local), também conhecido por “bodjandu”

A região de Oio é composta por seguintes sectores: Bissorã, Mansoa, Mansaba até Candjambari. A existência da tabanca (aldeia) de Morés terá resultado do período anterior ao séc. XVI (época pré-colonial), tendo ligações administrativas (de suserania) a Birassu (Farim), território sob o domínio do Reino de Gabu.

1 – Família ou linhagem Bodjam

A povoação da aldeia de Morés ocupava uma superfície territorial não superior a dois quilómetros e meio. A população não ultrapassava três mil habitantes. Todos eram da etnia Mandiga, da família Bodjam (bodjandu). O lugarejo era composto por duas partes distintas, designadas por Morés de cima (parte oeste ou poente) e Morés de baixo (parte este ou nascente). No meio da povoação, erguia-se um imponente arbusto (embondeiro ou bissilão 2). O local servia de pátio ou recinto para encontros entre as duas comunidades.

No início dos anos sessenta, naquela área, praticamente, todas as povoações estavam fortemente guarnecidas pelo exército colonial português. Destarte, as povoações das imediações de Morés eram, também, estrategicamente, munidas pelo inimigo. As aldeias principais ao redor de Morés eram Olossato, Bissorã e Mansaba, distando-se em cerda de quinze quilómetros de Morés. Cutia era a mais próxima de Morés. Ficava no meio, a cinco quilómetros de Morés. Mansoa e Morés distam vinte quilómetros.

Entretanto, a penetração, em Morés, do primeiro grupo nacionalista liderado por Rafael Paulo Barbosa, fora possível tendo em conta os contactos com grupo de anciãos e líderes da zona, em Bissorã, na tabanca de Dandu. Este local viria, inclusive, transforma-se, em fase mais avançada da luta, em base estratégica da guerrilha.

O objetivo do encontro era abrir base em Morés. Faziam parte do primeiro encontro com Rafael Barbosa: Tomane Seidi (Cumbamori) 3, Braima Talicó, Aladje Conhadje (filho do padre Seidi-Coio), Irama Camara (ancião

2 – Árvore tropical de grande porte, da família das Meliácidas (Khaya senegaleses)

3 – Tomane Seidi era quem viria a oferecer inicialmente goro a Amílcar Cabral, tendo em consideração ao seu estatuto chefe supremo de Dandu), Mussa Djambam e Sidi Djaura (Mansodé). Da parte de Rafael Barbosa, participou Luciano Ndau, figura, também, indicada para coordenar o processo de mobilização e abertura de base em Morés. No mesmo encontro tomaram parte Tiago Aleluia Lopes, Manuel de Azevedo 4 e Augusto Piqui (de Bissorã).

Implantação da Base da Guerrilha

“A sorte estava lançada” para os nacionalistas. No terreno, atuação colonialista dos sipaios (agentes coloniais nativos) contra a população serviam de provas de evidência para os nacionalistas em mobilização na zona. Abuso de poder, violações dos direitos, uso e abuso da força contra a população, etc., serviram para provar que não havia coabitação possível com as autoridades coloniais e que a única via para a libertação era pegar em arma.

A brutalidade das atuações dos sipaios gerava um sentimento de revolta na população. O facto facilitou a mobilização e o alistamento de jovens às causas dos nacionalistas do PAIGC, no terreno. A adesão dos jovens era enorme. O caudal da aderência viria a reduzir-se quando Salum-Chefe, informador colonial foi acusado de apoiar os nacionalistas (“terroristas”).

Salum-chefe seria, portanto, o primeiro Bodjam vítima do regime colonial torturado em Morés. A seguir, os agentes coloniais prenderam e lincharam, publicamente, até a morte, António Nbana, pai e chefe de família. Bala Camara, filho primogénito de Tomane Camara, foi, também, acusado de pertença e auxílio ao grupo de Osvaldo Vieira. Mussá Djambam de 4 – Manuel Azevedo era a pessoa a quem se atribuía a autoria da expressão em crioulo “Nô Pintcha”.

Gancor-Cunda, foi detido e, publicamente, linchado. Teria sido enterrado vivo e abandonado num local onde, com ajuda da população, viria a ser salvo.

Levando em conta estes morticínios e perseguições policiais, as posições extremaram-se entre os agentes coloniais e a população de Morés. A conta de tudo isso a luta entraria na fase de ações de sabotagens e cortes de estradas e vias comunicação.

No entanto, para serenar os ânimos, os agentes coloniais propuseram a populares de Morés um “entendimento político” que consistia na corte de relações com os “terroristas”. E esse compromisso deveria ser feito sob um ato de juramento religioso através de fendimento de cola (findi-cola, em crioulo). Aliu Bodjam (mais conhecido por Salum Bá), chefe de tabanca fora que assumiu o compromisso, por parte da população, de cortar definitivamente as relações com os nacionalistas. Tendo sido assumido esse expediente por parte de Aliu Bodjam, foram suspensos os contactos entre a população de Morés e os nacionalistas, que passaram a movimentar-se lá pelos lados da fronteira norte com o Senegal, ou seja, entre Ierã e Samine.

É preciso referir, desde já, que as duas localidades fronteiriças acima mencionadas viriam a servir de corredores de reabastecimento, processando através do comboio de abastecimento para o interior-norte, entre Koundara (a partir da “Estrada Grande”) e Ziguinchor. O itinerário era, Tanaf, Sare

Tening, Sonco, Bantankoutou, Kolda, Dabo, Velingara e Lennkering. Em fase mais adiantada da luta, a circulação militar da guerrilha e seus dirigentes, no corredor norte, entre o comando central em Morés e a fronteira norte, se processava de forma distinta das vias de reabastecimento (entre Lamel e Sitato). O de Lamel fazia percurso usando várias cambanças de rios de Mansaba/Farim, Biribão, Candjambari (Bessia), Bricama, Jumbembem, Lamel, Fambanta, passando pela estrada Jumbembem/Farim até chegar a arrecadação na zona de fronteira, em Sindjam Djassi (Ierã/Samine). Enquanto o corredor de Sitato, utilizava o percurso de Madina, Biribão, Candjambari, Sare Buco, Sumabanta, Sulco, Faquna. Inversamente, o corredor Sambuia/Cumbamori, era, por exemplo, utilizado para entradas e saídas de personalidades dirigentes e poucos grupos da guerrilha.

Continua na próxima edição

Produzido pelo CEDOHIL (Centro de Documentação Histórica da Luta de Libertação/MDSECLP. Coordenação de Eduíno A. Sanca.

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