Nos últimos tempos, as ONG´s (organizações não governamentais) da Guiné-Bissau têm estado a diminuir as suas intervenções em prol de apoio ao desenvolvimento das comunidades e na luta contra a pobreza e desigualdades sociais.
A situação tem vindo a agudizar-se com as constantes instabilidades políticas e governativas que o país viveu nos últimos anos, aliadas à crise económica mundial intensificada ainda mais com o surgimento da pandemia do COVID-19, produzindo impactos negativos com a redução dos apoios a cooperação ao desenvolvimento, sobretudo nos países em desenvolvimento.
A cooperação para o desenvolvimento passou a ser mais selectiva e criteriosa, onde os países doadores passaram a se concentrarem em zonas geográficas e países específicos e temáticas mais viradas para a atenuação de conflitos e instabilidades políticas e governativas, e outras selecionadas segundo os critérios estabelecidos pelos mesmos.
Os países que não entrarem nesses critérios ou onde a suscetibilidade de se produzir impactos positivos forem menos visíveis não são considerados como países de cooperação prioritária.
Perante a situação, já ninguém fala de planos estratégicos para a cooperação ao desenvolvimento, mas sim, planos de negócio “busines plan”.
Adaptar-se aos novos paradigmas da cooperação para o desenvolvimento, significa aceitar que hoje em dia poucos se investem na luta contra a pobreza, porque a preocupação passou ser a visibilidade dos investimentos feitos e numa perspetiva de benefícios recíprocos “win-win”.
É claro que países onde a boa governação, a democracia e os direitos humanos não avançam e a coisa pública é mal gerida, dificilmente serão elegíveis e continuarão a afundar-se no fojo da pobreza com consequência evidentes sobre a vida da população.
Daí, urge a necessidade das organizações agirem em conjunto para a procura de soluções, o que deve passar necessariamente pelo reforço do diálogo com todos os parceiros e afinarem estratégias viáveis que permitam fazer face à crise, evitando o divisionismo.
Ou seja, as OSC’s (organizações da sociedadecivil) deverão encontrar estratégias que permitiam transformar esta situação de crise em forças, sobretudo devido a humildade, persistência e tenacidade que caracterizam os seus recursos humanos.
Aliás, é nesta perspetiva que a reportagem do Nô Pintcha, imbuída de espírito de inteira-se da real situação de dificuldades atuais das organizações da sociedade civil nacionais na captação de fundos, abordou alguns responsáveis do setor para saber do que se passa, as causas, consequências, riscos e estratégias de soluções a adotar.
Fodé Caramba Sanhá, presidente do Movimento Nacional da Sociedade Civil afirma que hoje assiste-se no país à uma invasão de organizações expatriadas que são acreditadas, instalam-se e trabalham sem uma cooperação com suas homólogas nacionais.
E mais, disse que essas organizações expatriadas subtraem os técnicos das organizações nacionais devido a incapacidade financeira destas em assegurar seus técnicos, justificando que estão a trabalhar com nacionais, mas, pelo contrário, fragilizam cada vez mais as organizações nacionais com essa estratégia.
O caso dos fundos da União Europeia, concretamente do Programa Ianda Guiné com 8 sub-programas de ações no país, Fodé Caramba Sanhá questiona com que organizações nacionais o programa está a trabalhar? Mas se acontece, será que tem repercussões?
Disse que esses fundos são domiciliados na União Europeia para executar ações de apoio ao desenvolvimento do país. Por isso devia haver uma coordenação com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, através da Secretaria de Estado da Cooperação, criando um Comité de Pilotagem que deve ser presidido pelo responsável da política de setor da cooperação e co-presidido pela União Europeia para a gestão desses fundos.
Nesse comité de pilotagem, segundo Fodé Caramba Sanhá, até o movimento nacional da sociedade civil podia fazer parte e, assim, criar um secretariado técnico onde as organizações nacionais podiam depositar seus projetos e serem avaliados e validados pelo comité de pilotagem para assim permitir as organizações terem acesso à esses fundos.
Mas, o que se entende é que a Europa tomou os países africanos como campos de emprego para os seus quadros. É por isso que enviam organizações expatriadas, alocando fundos para essas a fim de manter emprego aos seus quadros. Com esta estratégia, cerca de 2/3 dos fundos voltam para a Europa através de salários, subsídios, encargos com a saúde, bilhetes de férias, enfim, pouco é investido para apoiar o desenvolvimento nacional, particularmente as comunidades.
E isso faz com que as organizações nacionais se tornem muito dependentes e obriga mesmo a algumas a mudarem de vocação, cooperando com outros para poder trabalhar com base num relacionamento pessoal de amizade e/ou apadrinhamento por uma organização expatriada.
De acordo com o presidente do movimento da sociedade civil, essa situação conduz ao fracionismo entre as organizações nacionais, cada vez mais divididas ao invés de se juntarem para poderem ter mais força, mas não. Assim elas tornam-se cada vez mais fragilizadas.
Disse que há tentativa mesmo de criar diferentes plataformas de sociedade civil que não é segredo para ninguém. “Há uma tentativa de subsidiar uma estrutura de organizações que é um simples espaço de concertação que não tem sustentabilidade jurídica mas ganha fundos de parceiros em detrimento da rede de organizações de plataforma que tem personalidade jurídica”, critica Fodé Caramba Sanhá.
Responsabilização e legislação
Perante o descalabro das organizações nacionais, o presidente do movimento nacional da sociedade civil responsabiliza o Governo pela situação e defende a necessidade urgente de adopção de uma legislação que proteja as organizações nacionais, defina as formas de intervenção, balize o acesso e a utilização dos fundos disponibilizados para o país. Pois, os fundos vêm em nome do país e deve haver engajamento do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação Internacional. O Ministério da Economia e Plano é que deve planificar a execução desses fundos.
De acordo com Fodé Caramba Sanhá, as organizações nacionais, particularmente as ONG´s, são constituídas com garantias de estabelecer parcerias associadas aos fundos próprios provenientes de quotas e jóias pagos pelos membros e outras doações.
Elas têm temáticas diferentes vocacionadas em apoio e promoção do desenvolvimento comunitário, através de luta contra a pobreza, promoção da sáude, educação, segurança alimentar, direitos humanos, paz, estabilidade, proteção de ambiente, e igualdade de género, entre outras vertentes.
Enquanto parceiros do Estado em diferentes setores de desenvolvimento, estão ligadas à algumas instituições e/ou departamentos governamentais no âmbito de afinidades e vocações.
Dificuldades das ONGs
Assim, a primeira grande dificuldade das organizações da sociedade civil apontadas pelo presidente do movimento estão ligadas ao relacionamento com as próprias instituições do Estado com as quais têm a mesma vocação. As instituições estatais nâo veêm as organizações como parceiros que elas devem facilitar a explorarem as suas estratégias de intervenção e inspirar-se delas para implementar ações enquanto estruturas de complementaridade do Estado, dando mais ênfase aos impactos que as suas acções favorecem para o o desenvolvimento nas diferentes áreas sociais.
Pelo contrário, muitas vezes, os técnicos dos departamentos do Estado veêm as organizações como adversários não como parceiros privilegiados que podem ajudar a galvanizar as suas iniciativas, os seus objetivos a favor das comunidades, sobretudo no que concerne as questões de saúde, educação, água e saneamento.
Para o presidente do movimento nacional da sociedade civil, essa constitui a grande dificuldade para as ONG´s e que deve ser bem trabalhado para haver bom relacionamento entre as organizações e os departamentos do Estado nos diferentes setores de desenvolvimento social, económico e político do país.
Fundo social para ONG´s
Outrossim, o Governo no seu todo deve instituir um fundo social de apoio as organizações da sociedade civil, enquanto parceiros de complementaridade, para incrementarem as iniciativas e ou ações do Estado, dependendo do enquadramento de um determinado Ministério em que achar que uma determinada ONG, dada a sua vocação, pode dar melhor ênfase à estratégia do Ministério. Assim, o Ministério pode fazer um parecer e enviar para o Ministério da Economia para este enquadrar a organização no seu plano de investimento, garantindo assim apoio as organizações da sociedade civil para poderem fazer mais ações que o Estado subsidia, o que é chamada a transferência social, como acontece em todo o mundo, e o que efectiva, assim, o chamado papel de complementaridade. Mas, cá na Guiné-Bissa, isso não se verifica no quadro do orçamento geral do Estado, defende Fodé Sanhá.
Também no âmbito da relação institucional e de compelemntaridade, disse que outras instituições públicas que coletam receitas devem criar um fundo de apoio social às organizações, estabelecendo critérios de acesso dàs organizações à esse fundo para implementarem atividades em função de vocação de cada um controlar e exigir apresentação de relatórios de execução desses fundos.
Outro aspeto que dificulta as organizações da sociedade civil nacionais segundo o responsável, tem a ver com a falta de uma legislação própria para o Governo proteger as organizações nacionais.
Soluções
Perante essa situação, Sanhá defende uma cooperação vantajosa para as organizações nacionais e essas questões devem ser bem repensadas. Deve haver um diálogo nacional profundo sobre essa matéria, através das instituições do Estado responsáveis de programas, políticas e de cooperação.
Segundo ele, a Guiné-Bissau dispõe de dois importantes instrumentos que são o Plano Nacional de Desenvolvimento e Plano Terra Ranka, nos quais as organizações podem inspirar-se em função de área da sua vocação para implementar ações de complementaridade. Para tal, é necessário que o Governo se aproprie das organizações como parceiros de complementaridade das suas ações junto às comunidades.
A situação de suspensão de isenção fiscal e aduaneira às organizações da sociedade civil não está também a facilitar as mesmas na mobilização de parcerias e financiamentos, o que deve ser resolvido o mais rápido possível.
Relativamente à DGCAN (Direção Geral de Coordenação de Ajudas Não Governamentais) tutelada pelo Ministérios dos Negócios Estrangeiros, não conseguiu afirmar-se desde a sua institucionalização há 7 anos, devido a falta de estrutura, limitando-se apenas a ter um diretor-geral.
Disse que o Ministério da tutela não conseguiu elaborar Termos de Referência para postos da DGCAN e lançar um concurso para recrutamento de técnicos que poderiam fazê-la funcionar. Atualmente, a DGCAN tem um diretor-geral jovem muito ativo, na pessoa de Djibril Baldé, que quer dinamizar a estrutura e colaborar com organizações, mas também está a ter dificuldades.
De acordo com Fodé Caramba Sanhá, devia ser a DGCAN a resolver esta questão das organizações porque ela foi criada na perspetiva de tornar-se num instituto de coordenação e concertação das ONG´s como era o caso de SOLIDAMI.
O responsável alerta que as ONG´s correm risco de desaparecer no país se não haver medidas urgentes do Governo para salvar a situação e exorta-o a sensibilização do Ministério dos Negócios Estrangeiros para mobilizar outros parceiros para voltarem ao país.
Lembrou que, no passado, a Guiné-Bissau tinha muitos parceiros que apoiavam as organizações da sociedade civil, mas que abandonaram o país devido às instabilidades políticas cíclicas aliadas à crise.
Daí, é importante a adoção de estratégias de relançar o país não só ao nível diplomático que o Presidente da República conseguiu fazer, mas também projetar o país no âmbito de mobilização de parceiros, uma vez que a ministra de Estado dos Negócios Estrangeiros já tem portas abertas ao mundo, graças a ação diplomática do chefe de Estado.
Por seu lado, Sidi Mohamed Djaquité, secretário-executivo de NADEL (Associação Nacional para o Desenvolvimento Local Urbano) e Sori Baldé, secretário executivo de ADI (Ação para o Desenvolvimento Integrado) e, por inerência, presidente da Associação Profissional do Setor de Microfinanças, subscreveram as opiniões do presidente do movimento nacional da sociedade civil e lamentam a situação em que vivem atualmente as organizações nacionais.
Os dois responsáveis culpam em parte os próprios guineenses que em muitos casos vendem má imagem do país no exterior, através de declarações, publicações em redes sociais e acusações falsas, contrariamente a realidade do país. Isso também não ajuda em nada a boa imagem do país que está a ser agora resgatada pelas atuais autoridades, graças aos esforços diplomáticos do Presidente da República, General Umaro Sissoco Embaló.
Contudo, exortam os responsáveis das organizações da sociedade civil guineense a se juntarem numa voz unânime e concertada para a busca de soluções estratégicas sustentáveis para a salvação das mesmas do risco em que se encontram atualmente e evitarem de divisionismo no seu seio.
Defendem também a adoção de uma legislação que proteja as organizações nacionais face à invasão de ONG´s estrangeiras, dinamização de DGCAN, reforço de diálogo e colaboração entre organizações e o Estado.
Djuldé Djaló