A insuficiência de materiais, pouco espaço para a prática de atividade e falta de gelo, motivada pela avaria das três principais fábricas da zona, estão a motivar escassez do pescado de algum tempo para cá, e constituem as dificuldades básicas dos pescadores no Arquipélago dos Bijagós.
As ilhas vivem essencialmente de turismo e pesca, mas a esta última tem-se lhe deparado obstáculos de vária ordem e os intervenientes manifestam-se preocupados com a situação, cujo termo ainda é incógnito.
Esta condição motivou a falta de peixe nos mercados das ilhas, o que também reflete em Bissau, uma vez que a maioria do pescado na zona é vendido na capital.
Ora, em exclusivo ao jornal “Nô Pintcha”, os pescadores e as vendedeiras de peixe não esconderam o seu desagrado pelo sucedido.
A avaria da fábrica de gelo de Bubaque junta-se às outras duas instaladas em Uracane, o que deixa todo o arquipélago apenas com uma pequena unidade privada, que também funciona em Bubaque. Ali verifica-se filas, tanto de pescadores, quanto de mulheres que procuram gelo para conservar o seu pescado, preferindo algumas encomendar para Bissau.
A estes problemas associa-se à falta de materiais no mercado nacional, nomeadamente de motores, redes, bóias, chumbos, entre outros, que são procurados nos países vizinhos.
Carlos Bóbo Baldé, secretário executivo da Associação para a Promoção da Pesca Artesanal nas Ilhas dos Bijagós, confirma a situação, que origina a paragem de toda a malta.
O dirigente associativo queixa-se também da insuficiência de área para a prática da atividade de pesca, na medida em que quase todo o arquipélago está invadido de parques protegidos, onde é proibido pescar. Segundo ele, quem for apanhado na zona é lhe aplicado uma multa de mais de 700 mil francos cfa.
No entanto, disse que apesar de vários gritos de socorro nunca foram atendidos, “nem por políticos, nem por governantes, nem por ninguém”.
Bóbo Baldé falou também da situação das redes de monofilamento, igualmente conhecidas como tchas, reconhecendo que as mesmas não são boas para a pesca, mas lamentou que tenha faltado alternativas para fazer face à situação.
Nas várias reuniões que tiveram com as autoridades do setor pesqueiro, de acordo com o secretário executivo, estas foram solicitadas, sem sucesso, a trazer materiais no mercado nacional e, caso assim queiram, as associações de classe podem encarregar-se da sua venda aos seus membros.
A Capitania dos Portos exige que os pescadores não podem ir ao mar só com um motor. A associação sabe que isso “é verdade e muito arriscado”, mas questiona como fazer se há insuficiência de motores e se não tem à venda.
Por outro lado, Carlos Bóbo Baldé falou na necessidade de formação dos pescadores para melhor fazerem o seu trabalho, pois, atualmente, existem poucos homens formados na área.
Alanso Cassamá, pescador veterano, disse que o atual estado das coisas nada tem a ver com o tempo de PESCARTE, quando os suecos ainda estavam em Bubaque, altura em que pescavam com condições, havendo loja onde se podia “arranjar tudo” antes de ir ao mar. A seu ver, a partida dos suecos levou a pesca em Bubaque à terra abaixo e que hoje falte tudo.
O velho disse estar revoltado com as autoridades, que permitem a entrada da rede tchas, vendida no mercado, vinda do Senegal e depois prendem-na aos pescadores.
Neste sentido, recomendou ao governo que traga a outra rede para que possam comprar, que concerte a câmara de gelo, porque a pequena unidade privada não satisfaz nem 30 por cento das necessidades. “Problemas de gelo origina mal-estar entre os pescadores e as vendedeiras, porque tomam pescado para devolver o dinheiro, só que o peixe acaba por estragar por falta de meios de conservação e sempre existe esse problema. Há constantes dívidas entre as partes” declarou.
Comportamento da Guarda Nacional
A presidente da Associação de Mulheres Vendedeiras de Peixe em Bubaque alinhou pelo mesmo diapasão dos pescadores, denunciando falta de condições de trabalho. Lina de Pina adiantou que, às vezes, pegam peixe junto dos homens do mar e se não conseguirem gelo, tudo acaba por apodrecer, não obstante terem obrigações de os devolver o dinheiro.
Outra preocupação, segundo a presidente, tem a ver com os agentes de Guarda Nacional colocados no local e que apresentam comportamentos menos adequados para com os intervenientes na área de pescas. “Compramos os materiais no mercado e eles acabam por simplesmente rouba-los e queimar. As bóias que colocamos nas redes são muito caras, custando cada uma 3.500 francos cfa. E cada rede pode levar até 300 bóias. Se calcularmos isso, estamos a falar de mais de um milhão de francos”, lamentou.
Lina de Pina foi ainda mais longe, acusando os agentes de uniforme de abrirem arcas das mulheres para retirar peixes e levar para as suas unidades, com alegações de que para a captura de tal pescado foram usadas as redes tchas. “Essa situação nunca tinha sido visto antes em Bubaque. Estamos aflitos, com torturas psicológicas dos agentes de segurança”, lastimou, referindo que um pequeno erro leva a uma multa de até 350 mil francos cfa.
Essa responsável pede a intervenção do governo no arquipélago, sendo “uma das zonas que mais receitas fazem entrar nos cofres do Estado” guineense. Garante que querem trabalhar mas praticamente não têm tido apoios das autoridades nacionais, sabendo que é nessa atividade que sustentam as famílias e pagam estudos para os filhos.
Problemas de compressor
O administrador do centro da produção de gelo em Bubaque revelou que a avaria da fábrica tem a ver com o problema de compressor, o mesmo que fez parar as duas unidades de Uracane. Anízio Justino Gomes confirmou que a fábrica não funciona há mais de seis meses.
Na sua opinião, a qualidade do material é a causa de sistemáticas danificações, já que não é a primeira vez que, tanto a unidade de Bubaque quanto as de Uracane paralisam por questões do género.
Por isso, Anízio Gomes, que também é engenheiro mecânico, recomenda a compra de materiais europeu ao invés de chinês, coisa que os técnicos já concordaram. Lembrou que aquela indústria funciona há menos de quatro anos e já houve avaria por três vezes, desconfiando que os compressores não sejam compatíveis com o nosso clima.
Em Bubaque, um saco de gelo é comprado a três mil francos.
Entretanto, em Uracane os intervenientes também apresentaram as mesmas dificuldades, com o agravante de recomendarem gelo em Bissau e, com mais de seis horas de viagem, o produto acaba por derreter.
Texto e fotos: Ibraima Sori Baldé