– diz Umaro Sissoco Embaló
No seu encontro com os jornalistas no final do ano de 2020, o Presidente da República, o General Umaro Sissoco Embaló, fez um balanço positivo da evolução da Guiné-Bissau nos últimos 10 meses, que marcaram o início do seu mandato.
O Chefe de Estado destacou na sua longa explanação o facto de a Guiné-Bissau voltar a reassumir a sua posição no concerto das nações; a abertura do país aos parceiros internacionais; a reestruturação em curso a nível das embaixadas guineenses no exterior e a abertura de novas representações diplomáticas; a agressividade positiva da nossa diplomacia económica e o restabelecimento da confiança internacional do país. Quanto as perguntas a que lhe foram feitas, o Presidente Sissoco Embaló respondeu demoradamente, diversos aspetos relacionados com a vida nacional do país, sobretudo os ligados à posse da terra, à separação de poderes, ao funcionamento da justiça, entre outros. Eis a comunicação:
“Estamos no final do ano que também assinala o aniversário da realização das últimas presidenciais. O ano ficou também marcado pela pandemia que ceifou a vida de muita gente, em geral e, em particular, na Guiné-Bissau.
Depois de assumir a Presidência da República, passados alguns meses, hoje posso dizer-vos que todos os guineenses estão de parabéns. Se analisarmos a nossa política externa, isto é, como o mundo nos vê, demos um passo importante. Por exemplo, já não temos o UNIOGBIS que se instalou no país durante 21 anos e com envio alternado de 10 representantes do secretário-geral da ONU.
Concerto das nações
Não foi fácil convencer o mundo de que podemos andar com os nossos próprios pés. Significa que tínhamos que ter um líder forte. Hoje, já não temos entre nós a ECOMIB (força de interposição da CEDEAO), que esteve cá desde 2012 para nos ajudar a garantir a paz e restabelecer a normalidade constitucional.
Em 2021 vamos preparar as missões militares para ajudar os nossos irmãos nos diferentes países do mundo. Isto significa que demos um passo muito importante e daí estarmos a ser felicitados por toda a comunidade internacional, particularmente pelos países europeus. O relacionamento com os nossos amigos tradicionais, nomeadamente com Portugal, União Europeia, China, Rússia, EUA, encontra-se num ponto mais alto, facto que não tínhamos há muitos anos. Isto significa que a Guiné-Bissau voltou a estar presente no concerto das nações.
A partir de janeiro de 2021, a Guiné-Bissau vai ter um representante num dos 15 países da CEDEAO. Trata-se de uma inovação a que ontem ninguém falava. A nível da organização sub-regional, a Guiné-Bissau era visto com desprezo e era tratada como um país “sob tutela”. Mas, entendemos que a Guiné-Bissau deve fazer ouvir a sua voz no concerto das nações e vamos ter de indigitar o segundo vice-presidente do BOAD (Banco Oeste Africano de Desenvolvimento), num breve espaço de tempo. Quer dizer, volvido um ano, com o Presidente Umaro Sissoco Embaló a Guiné-Bissau está a viver uma situação de paz.
Quando tivermos um cidadão guineense designado representante da CEDEAO no Senegal, no Gana ou no Benin, não é Umaro Sissoco Embaló que está em causa, mas sim, aquele representante é da Guiné-Bissau.
Há mais de 20 anos que não tínhamos voz na sede da União Africana (UA), porque não pagávamos as quotas. Nenhum dirigente guineense discursava na Cimeira da UA. Faziam apenas os contactos bilaterais. Eu, enquanto Presidente da Guiné-Bissau, no dia em que for para a Cimeira da UA, vou lá discursar. Isso significa que pagamos as quotas e que as sanções que pendiam sobre nós foram levantadas.
Graças à nossa diplomacia, conseguimos pagar a dívida junto da UA no montante de 650 mil dólares. Fizemo-lo sem que nos custasse algum franco CFA do nosso tesouro público. Fizemo-lo com a nossa diplomacia. Marrocos, por exemplo, participou com 100 por cento do montante total. Não é a primeira vez que Marrocos nos ajudou. A Líbia fez-nos isso várias vezes. Enquanto for Presidente da República, vamos ter voz, tanto nas Nações Unidas, como na CEDEAO, UA, CPLP e os guineenses estarão bem representados nesses fóruns.
Quando um guineense vai representar o país, ele sabe que terá que levar outro guineense para o seu serviço. Temos várias competências. Por exemplo, eu não sou o melhor, que por isso fui eleito PR, mas sim, o povo depositou confiança em mim e eu tenho que prova-lo através de boas ações.
Neste momento, abrimos algumas representações diplomáticas, nomeadamente em Qatar, Turquia. Brevemente será na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos. Mas eles também estarão representados no nosso país. Em 2021, Cabo Verde vai abrir a sua embaixada em Bissau e vou receber a visita do Presidente cabo-verdiano. A Guiné-Bissau vai ter, no mínimo, 15 a 20 embaixadas, facto que é muito importante. Até os nossos amigos tradicionais, nomeadamente o Egito e a Argélia, deixaram de ter a sua representação entre nós. Nos países onde tivermos embaixadas, se eles não estiverem cá fecharemos a nossa representação. O embaixador me representa lá e o presidente daquele país tem que ter o seu representante junto de mim. Com os EUA estamos a conversar para regressarem, porque temos a China, a Rússia e a França. O único membro permanente das Nações Unidas que não temos aqui são os EUA e, como tal, é óbvio que não temos embaixador em Washington. O diplomata Fernando Delfim estava a representar a Guiné-Bissau nas NU e foi substituído pelo embaixador Henrique Silva. Este vai representar-nos na ONU e EUA. Isto, vai na lógica de que não há Estados pequeninos. Existem, sim, Estados economicamente mais fortes. Nos escrutínios é sempre um país um voto.
Abertura aos parceiros
Com a Turquia estamos a ver a possibilidade de trazer a sua grande empresa, a Suma, que construiu o aeroporto do Senegal e vários outros, para remodelar o Aeroporto Osvaldo Vieira. Eu gosto de jogar não com esperteza, mas sim com inteligência. Quero que nos trazem Turcks Airline, Royal Maroc, South African Airline.
A 1 de fevereiro, a companhia Senegal Airline passará a fazer quatro a cinco voos semanais. Eu faço isso em sintonia com o Governo. O primeiro diplomata do país é o Presidente da República; o primeiro mobilizador de fundos é o PR, porque é ele quem representa o país dentro e fora.
No domínio militar, segurança e aviação civil, temos em perspetiva a construção de várias escolas em 2021. Teremos escolas para sargentos, oficiais subalternos e oficiais superiores. Assim, teremos possibilidades de criar forças armadas republicanas. É o militar que faz com que a sociedade goste dele e não o contrário. O militar faz parte da sociedade e não é a sociedade que faz parte do militar.
Com Portugal temos excelentes relações. Praticamente não há semana alguma que não troco mensagens com o primeiro-ministro ou com o Presidente da República português. Telefonamos um ao outro quando for necessário para tratar de questões de interesse comum. Portugal é, hoje, a nossa porta de entrada na UE. E nós passamos a ser a porta de entrada de Portugal junto da CEDEAO.
No dia 28 de dezembro recebi o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros de França, porque a próxima vez que o Presidente da França visitar a sub-região, ele efetuará uma visita à Guiné-Bissau. Antes disso, vamos receber a visita do Presidente da República Portuguesa. O primeiro-ministro português tinha prevista uma visita ao nosso país mas, por ter estado em contacto com o Presidente da República Francesa que acusou positivo num teste sobre o novo coronavírus, cancelou a sua deslocação. Não seremos nós os únicos a deslocar para outros países. Os outros virão visitar-nos para partilharmos com eles aquilo que temos.
Reestruturação de embaixadas
Pela primeira vez temos um regulamento consular, a movimentação e reestruturação nas nossas embaixadas. Isto significa que dantes nomeava-se o pessoal diplomático e os embaixadores não vinham para a Guiné-Bissau. Agora não é assim. O princípio da rotatividade tem de funcionar e as condições serão criadas para que os diplomatas representem a Guiné-Bissau com dignidade e sem corrupção.
Dantes, os embaixadores da Guiné-Bissau para viajarem pediam boleia. Quer dizer, a soberania da Guiné-Bissau estava sob domínio e bandeira de outros países. Agora, temos dinheiro para comprar carros para os embaixadores. Hoje estamos a reabilitar todas as residências oficiais da Guiné-Bissau no exterior.
Há pessoas a criticar que o Presidente é executivo. A nossa Constituição diz que o Presidente da Republica pode presidir ao Conselho de Ministros quando assim entender. Significa isso que posso presidi-lo todos os dias, desde que o considere oportuno. O Governo é responsável junto do Presidente da República que o nomeia e do parlamento que o controla. Quando houver essa simbiose entre estes três órgãos de soberania, o país anda. Essa é a melhor via para funcionarmos.
Diplomacia económica
Hoje temos uma relação de grande confiança com os nossos parceiros. Temos quase 50 por cento de negociações concluídas com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Em breve vamos ter um programa com essa instituição financeira, estimado em cerca de 20 milhões de dólares americanos. Temos acordo com o Fundo Africano de Garantia de Crédito (FAGAC). Esta organização traz o dinheiro, deposita-o nos bancos comerciais para conceder empréstimos a empresários sérios.
Estive na cerimónia de investidura do Presidente Alassane Ouattará, na Costa do Marfim, onde recebi em audiência o presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), que prometeu que essa instituição vai financiar a Guiné-Bissau no alcatroamento de 300 quilómetros de estradas. Isto vai permitir-nos mudar o panorama parcial do país. Contamos com a influência dos quadros do Senegal que estão no Banco Mundial e no FMI, independentemente da gestão rigorosa que temos neste momento no Ministério das Finanças. Tudo que é pago eu tenho que saber através do ministro. Foi por essa razão que pagámos os salários da Função Pública no dia 15 de dezembro. Não vamos ficar só em pagar salários. Temos de construir escolas e ter boa saúde. Por isso, em 2021, temos de construir um hospital de referência a fim de evitar ir a Dacar ou a Portugal. Em muitos casos, a questão é ter uma infraestrutura e forma de a gerir bem.
No próximo ano, o BAD vai conceder-nos um apoio orçamental no valor de 12 milhões de dólares. Nas negociações com o Banco Árabe para o Desenvolvimento Económico de África (BADEA) esta instituição aprovou na sua carteira 80 quilómetros de estradas alcatroadas. Quer dizer, aos poucos vamos acabar de alcatroar as grandes estradas de ligação à Guiné-Bissau. Quando recebi o presidente do BAD, ele informou-me que em 2021 a sua instituição vai dar início à construção de estradas regionais, por exemplo, a que faz ligação entre Senegal e Farim. Vamos, a nível interno, fazer a ligação com as estradas transfronteiriças e a recuperação da estrada que liga Nhacra a Jugudul.
Já temos o apoio do BOAD no valor de 22 mil milhões de francos CFA; temos uma contratação de empréstimo junto do Banco Islâmico de Desenvolvimento (BID) para aquisição de medicamentos e equipamentos para o combate à covid-19; obtivemos um financiamento de 15 milhões de dólares americanos junto do Banco Mundial (BM) para apoio de urgência à produção agrária. Tudo isto deve-se à credibilidade que o nosso país está a recuperar aos poucos.
Confiança recuperada
Em 2021 vamos chegar onde todos os filhos da Guiné-Bissau querem. Haverá a recuperação da confiança entre a Guiné-Bissau e os seus parceiros bilaterais e multilaterais. Muitos dos nossos parceiros, inclusive da CEDEAO, perguntam-nos como é que estamos com Portugal. Se respondermos que a nossa relação não está boa, eles ficam frios connosco. Se Portugal disser temos que apoiar a Guiné-Bissau, então nada pode falhar. Espanha já nos disse isso.
Eu devia ter efetuado uma visita oficial a Espanha em dezembro, mas que ficou adiada para 2021. A preparação da minha visita oficial a Bruxelas e ao Parlamento Europeu está em curso. Assim sendo, os guineenses podem constatar a dinâmica da nossa diplomacia.
Na área agrícola, podemos dizer que no ano transato tivemos uma boa colheita, independentemente da covid-19. Trouxemos sementes e o Senegal apoiou-nos com cerca de dois milhões de dólares. Isto significa que estamos a apoiar o setor agrícola. Estamos à procura de financiamento junto do BM, BAD, FIDA, BID, Kuwait Fund, BADEA e BOAD. A Arábia Saudita e o Kuwait Fund estão disponíveis a apoiar-nos, para além de estarem prontos a abrir as suas representações diplomáticas na Guiné-Bissau. Marrocos quer um terreno para a construção da sua representação diplomática em Bissau.
Em relação à Comunicação Social, reforçámos as infraestruturas dos órgãos públicos, nomeadamente a Televisão da Guiné-Bissau (TGB) e a Radiodifusão Nacional (RDN). A situação está a mudar nestes órgãos.
Também estamos a acompanhar as nossas forças de defesa e segurança que têm a reponsabilidade de garantir a segurança do país.
Aquando da sua visita a Bissau, falei com o Presidente da Mauritânia sobre a situação das minhas viaturas e ele, ao regressar para o seu país, resolveu mandar-me carros novos. Passei estes carros ao Ministério do Interior para a Polícia patrulhar a capital e garantir segurança aos cidadãos.
Caros jornalistas, estas são as grandes linhas desta conferência. Agora, estou ao vosso dispor para responder as vossas perguntas”.
Perguntas e respostas
Após a explanação do Chefe de Estado, os jornalistas pediram esclarecimentos sobre vários assuntos, entre os quais as obras relativas ao Aeroporto Osvaldo Vieira e à construção do novo aeroporto; à relação Guiné-Bissau-China; o problema da posse de terra que já provocou vítimas mortais; a luta contra a corrupção; o exílio de Aristides Gomes nas Nações Unidas; a questão do regresso de Domingos Simões Pereira que tem mandado de captura internacional; a solicitada audição pela Justiça do primeiro-ministro, Nuno Gomes Nabiam, sobre o abate ilegal de árvores; a manutenção da paz; as sanções internacionais às chefias militares, entre outros.
O Presidente Umaro Sissoco Embaló respondeu que nas suas diligências com a Turquia, aquele país tem uma grande empresa, a Suma, que vai reabilitar o Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira, para que este possa receber aviões de grande porte, podendo estabelecer ligações aéreas entre a Guiné-Bissau e outros grandes aeroportos do mundo.
Em matéria de cooperação, Sissoco Embaló esclareceu que a relação com a China está num patamar elevado e que, durante este seu mandato, aquele país asiático está determinado em construir edifícios destinados a dois ministérios, nomeadamente o de Defesa e do Interior. Ainda no âmbito miçitar, o Chefe de Estado afirmou que em 2021 vão ser realizadas obras de construção de escolas para as áreas de Defesa e Segurança que irão permitir a formação de militares e polícias. No que se refere à Rrepública da Guiné, ele defendeu que a relação desse país com a Guiné-Bissau ultrapassa, de longe, a sua pessoa. Portanto, são países irmãos cujas relações não dependem de Umaro Sissoco Embaló ou do Presidente Alpha Condé.
No que concerne ao combate à corrupção, o Presidente anunciou que a Política Judiciária, responsável por essa área, foi reforçada de meios de intervenção e de investigação criminal.
No que concerne a exilados, Umaro Sissoco Embaló confessou aos jornalistas que em nenhuma circunstância mandou prender Aristides Gomes e Domingos Simões Pereira. Ele defende que a separação de poderes existe e cabe à Justiça fazer o seu trabalho. Nessa linha de ação, o Chefe de Estado anunciou que não permitirá a perseguição política a nenhum guineense.
No que toca às grandes obras previstas, o Presidente Sissoco revelou que, finalmente, o país vai conseguir realizar a dragagem do porto de Bissau em 2021, empreendimento que estará a cargo de Marrocos. E sobre as obras de reconstrução de estradas em curso na capital, elas serão suportadas por Macky Sall, Muhammadu Buahari e Denis Sasso N´Guesso, personalidades que deram nome às três ruas. “Eles suportam o alcatroamento, a construção de passeios e a iluminação solar. As obras, que serão suportadas por BADEA e BAD (380 km), realizam-se por entidades escolhidas através de concurso internacional.
No que respeita ao problema da posse de terra que já provocaram vítimas mortais, o Chefe de Estado manifestou-se determinado em acionar medidas para que esse problema seja discutido com o Governo e seja resolvido neste início de ano.
Sobre as missões militares de manutenção da paz, o General Sissoco Embaló disse que o país vai preparar o seu contingente em termos de qualificação. Ele absteve de se pronunciar sobre as sanções das chefias. “As chefias militares não fazem manutenção de paz, eles simplesmente preparam o contingente”, salientou.
À pergunta sobre a nova Constituição da República, o Chefe de Estado esclareceu à imprensa de que a comissão que ele nomeou introduziu algumas inovações que são a criação de um Tribunal Constitucional, uma Comissão Económica e uma Comissão do Meio Ambiente. Nessa linha de ação, entre a Comissão de Revisão criada pela ANP e a de sua autoria haverá uma harmonização dos dois documentos após a introdução das necessárias correções.
Texto: Bacar Baldé
Fotos: José Djú