Quadro guineense no esforço internacional para a promoção e respeito dos valores humanitários

Colaborador sénior do Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV) há mais de 20 anos, Mamadu Alfa Djaló, Jurista, Engenheiro Silvicultor e Mestre em Economia das Alterações Climáticas, entende por bem que os quadros guineenses, sobretudo os mais jovens, devem esforçar para integrarem as organizações internacionais, regionais e sub-regionais, permitindo assim a participação da Guine Bissau no esforço e nas ações internacionais de promoção do desenvolvimento económico dos povos, da paz, da democracia, cultura e direitos humanos, etc. em termos gerais e do próprio quadro ou técnico em particular. Essa posição foi manifestada numa entrevista ao jornal Nô Pintcha, conforme se segue.

Nô Pintcha (NP) – Como funcionário de uma organização internacional que experiência poderia partilhar aos seus conterrâneos guineenses?

Mamadu Alfa Djaló (MAD) – Quero antes de mais felicitar todos os guineenses por mais uma data da independência nacional, o 24 de Setembro. Já lá vão 47 anos depois da sua proclamação, no entanto, ainda nos resta muita coisa para fazer. A gestão dum país é um processo, por isso peço aos meus conterrâneos para não desistirem desta luta para o desenvolvimento, a que Cabral chamou de PROGRAMA MAIOR.

Na verdade, estou a trabalhar numa “organização internacional” há mais de 20 anos.  No início tive um contrato local, na qualidade de pessoal nacional ou residente e, a partir de 2013, passei a ter um contrato da Sede Principal, situada em Genebra, na Suíça. Nos termos deste segundo contrato, deixei de exercer e prestar serviço para o CICV na Guine Bissau, meu país e, iniciei a realizar missões de trabalho noutros países onde intervém o CICV, nos quais o meu perfil profissional se enquadrava. Neste âmbito, fiz missões em vários países, nomeadamente na Costa do Marfim (1), Níger (3), República Centro Africana (1), Mali (1), Camarões (1) e República Democrática do Congo (1). Atualmente estou colocado no Níger (pela terceira vez) como chefe da subdelegação na Região de Tellabery, na fronteira entre Níger, Burquina-Faso e Mali.

Com base na experiência acumulada, gostaria de exortar ou aconselhar aos meus conterrâneos guineenses, sobretudo os jovens, no sentido de esforçarem para integrarem massivamente às organizações internacionais, seja as Nações Unidas, a União Africana, União Europeia, CEDEAO, CPLP, seja de outras tantas que existem no mundo. Isto permite a pessoa de adquirir mais experiência em diferentes domínios da vida socioeconómica, política dos outros povos e nações que podem servir para contribuir para o desenvolvimento do seu próprio país, que é um processo dinâmico e permanente. Aliás, essa integração e prestação de serviço dos quadros guineenses nas organizações internacionais podem ser consideradas como uma contribuição da Guiné Bissau no esforço internacional de promoção do desenvolvimento económico, instauração da paz, da democracia, cultura e direitos humanos, etc. Ao integrar essas organizações, o quadro guineense ganha experiência e participa de forma directa no esforço mundial da resolução dos problemas de índole internacional.

É preciso notar que cada organização internacional é diferente da outra não só em termos do mumentum e razão da sua criação, países e organizações que a integram, modo de funcionamento, mas sobretudo nas suas missões e objectivos que são bem precisos e que, normalmente, fazem parte integrante dos seus estatutos ou mandato.

A integração dum quadro ou técnico de qualquer país nas organizações internacionais é gerida pelas regras internas de cada organização. Existem organizações internacionais que têm critérios da integração definidas a partir das “quotas” ou seja, consoante os critérios bem definidos (n° da população, contribuição específica do país, etc., etc.) o país terá direito a uma quantia de postos ordinários ou de responsabilidades durante um período de tempo.

É necessário sublinhar que, como nos contratos ou prestação de serviços, para se integrar as organizações internacionais a pessoa tem que ter certas qualidades em termos pessoais, isto é, formação académica, competência, experiencia, etc. No entanto, uma coisa não pode faltar como requisito para a integração nas organizações internacionais é o domínio da língua de trabalho da instituição a que integra. Na maioria dos casos, a língua inglesa, francesa, Espanhola e Árabe fazem parte das línguas de trabalho das organizações internacionais. Daí, o meu apelo aos jovens guineenses para dedicarem e integrarem nas suas competências, as línguas estrangeiras.

No meu entender, a Guiné-Bissau tem aproveitado muito pouco as oportunidades internacionais, embora desde a independência do país temos tido quadros que se destacaram nas organizações internacionais, nomeadamente o Carlos Lopes (Nações Unidas), Paulo Gomes e Geraldo Martins (Banco Mundial), Domingos Simões Pereira (CPLP), Huco Monteiro e Maria do Céu (CEDEAO), Magda Robalo (OMS), Plácido Cardoso (Organizacao subregional de Saúde), Mustafa Cassama e Dauda Saw (FAO),  Aladje Mamadu Fadia (BCEAO), etc. Daí que os jovens devem ter um certo empenho e “agressividade” para integrarem as organizações internacionais.

É muito bonito e motivante ver um quadro guineense a prestar serviços nas organizações internacionais. Nos últimos anos, o número de quadros guineenses a trabalhar nas organizações internacionais subiu, mas ainda falta muito para representar plenamente o país nas organizações internacionais. Por exemplo, se não me engano, a nível dos contratados da Sede Principal do CICV, sou o único guineense. Estou feliz e orgulhoso por levar a bandeira do meu país nos diferentes países em que trabalhei e não raras vezes, encontrei pessoas que nunca se cruzaram com um guineense. Duma certa medida somos “Embaixadores” da Guiné-Bissau nos sítios onde trabalhamos. Não é por acaso que, por Lei, um guineense com uma certa responsabilidade ou nível nas organizações internacionais tem estatutos e/ou direitos diplomáticos.

No caso do Comité Internacional da Cruz Vermelha, uma organização de caráter exclusivamente humanitária, que recebeu da Comunidade Internacional, a missão de proteger e assistir as vítimas de conflitos armados e outras situações de violência, assim como a promoção de valores humanitários, procede o recrutamento do seu pessoal, com base em regras próprias, tanto a nível das suas estruturas de terreno (Delegações, Missões, etc.), como a partir da sua Sede Principal em Genebra, Suíça. Tudo em função das situações e necessidades humanitárias e acesso às vítimas.

Na verdade, o CICV é uma organização “sui géneris”. Ele pertence ao direito privado suíço, mas com o mandato da Comunidade Internacional, através das Convenções de Genebra, seus Protocolos Adicionais e Estatutos do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, cuja missão principal é de atuar a favor das vítimas dos conflitos armados e outras situações de violência, ao mesmo tempo, de promover o Direito Internacional Humanitário em todo o mundo. Por estas e outras razões, o CICV, dirigido essencialmente por cidadãos suíços, consegue garantir e manter a sua neutralidade, imparcialidade e independência na tomada de decisão e atuação no terreno, comportamentos condicionados exclusivamente pelas necessidades humanitárias.

NP – No seu entender qual formação permite ter acesso às organizações internacionais?

MAD – Não existe formação específica necessária para poder integrar as organizações internacionais. Um cidadão com qualquer formação média ou superior pode integrar uma organização internacional. O mais importante é ter a experiência do posto a integrar e dominar ou ter base nas línguas de trabalho da organização que se pretende trabalhar ao mesmo tempo, preencher outros requisitos e competências exigidas para o recrutamento.

Dando o meu exemplo em concreto, a minha primeira formação foi de Silvicutura e a minha primeira experiência profissional foi na Direção-geral das Florestas. De seguida tive privilégio de fazer parte dos quadros que integraram a primeira Direção-geral do Ambiente, em 1994. Depois da especialização em Portugal, fui nomeado, em 1996, primeiro Diretor do Parque Natural das Lagoas de Cufada, com sede em Buba.

Com o início do conflito político-militar de 7 de Junho de 1998 em Bissau e consequente suspensão das actividades nas zonas e áreas afetadas pelo conflito, tive que deslocar para Bafata, junto da minha irmã, tendo integrado ali o pessoal local da CICV.

Desde então nunca parei de estudar e melhorar a minha aptidão para melhor servir a organização. Para além das múltiplas formações internas do CICV, realizei estudos e formações que me permitiram ser mais competitivo e melhorar a minha prestação no meu trabalho. De 2003 à 2008 estudei e conclui o curso de Direito na Faculdade de Direito de Bissau; de 2016 a 2018 fiz Mestrado em Economia de Alterações Climáticas pelo CRES (Centre africain de recherche scientifique et de formation) em Burquina-Faso. Portanto, para integrar e manter nas organizações internacionais, o pretendente tem que ter no espírito que as organizações internacionais sempre querem pessoas que não só são bem qualificadas, mas que também conseguem integrar e respeitar as regras internas.

Cada organização tem a sua forma de gestão interna dos seus recursos humanos, a forma de recrutamento do pessoal e pagamento de salários. Em caso do CICV conforme a necessidade do trabalho, ela abre concursos dos novos postos de trabalho ou postos que serão livres brevemente. Sempre nos meses de abril e outubro de cada ano saem as listas de vagas a nível internacional. No plano nacional, a Cruz Vermelha abre e anuncia os concursos nos órgãos da Comunicação Social para efeitos de preenchimento das vagas. Temos serviços e intervenções nos domínios da proteção, nas áreas de saúde, água e saneamento, habitat, segurança económica das famílias, etc. Se alguém tem formação, competência e experiencia nesses domínios, ele pode concorrer. Desde já, partilho de seguida, o sítio do CICV para quem precisa de mais informações sobre a organização ou pode dirigir-se ao Escritório da Missão do CICV, em Bissau, sito no Bairro da Tchada, ao lado do Hospital Nacional Simão Mendes: www.icrc.org

No campo dos refugiados

Noutras organizações compostas ou integradas pelos estados, o preenchimento das vagas faz-se, na maioria dos casos, por cotação, dependendo do número da sua população. Por exemplo, salvo erro, a nível da CEDEAO existem postos de comissários para diferentes áreas, cujos lugares se preenchem mediante a indigitação da pessoa pelas autoridades do seu país, em correspondência com o seu curriculum-vitae. Mas, existem postos que são ocupados por concurso público.

NP – Será que existe algum risco de trabalhar nas organizações internacionais?

MAD – Qualquer trabalho ou profissão envolve riscos que podem ser de várias naturezas. Tudo depende da missão, da natureza e de modus operandi de cada organização. No caso concreto do CICV, sendo uma organização que trabalha a favor das vítimas dos conflitos armados e outras situações de violência, obviamente, ela trabalha nas zonas de conflito que comportam certos riscos inerentes a estas situações.

No entanto, o CICV tem vários instrumentos, seja ela doutrina, regras e normas para a promoção da segurança e do bem-estar físico e psicológico do seu pessoal e proteção dos seus bens. Um dos principais pilares na gestão da segurança para o CICV é a aceitação das partes em conflito e da população afectada. Sendo neutra, imparcial e independente na sua atuação, o CICV conta em primeiro lugar com a aceitação pelas partes em conflito para poder exercer as suas funções e tarefas com segurança. A avaliação e análise dos riscos são constantes e permanentes no CICV.

NP – Será que o funcionário internacional beneficia-se da reforma?

MAD – Claro. Só que o sistema de reforma difere de organização para organização. No caso do CICV cada mês, um montante, em percentagem, é extraído do salário do colaborador e juntado com a contribuição que a organização disponibiliza, sendo então entregue à empresa seguradora. Conforme as Leis do país do contrato que define a idade da reforma, o colaborador passa a receber a sua pensão depois da idade da reforma. Por exemplo, para o pessoal com contrato de Genebra, a idade de reforma é de 62 anos, podendo antecipa-la aos 58.

Texto: Bacar Baldé

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