Contencioso eleitoral de 29 de dezembro de 2019: Supremo Tribunal de Justiça considera “improcedente” recurso apresentado pelo PAIGC

O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) considerou, no passado dia 4 de setembro, no seu Acórdão n.º 6, do Processo n.º 5/2020, “improcedente” o recurso, interposto pela candidatura de Domingos Simões Pereira, suportado pelo PAIGC.

A queixa do candidato do PAIGC contra a Comissão Nacional de Eleições (CNE), por ter anunciado a vitória do candidato Umaro Sissocó Embaló, suportado pelo Movimento da Alternância Democrata (Madem G-15), na 2.ª volta das presidenciais de 29 de dezembro passado, alegando fraude durante a votação.

O coletivo de juízes conselheiros, composto por oito elementos, Paulo Sanhá, presidente; Fernando Té Mamadu Saido Baldé, Osíris Francisco Pina Ferreira, Lima António André, Juca Armando Nancassa e Ladislau Clemente Fernando Embassa, todos votaram a favor desta decisão. Rui Nené foi o único que votou contra, cujo voto foi considerado de vencido.

Alegaram que não havendo, como não há, reclamações ou protestos intempestivos, “nem a CNE pode pronunciar sobre os mesmos e muito menos o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer, em primeira instância, sob pena de violação do princípio de esgotamento de intervenção das instâncias competentes”.

De acordo com o documento do STJ, em consonância com o entendimento esgrimido no Acórdão n.º 2/2005, de 19 de agosto, do Supremo Tribunal de Justiça, os mecanismos legais previstos no nosso sistema eleitoral podem ser rígidos, mas são transparentes.

Acrescentou, ainda, que mesmo que o cidadão votante participe em cada etapa do processo, permitindo que em cada fase do mesmo seja acompanhada com garantias de defesa, mas também salvaguarda a celeridade evitando que a burocracia processual prevaleça sobre a materialidade subjacente.

“Nos pedidos formulados não pode haver lugar nem a um nem a outro, porque esta Corte Suprema não pode pronunciar-se sobre a ocorrência ou não de irregularidades ao arrepio da lei.”

Justificação de Rui Nené

Relativamente ao voto contra do juiz conselheiro Rui Nené, no documento anexado neste acórdão e assinado por ele, alega que a Comissão Nacional de Eleições não cumpriu as decisões do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente o Acórdão n.º 1/2020, de 11 de janeiro, a aclaração ao Acórdão n.º 1/2020, o Acórdão n.º 3/2020, de 14 de fevereiro, compulsadas as atas em causa resulta de modo inequívoco que tais acórdãos acima referidos continuam ainda a não ser cumpridos pela CNE.

De acordo com este magistrado urge, antes, para melhor compreensão, definir o que se entende de decisão do Tribunal Superior e a sua força vinculativa obrigatória geral.

“A palavra decisão do tribunal devemos entendê-la como forma de revelação do direito que se procura através do exercício jurisdicional nas soluções dos casos de conflito”, disse Rui Nené.

No entender de Nené, os juízes são chamados para aplicar o direito a casos concretos, dirimir conflitos que surgem entre os indivíduos e grupos. Para aplicar o direito, o juiz deve, evidentemente, realizar um trabalho prévio de interpretação das normas jurídicas, que nem sempre são suscetíveis de uma única apreciação intelectual.

Na verdade, existe diferença entre as leis físicas e matemáticas, porque estas têm um rigor e uma estrutura que não dão lugar a interpretação conflituantes e as leis jurídicas são contrárias.

“Estas existem de acordo com o momento de vida em que se integram na experiência humana. Portanto, existe um esforço de superação de entendimentos contrastantes que passa a ser aplicada em concorrência com as exigências da sociedade, determinado momento e lugar mas, sobretudo, basear-se na linha essencial de continuidade e coerência.”

Segundo Nené, o requerente, com base em irregularidades acima dissecadas, veio pedir a esta Corte Suprema que as conheça e, em consequência, decida pela recontagem de votos em todas as mesas da Assembleia e, ainda em alternativa, pede que se declare a anulação de todo o processo eleitoral.

Pedidos formulados pelo recorrente não colhem

Relativamente a este caso, o juiz conselheiro Rui Nené disse que não pode haver lugar a nem uma e nem outra injunção, porque o STJ não pode pronunciar-se sobre a ocorrência ou não de irregularidades, ao arrepio de lei e contra o que nela se preceitua.

 “Tanto a operação de contagem como a nulidade do processo eleitoral são expedientes previstos dentro de um quadro legal harmonizado com o princípio acima em referência.”

Rui Nené lembrou que o artigo 148.º da Lei Eleitoral diz que “a votação realizada numa assembleia de voto é julgada nula quando forem verificadas irregularidades que possam influenciar consideravelmente o resultado do escrutínio da referida assembleia”.

De acordo com este magistrado, o citado dispositivo é suficientemente elucidativo em como o legislador do contencioso eleitoral quis consagrar o princípio do aproveitamento do voto segundo o qual não se pode dar ao luxo de pôr em causa, no todo, o processo eleitoral, quanto é certo que o mesmo está dividido por várias mesas de distritos por onde os atos são praticados aos quais podem ser qualificados, “irregularidades em concreto que possam ser sanadas por via de reclamações e ou protestos e contraprotestos ou ainda, em caso de necessidade, por via de nova votação”, disse o juiz conselheiro Rui Nené.

Texto e foto: Fulgêncio Mendes Borges

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