Os habitantes do Setor de Komo, 56 anos depois, têm recordações tristes e amargas da sua história, vivendo em total miséria, sem condições de acesso aos serviços básicos essenciais de saúde, educação, energia, água potável, saneamento, transporte e comunicações em pleno século XXI.
Estamos falar da ilha de Komo, situado no Sul da Guiné-Bissau, distando da capital, Bissau, mais de 300 quilómetros. Pertence jurídica e administrativamente à Região de Tombali e é composto por 33 tabancas, com uma população estimada em cerca de 13 mil habitantes, na sua maioria balantas, com pequena representatividade de nalus, bijagós e outras etnias.
A agricultura, a pesca artesanal, a extração de óleo de palma e o pequeno comércio são as principais atividades económicas da população da ilha, sendo a última atividade pouco desenvolvida, devido à dificuldade de mobilidade, de acesso aos mercados e de escoamento de produtos.
Komo é uma ilha banhada pelo oceano Atlântico e, no seu interior, existem muitos rios que separam as aldeias do setor. Possui densas florestas e regista grande precipitação que, durante a época das chuvas muitas localidades ficam isoladas devido a fortes inundações das vias de acesso. Detém, ainda, vastas superfícies de bolanhas de água salgada e enormes mangais com um solo arável e favorável a produção orizícola. O setor dispõe de um potencial em termos de frutas silvestres, enfim, muito rico em recursos florestais e faunísticos.
Apesar do papel e da sua valiosa contribuição na luta de libertação nacional que conduziu o país à independência, onde se registaram intensos combates entre as forças coloniais e guerrilheiros do PAIGC durante 68 dias e noites sem tréguas, em janeiro de 1964, o setor foi abandonado pelos sucessivos governos que dirigiram o país ao longo de 46 anos de independência, não retribuindo os seus habitantes dos sacrifícios que consentiram.
Hoje, Komo é o setor mais abandonado pelas autoridades nacionais, colocando a sua população nas ruas da amargura, sem o direito de saborear os frutos da sua contribuição no processo de luta que deixou marcos na história muito conhecida pelos guineenses e o mundo em geral.
Nada mudou e tudo falta
O espírito desta reportagem é de reaviliar a situação social e económica da população local que a reportagem do “Nô Pintcha” constatou quando esteve naquela zona em 2018 e que os habitantes do setor viviam em total miséria, entre expetativas e incertezas quanto ao seu futuro.
Na altura, a reportagem publicada por este semanário estatal visava despertar a consciência dos decisores políticos para que se lembrem desta comunidade mártir que, outrora, deu o máximo de si para o progresso da luta pela independência da Guiné-Bissau, sofrendo enormes prejuizos económicos, sociais e, sobretudo, a perda de vidas humanas.
Mas, pelo que a nossa reportagem voltou a constatar no último fim de semana, através de conversas com diferentes pessoas da ilha, a situação de dificuldade prevalece e nada mudou até então a todos os níveis.
A própria sede do setor (Komo, vila) nada possui que a carateriza como sede administrativa, dispondo apenas de quatro casas, incluindo a sede da Administração e o centro de saúde.
A única infraestrutura atualmente de referência continua sendo o novo mercado construído pelo projeto UE-ACTIVA e adicionalmente foi construída a antena de comunicação pela ARN.
Recordando aqui as declarações do ex-administrador do setor, que é, igualmente, filho nativo da ilha, teria descrevido uma história sombria sobre as condições de vida dos habitantes do setor.
Batcha Na Rongha disse, na altura, que no Setor de Komo tudo falta. Não dispõe de um centro de saúde qualificado que possa dar resposta às necessidades da população, devido à insuficiência de recursos humanos, contando na altura com dois técnicos, sendo um responsável do centro e um enfermeiro auxiliar, aliado a falta de meios materiais e equipamentos.
Mas, atualmente, esta situação alterou-se um pouco em que o centro foi reforçado com pessoal, contando agora com quatro ténicos mas sem médico, explicou Maria Odete Gomes, presidente da AFATSC – Associação dos Filhos e Amigos Trabalhadores do Setor de Komo.
Ela sublinhou, ainda, que em 2017 os padres queriam reabilitar o centro de saúde local, mas o delegado regional da saúde de Tombali recusou na altura facilitar o processo, alegando que há o fundo de ébola para construção do centro, o que até então não aconteceu.
Uma situação que torna ainda mais preocupante com o surgimento da Covid-19 que assola o mundo inteiro e, em particular, a Guiné-Bissau, perante um serviço de saúde incapaz no setor.
Até então, os doentes graves que excedem em número a capacidade do centro local são transportados para Catió, alguns, sobretudo as grávidas, acabam por morrer durante a viagem de muito sacrifício devido às más condições de estradas e de transportes em que são evacuadas.
Educação
No que concerne à educação, é importante realçar que Komo não tem liceu para albergar os alunos que concluem o ensino complementar, obrigando-os a deslocar-se à sede regional, em Catió, para continuarem os seus estudos.
Lá, muitos alunos enfrentam enormes dificuldades de alojamento e, mesmo, de alimentação, o que reflete negativamente na sua aprendizagem, obrigando mesmo alguns a abandonar os estudos, sublinhou o administrador.
Existe apenas duas escolas: o internato, construído nos primórdios da independência e, também, a Escola de Padres. Estas duas infraestruturas não conseguem satisfazer a necessidade das crianças, encontrando-se o internato em ruína e recuperado em parte pela Unicef.
Estradas e transportes
Chocante é a situação de estradas e transportes, é o pior de tudo no setor. Não existem estradas de ligação mesmo entre tabancas e, em muitos casos, a população é obrigada a atravessar os rios de canoas, o que constitui viagem de alto risco para chegar a outra tabanca.
Os motocarros são os meios de transporte usados pela população em viagens terrestres que não oferecem total segurança, devido à própria característica deste tipo de transporte que leva carga para além da sua lotação.
No que concerne à travessia dos rios, não há transportes fluviais seguros. As canoas a motor e algumas vedetas asseguram a ligação mas, em certos casos, corre-se risco por não disporem de salva-vidas. Isto porque carregam para além da sua capacidade de pessoas e mercadorias.
Mesmo assim, a população arrisca, porque não há outra alternativa se não se enveredar por este tipo de transportes, constatou à nossa reportagem Maria Odete Gomes.
A única dita estrada de terra batida que faz ligação entre Catió-Komo e Caiar foi construída pelo Projeto de Apoio ao Desenvolvimento da Região de Tombali entre 1986 e 87, estando até então nestas condições. Na mesma altura também foram construídos pelo projeto a sede da administração do setor e o armazém de stock de produtos.
Situação de segurança
Relativamente à segurança, o setor tinha apenas três agentes, sendo dois elementos da Guarda Nacional e um de segurança. Mas dois deles tinham abandonado o local, ficando apenas um elemento de segurança. Com o surgimento da Covid-19, foram reforçados elementos de Guarda Nacional, dispondo o setor, actualmente, de seis agentes. Um número insuficiente, para mais sem meios de mobilidade para garantir a cobertura ao setor em termos de segurança.
Considerando a situação geográfica da ilha, as novas autoridades devem preocupar-se com a questão de segurança da população e, sobretudo, porque está situado numa zona insular que faz fronteira com outro país e onde os recursos marítmos são muito vulneráveis aos aventureiros externos.
A falta de meios por parte da própria administração para exercer o poder, não dá credibilidade e autoridade aos responsáveis administrativos. São coisas inaceitáveis em pleno século XXI e, particularmente, quando se vê tipos de viaturas que os nossos governantes passeiam por Bissau. É preciso colocar os meios lá onde eles são necessários. E é uma forma de demonstrar a autoridade do Estado perante os governados.
Sistema de comunicação (rede móvel, rádio e televisão)
Relativamente ao sistema de comunicação, particularmente da rede móvel, o setor está muito isolado, podendo fazer comunicação apenas em alguns pontos, embora uma das empresas operadoras no país tenha instalado a sua antena na vila de Komo mas que, até agora, não está a funcionar.
Sobre a rádio e televisão, importa sublinhar que esta última não é vista, isto apesar de ter sido instalado um retransmissor em Catió. Quanto à rádio, atualmente é ouvida mas com alguma dificuldade. Mas a rádio comunitária de Catió quebra um pouco o isolamento da população, assegurando emissões de alguns programas ligados à vida quotidiana e outros programas de caráter informativo e educativo.
Estruturas sociais de desenvolvimento local
O setor conta com algumas organizações de base locais que trabalham no processo do seu desenvolvimento. Destacam-se, entre elas, a AFATSC – Associação dos Filhos e Amigos Trabalhadores do Setor de Komo que desenvolve atividades de caráter social, produtivo e cultural, contribuindo para o resgate e promoção do desenvolvimento do setor. Outras organizações femininas também praticam atividades de caráter promocional e de desenvolvimento social e económico, embora estejam limitadas em termos de capacidade técnica e financeira.
Devido à dinâmica demonstrada, três destas associações já beneficiaram de um pequeno apoio financeiro do projeto UE-ACTIVA para reforço das suas capacidades financeira e operacional.
A ADI – Associação para o Desenvolvimento Integrado, também no âmbito de um programa de empoderamento da mulher financiado pela Fundación Ana Bella de Espanha, está a apoiar 330 mulheres da ilha na modalidade de microcrédito para desenvolverem atividades geradoras de renda, nomeadamente extração de óleo palma, pesca e comercialização de produtos diversos. O projeto concedeu, ainda, três máquinas de descasque de arroz em Komo Caiar e com capacidade de descasque de 1.350 kg/hora cada, explicou à nossa reportagem o secretário executivo da ADI, Sori Baldé.
Reflexos da Covid-19
De acordo com o secretário executivo da ADI, o surgimento da Covid-19 teve reflexos negativos no geral para o país e, particularmente, para o Setor de Komo que viu adiada uma grande oportunidade para esta localidade. Estava prevista a implementação de um projeto de construção de uma escola de nível Jardim até 6ª classe no sector, contando com financiamento disponível da Fundación Ana Bella, cujos arquitetos deviam visitar o local em abril último, a fim de permitir o arranque do projeto. Mas esta missão foi adiada por causa do surgimento da Covid-19 que assola o mundo inteiro, explicou Sori Baldé, sem descartar a possibilidade de este projeto se efetivar assim que esta doença venha a desaparecer.
O Estado pecou
Deuna Sanhá é antigo combatente de liberdade da pátria que deu o máximo de si durante a luta, sobretudo no seu setor, a ilha de Komo. Revelou algumas recordações tristes que se passaram ao longo de muito tempo, incluindo mesmo o período pós-independência. Disse que o isolamento a que o Setor de Komo foi votado pelo Estado da Guiné-Bissau causa-lhe uma grande dor no coração. Além de ser nativo do setor, lembra o papel que Komo teve na luta pela independência do país e que não merecia ser tratado desta forma, ou seja, caído em total esquecimento pelos sucessivos governos. Para ele, o Estado da Guiné-Bissau pecou e continua a pecar com este comportamento que teve e tem para com os habitantes do Setor de Komo.
Contribuição do projeto UE-ACTIVA
O projeto UE-ACTIVA tem apoiado o setor na melhoria das condições de produção orizícola, através da reabilitação de cerca de 2.400 hectares em seis bolanhas, assim como o reforço da capacidade financeira das associações locais.
Também levou a cabo a construção de raiz de um mercado e reabilitou um armazém que serve de apoio à atividade de comercialização e facilita o escoamento dos produtos.
Este apoio insere-se no âmbito da implementação do Plano de Desenvolvimento Agrícola Regional de Tombali que foi elaborado, também, com o apoio da própria UE-ACTIVA.
Por: Djuldé Djaló