Uma reflexão crítica entre ser e sentir
Resumo: Este artigo tem como objetivo conduzir à reflexão sobre a educação e a consciência.
A educação é um bem social cujo investimento tem como retorno a prática da cidadania, a tolerância democrática, o cultivo da verdade, enfim, a edificação do templo da virtude humana que vencerá o mal de todos os males – o vício, por ser deste mal que se atrai o culto da mentira, da corrupção e da desonestidade. Portanto, o dever do cidadão é combatê-lo com a arma do Saber orientada pela Consciência. Nesta base, promover a educação sem ela estar associada à conscientização de que a missão institucional é formar cidadão responsável e comprometido com os objetivos sociais e a formação do valor humano, todo o esforço caminhar-se-á para o vazio social e a falta de cidadania.
Palavras-chave: Educação, Consciência e Cidadania Abstrata:
Introdução
A educação, ao longo da história, tem sido usada como fator de transformação e de manutenção de valores que interferem sobremaneira na dinâmica social. Durante décadas, sobretudo no final do século passado, foi dado maior realce à educação com viés para a formação profissional do que a mesma calcada em valores éticos e inclusiva. Dada a importância que o conhecimento – no sentido de aquisição de habilidades profissionais para transformar e gerar produtos – assumia na sociedade capitalista, a fim de dar resposta ao aceleramento da política de industrialização, a necessidade de associar a educação à de capacitação e de treinamento de profissionais tornou-se objetivo primeiro. A partir de então, o investimento na educação passou a ser visto em termos de retorno económico e financeiro e não pelo interesse que há em formar cidadãos capazes de serem agentes multiplicadores da dinâmica social e de mudanças de paradigmas.
Este trabalho é extrato melhorado de um trabalho meu submetido ao Seminário Internacional da Educação Virtual, promovido pela Associação Portuguesa de Investigação Educacional – APIE, Lisboa, 2007. Depois editado como artigo na Revista Eletrónica Documento Monumento da Universidade Federal de Mato Grosso ISSN:
2176-5804 – Vol. 19 – N. 1 – Nov/2016, (Edição comemorativa) mercado (mais-valia), a política educacional passa a ser direcionada a um tipo de modelo político concentrador e cada vez mais excludente. Nesta base, toda a política de investimento na educação passa a apresentar um viés materialista e pragmático, útil e rentável ao mercado e, por sua vez, desprovido de ética, de moral e de solidariedade (Lampert,1995).
Neste sentido, apela-se para a revisão não apenas do conceito, mas também do verdadeiro paradigma da educação contextualizada política e socialmente. Ou seja, como refletia Lambert (1995), rever a educação em todos os níveis e complexidades como paradigma transnacional sem fronteiras nada mais é do que salvar o bem mais precioso da humanidade.
Nesta base, chama-se a atenção de que deve-se dar maior ênfase ao investimento em programas educacionais que atendam o social em detrimento do capital e da internacionalização de interesses económicos, ou seja, a globalização. Assim, espera-se atingir a plenitude da vontade da nação expressa na maioria das cartas constitucionais, onde se declara a educação como um direito universal, e que cabe ao Estado assegurar a sua implementação de forma ampla através de políticas públicas.
Educar não é apenas um ato de informar, mas também de compartilhar saberes.
Educar é, acima de tudo, um ato de doar a si mesmo a fim de cultivar o conhecimento que é a forma de compartilhar Saberes oriundos de diferentes modos de pensar de povos de distintos matizes sociais, políticos e económicos. Sem essa base de entendimento o sistema de educação acaba por se transformar num mero ato de doutrinação e de domesticação do conhecimento em prol de objetivos políticos traçados. Portanto, associar o verbo educar, o ato de ensinar, com o substantivo educação, a materialização dessas ações sem o mínimo de critério social, seja ele fruto de atitudes espontâneas de um mundo com vontade de fazer e ser igual, seja ele um determinismo do mundo de negócios, onde os interesses económicos moldam os perfis das pessoas em eterna busca pela sobrevivência fazendo-as parecer iguais em vez de se sentirem ser iguais, nada mais é do que a tentativa de postular um princípio educacional sobre a formação do cidadão sem um mínimo de critério. Esta falta de critério atinge sobremaneira não apenas o ser, mas também o ter, ou seja, a formação profissional das pessoas e, como consequência, a falta de ética e de humanismo no lidar com coisas públicas. A estética que é a beleza no trato urbano, a beleza e elegância urbanas muitas vezes são confundidas com a ética social, ou seja, a elegância educacional. Quando Freire (1996) defende que ensinar exige estética e ética, ele entende que não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. A ausência da ética, da moral e da solidariedade, num sistema educacional excessivamente materialista e prático, concorre indiscutivelmente para o aumento de riscos e de incertezas nas sociedades que adotam ou estão submetidas a essas regras. Para Freire (1996), entende-se que o educador deve ilustrar com bons exemplos a prática do ensino, ou mostrar o que há de belo e emocionante na arte de ensinar, sobretudo quando o educador e o educando concluem que valeu a pena as trocas de saberes em prol de consolidação do Conhecimento.
O egocentrismo, o estímulo à competição sem limites e o pragmatismo, no sentido de só dar valor ao que é produtivo e rentável, conduz ao caos social gerando instabilidades políticossociais como: desemprego, aumento de violência urbana, sem contar com a impunidade, facto marcado pelo cultivo de indiferença ao próximo. Por isso, a educação deve ser realçada como um bem social onde o investimento deve ter como retorno a prática da cidadania, o exercício da democracia e a formação de um homem novo. Nesta base, promover o desenvolvimento da educação é associar a mesma à consciencialização sobre a missão institucional de formar cidadão responsável e comprometido com os objetivos sociais e com o valor humano. Portanto, sob esta ótica, distanciar o ensino da realidade e da experiência comunitária é como que uma transgressão aos princípios da estética e da ética social. Em certos momentos de reflexão acerca de saberes necessários à prática educativa, Freire (1996) comenta que transformar a experiência educativa simplesmente em treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo que é o seu caráter formador, porque entende que para se respeitar a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não poderá dar-se alheio à formação moral do educando.
Por estas razões, compartilha-se a ideia de que a educação é uma importante ferramenta para a assistência que pode ser utilizada para favorecer o processo evolutivo das consciências.
A consciência aperfeiçoa-se no momento em que ela supera as suas próprias limitações, principalmente as limitações de ordem mental. Como afirma Cândido (2008), a educação não é uma parte da vida de um povo, pelo contrário, ela é o centro, o coração de uma civilização, da qual indica o nível. Por isso, entende-se que pensar em educação sem consciência de cidadania não há como reconhecer e assumir a identidade cultural que se faz presente entre quem transmite e quem recebe o conhecimento.
Sanha (2008), na sua análise sobre a educação e a formação profissional como polos de desenvolvimento socioeconómico define-a como um dos pilares indiscutíveis do desenvolvimento económico, social e cultural das nações. Para ele, quanto mais culto for um povo melhores condições ele reunirá para conceber, criar, planejar e executar com elevada precisão os projetos nacionais nos mais diversos setores que compõem as sociedades.
Nesse sentido, a educação permite que se amplie a perceção da realidade sem a qual todo o sistema de ensino resumir-se-á numa ideologia de ilusões do discurso de mercado, com intuito de oferecer leques de opções que nada têm a ver com a formação integral do cidadão mas, antes apenas preparar os jovens para assumirem o papel de conformismo em um mundo de progresso técnico.
Para que o professor possa ensinar os seus alunos a pensar de maneira diferente e ampla, ele primeiro terá de realizar uma autoeducação. Ou seja, primeiro ele trabalha a sua flexibilidade mental e, depois, transforma-se num elemento facilitador dessa flexibilidade de pensamento dos seus alunos. Nesta base, torna-se um animador cultural em vez de um mero agente repassador de ensinamentos, evitando-se do que Freire (1996) apelidou de “forma farisaica do faz o que eu digo e não o que eu faço”. O professor, por viver num meio científico, tem ainda a maior responsabilidade na tarefa de favorecer a flexibilidade de pensamento do aluno, já que o paradigma científico não admite verdades absolutas.
A educação contemporânea, moldada nos ditames da lógica capitalista, incentiva mais na concorrência em busca de sobrevivência em vez da solidariedade em favor da consolidação do saber para melhor servir a sociedade. Ou seja, a preocupação está em adquirir conhecimento para garantir a vaga no mercado, sinónimo de empregabilidade, do que trabalhar o saber para compartilhar com a comunidade – a inserção social do ensino.
Quando não se tem essa ideia sobre a interação entre a Educação e a Consciência, a prática do ensino acaba reduzindo-se num descompasso entre o Educar e Ensinar, criando deste modo em torno do sistema educacional um feudo de conhecimento do tipo: “titular da área ou da disciplina”. Esta singularidade no modo de tratar o problema educacional transforma os professores em meros agentes depositários de conhecimentos, que Freire (1966) denomina de “Ensino Bancário”, acompanhado de doses de autoritarismo, preconceitos, dogmas e pontificadores da verdade. Esta atitude denota uma postura muito mais dogmática do que científica. É comum ver no ensino moderno os professores fazerem vista grossa aos conhecimentos tradicionais que diferem dos preestabelecidos, por se julgarem “o papa do assunto ou da área de conhecimento”. Esta falta de criticidade no ensino enseja um descomprometimento com respeito aos saberes dos educandos, fruto de heranças culturais das comunidades nas quais estão inseridos, esquecendo-se de que ensinar é também, antes de tudo, aprender com o diferente de que as diferenças não traduzem o distanciamento entre o ensino e a aprendizagem, mas sim uma aproximação de saberes (Freire, 1996).
Freire (1984) defende que ensinar exige risco de aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação. O que pensar então do professor que, a todo custo, mantém-se na zona do conforto do conhecimento já estabelecido. Ou seja, aquele que utiliza diversos artifícios para rejeitar a ideia nova que está sendo proposta por irem de encontro as que ele defende.
Naturalmente foge de debates abertos ao deparar-se com uma ideia que vai além dos conhecimentos já estabelecidos, utilizando-se de sua posição de autoridade na sala de aula para impor sua opinião ou, muitas vezes, utilizar artifícios para ridicularizar o conhecimento diferente que está sendo proposto.
A Educação e Consciência: uma ação pedagógica consciencializadora
Freire (1984) sempre fez questão de ressaltar que as suas prática e teoria não são sobre a pedagogia em geral, mas sobre “alguns aspetos” de uma pedagogia a que ele chama de pedagogia do oprimido. Considera o oprimido como categoria política dentro de uma prática educativa que prioriza suas necessidades e interesses de classe e nela tenta construir a sua pedagogia no próprio processo de resistência à opressão – donde decorrem as suas dificuldades de concretizar a sua libertação (Freire, 1984). De acordo com ele “O opressor não é solidário com os oprimidos senão quando deixa de olhá-los como uma categoria abstrata e os vê como pessoas injustamente tratadas, privadas de suas palavras, de quem se abusou ao venderem seu trabalho; quando cessa de fazer gestos piedosos, sentimentais e individualistas e arrisca um ato de amor…”.
Falando da ação consciencializadora é necessário falar não só de Paulo Freire, mas também de um grande pedagogo e educador, Celestin Freinet, cujos métodos de ensino ainda hoje se aplicam e, fazer um paralelo sobre ideias pedagógicas entre os dois. Nota-se a preocupação e a similaridade de ambos em termos de trabalhar o conhecimento a partir de algo ou ambiente conhecido. Entretanto, a preocupação de Paulo Freire vai mais além, ou seja, não se limita apenas ao condicionamento social e ambiental do aluno, mas também ao despertar da consciência deste em termos de associar o aprendizado à prática da vida social e, ainda, a vida política como dominado. Ele defendia que não seria apenas construir condições espaciais para que o aprendizado pudesse fluir, mas refletir a partir das condições sociais e políticas do aprendiz. É nesta base que a pedagogia libertadora dele procura trabalhar o conhecimento moderno associado à consciência política e social do dominado. Freire afirma que para haver uma libertação é necessário, primeiro, haver uma mudança radical na mentalidade dos oprimidos para que não venham, uma vez donos de si, assemelharem-se ao opressor ou copiar, de forma inconsciente, as atitudes do mesmo, frutos de longa convivência e de ser um único modelo conhecido e que estivesse ao seu alcance. “Fazer igual é sentir-se igual.”
Freire (1996) entende que o aprendizado só poderá fluir a partir do momento que a sua construção se baseie do conhecimento numa ação consciencializadora. “A priori”, o aprendiz dominado está condicionado ao que lhe é relegado na vida social e política, seja ela de um governo totalitário seja ela determinada a partir de um conjunto de medidas governativas direcionadas para atingir uma meta política. Entende que deve ser enfatizado um sistema de aprendizado ligado ao que é chamado de pedagogia libertadora. Para isso, todo o método e formas do ensino devem ser pensados a partir de meios que permitam facilmente construir um aprendizado através do conhecimento adquirido na vida social e profissional.
Portanto, no ambiente de aulas tanto o assunto como os materiais didáticos e a conversa devem girar em torno das ferramentas de uso no dia a dia do aluno ou do alfabetizado. Por exemplo, se se tratar de uma aula de alfabetização cujos participantes sejam pedreiros ou carpinteiros ou filho destes, tanto o método de trabalho como as formas desenvolvidas devem basear-se a partir do mundo real deles. Isto é que Paulo Freire define de uma ação pedagógica consciencializadora.
Enquanto para Celestin Freinet, apesar de focar na sua proposta pedagógica a necessidade de se associar teoria à prática, ele não a via com o mesmo olhar de Paulo Freire no sentido de que o analfabetismo, sobretudo de adulto, está na ordem direta da política opressora dos governos dominantes, porque o obscurantismo do oprimido é muito mais confortável para a classe política burguesa e o governo opressor. Desta forma, os analfabetos são considerados como seres “fora de” ou “à margem de” algo e esse algo seria o que está no centro, ou seja, os padrões da sociedade dominadora.
A visão de Celestin Freinet sobre a educação assenta-se sobre o que é ser e o que deverá ser feito. A proposta pedagógica dele parte de uma sugestão sobre uma mudança da escola, por considerá-la demasiada teórica e, portanto, desligada da vida. A pedagogia Freinesiana propõe um ensino baseado em investigações e da maneira de pensar da criança e de como ela constrói seu conhecimento. Para ele, a sala de aula deve ser prazerosa e bastante ativa para que o trabalho nela realizado possa transformar-se num grande motor em prol da pedagogia desenvolvida para esse fim. Portanto, a observação constante poderá ajudar a perceber onde e quando se deve intervir e como despertar a vontade de aprender do aluno. A aprendizagem através da experiência torna-se mais eficaz, porque se o aluno faz uma experiência e dá certo, a repetição do certo o fará avançar no procedimento. Segundo Freinet, esse avanço não é feito isoladamente, pois o aluno sempre precisará da cooperação do professor, por isso enfatiza que ninguém avança sozinho na sua aprendizagem, pois a cooperação é fundamental. Deixa bem claro a essencialidade da interação professor-aluno para a aprendizagem. Para que ocorra esta interação é necessário que o professor leve em consideração o conhecimento do aluno já existente e, portanto, ele é fruto do meio em que vive. Estar em contato com a realidade em que vive o aluno é fundamental. Desta forma, postulou as chamadas “Invariantes Pedagógicas” com cerca de 30 frases reflexivas, consideradas como pilares de sua proposta Pedagógica.
Comentários finais
A falta de critérios fundamentados no ensino que enseja o professor a manter-se a todo o custo na sua bolha do saber, inflexível a tudo que possa propor mudanças para o novo em detrimento do antigo e desfasado, cria um campo de rejeição às mudanças que podem trazer melhorias para políticas educacionais. Atitude como essa associa-se à falta da consciência sobre os princípios da educação que devem nortear uma sociedade no que tange à construção do conhecimento. Neste contexto, é a carência da consciência da cidadania que está sendo confundida ou, quem sabe, até camuflada em favor do postulado da sobrevivência profissional.
Paulo Freire, na sua obra sobre a consciencialização, fala a respeito da libertação dos que são oprimidos por uma elite numa sociedade opressora. Entende que a libertação da opressão não deve processar-se em direção aos oprimidos mas, sim, através destes por meio de um processo de consciencialização. No que que se refere ao analfabetismo, Paulo Freire considera os analfabetos como seres “fora de” ou “à margem de” algo que está dentro dos padrões da sociedade dominadora. Porém, a aceitação desta conceção leva-nos a acreditar que o analfabeto seria um “homem doente” e a alfabetização representaria a “cura”. Portanto, o processo de alfabetização que não dissocia o homem desta visão classicista burguesa não se traduzirá num instrumento que levará o homem à consciencialização e à liberdade; o contrário fá-lo-á imergir ainda mais na realidade que vivia. Dessa forma, Freire propõe um processo de alfabetização que desmistifica a realidade, tirando esses homens da alienação e do “status” de “marginalizados” e inserindo neles uma consciência crítica.
Entretanto, a proposta pedagógica de Celestin Freinet parte de uma sugestão sobre uma mudança de escola, pois a considera demasiada teórica e, portanto, desligada da vida. A pedagogia Freinesiana propõe um ensino baseado em investigações a respeito da maneira de pensar da criança e de como ela construía o seu conhecimento. Para ele, a sala de aula deverá ser prazerosa e bastante ativa para que o trabalho nela realizado possa transformar-se num grande motor em prol da pedagogia desenvolvida para esse fim. A aprendizagem através da experiência torna-se mais eficaz porque o aluno, ao fazer uma experiência e se der certo, ele repeti-lo-á e isto o ajuda a avançar no procedimento.
Mamadu Lamarana Bari, Professor da Faculdade de Economia da UFMT