Ilhas sagradas, poderes do além, rituais e mitos ancestrais. Para lá das praias de areia fina e dos canais de águas mornas, bordejados por palmeiras e mangais, há segredos guardados num equilíbrio profundo entre homem e natureza, em que um tem garantido a sobrevivência do outro. Mas até quando?
O arquipélago dos Bijagós é uma das últimas jóias de África. Chamam-lhe, em crioulo, bemba di vida (o celeiro da vida, em português).
O arquipélago dos Bijagós é uma das últimas jóias de África. Chamam-lhe, em crioulo, bemba di vida (o celeiro da vida, em português). É fácil perceber porquê. As suas 88 ilhas são reservatórios de biodiversidade de importância mundial e servem de maternidade para espécies em risco de extinção. Nos cerca de quarenta mil hectares de mangais, passeiam aves provenientes do outro lado do mundo, crocodilos, uma colónia única de hipopótamos marinhos e a maior população de manatins da África Ocidental. É um reduto de vida selvagem em estado puro.
Porém, este equilíbrio, mantido graças aos valores culturais do povo que dá nome ao arquipélago (uma das trinta etnias da Guiné-Bissau) e à sua relação harmoniosa com a natureza, começa a ser perturbado por pressões do mundo exterior. Em troca de pirogas a motor ou de telhados de zinco, a população está lentamente a ceder à exploração turística e a perder o controlo sobre alguns dos recursos que têm garantido a sua sobrevivência.
88 ilhas de biodiversidade única – O arquipélago divide-se em quatro regiões administrativas: Bolama (mais próxima do continente), Bubaque, Uno e Caravela. A circulação entre as ilhas é difícil e perigosa, sobretudo na época das chuvas, de Julho a Setembro. Mapa: NG-P.
Situado na área ocidental do continente, o arquipélago (o único em forma de delta na costa atlântica africana) é um ponto de encontro de estuários continentais e correntes costeiras vindas da Guiné e das Canárias. O território estende-se por dez mil quilómetros quadrados, divididos por canais pouco profundos, nos quais a circulação é difícil. A ligação ao continente faz-se através de um barco-carreira entre Bissau e a ilha de Bubaque (a mais movimentada, considerada a capital do arquipélago), às sextas-feiras, e de uma ou outra avioneta.
“A insularidade é muito forte e a organização tradicional da sociedade, ligada aos tabus, tem contribuído para a preservação dos recursos ao longo do tempo”, resume Augusta Henriques, directora da organização não-governamental guineense Tiniguena.
Os bijagós, que representam 80 a 90% dos 34 mil habitantes, vivem em casas de adobe e palha, em tabancas (aldeias) concentradas no centro das ilhas.
Os bijagós, que representam 80 a 90% dos 34 mil habitantes, vivem em casas de adobe e palha, em tabancas (aldeias) concentradas no centro das ilhas. No litoral, o rasto de presença humana resume-se aos acampamentos temporários erguidos para o cultivo do arroz ou para a extracção do óleo de palma, usados em quase todos os pratos da cozinha bijagó, e do vinho de palma, bebida alcoólica barata servida nas cerimónias religiosas e nas festas tradicionais.
Apenas 21 ilhas são ocupadas em permanência. As restantes são sagradas, habitadas por divindades e espíritos ancestrais. Fortemente animistas, os bijagós acreditam que os deuses se manifestam na natureza e que punem quem a destrói. É a “maneira tradicional de conceber a conservação”, diz Augusta Henriques.