No sub-capitulo de hoje, prosseguimos com a descrição do ataque ao aquiartelamento de Tite, em 1963, durante a penetração de rompante nas casernas do exército colonial – Malam Sanhá comandou a operação.
Nas hostes dos nacionalistas o ambiente era frenético. Estavam todos focalizados na libertação dos presos políticos encarcerados no aquartelamento de Tite. A operação aconteceu na madrugada do dia 22 para 23 de Janeiro. Era numa quarta-feira, único dia da semana em que se fazia ligação de barco entre Enxudé/Tite e Bissau. Zé Sanha fizera o reconhecimento do aquartelamento. O local de encontro era numa lala, entre Wanandim, Entroncamento (Nova Sintra) e Ierga. Os atacantes constituíram quatro grupos operacionais distintos com os seus respectivos chefes e em função de 4 metralhadoras ‘’patchanga’’ e de outros equipamentos introduzidos à partir de Calunca. Malam Sanhá, comandava a operação e tinha como seu adjunto Arafam Mané (Ndjamba). A acção desta secção visava atacar pela entrada principal do aquartelamento e destruição das casernas e messes dos oficiais. Quemo Mané, enquanto caçador profissional, que entraria pelo portão principal do aquartelamento, tomou a incumbência de atacar o comandante das tropas tugas. O grupo de Dauda Bangurá deveria atacar pelo flanco esquerdo (pelo poente), com o objectivo de arrombar as portas das prisões do cativeiro. Dado que este era o principal objectivo do assalto, Malam Sanha (Neru), no meio da operação, foi reforçar este grupo; e Tchambu Sanhá atacaria pelo lado nascente.
Os atacantes contaram com aderência de dezenas de populares jovens voluntários, crentes em protecções míticas contra as balas, alguns empunhando granadas, bastões, punhais, catanas, espadas, lanças, etc. O régulo de Nova Sintra, Buli Djassi, emprestou ao grupo cinco carabinas, que seriam rapidamente devolvidas na madrugada, antes das previsíveis rusgas do exército colonial pelas habitações adentro.
O percurso para o ataque começou de madrugada numa lala (planície) entre Entroncamento (Nova Sintra) e Wanandim e seguiu-se pela margem da estrada entre Brambanda e Tite. Os atacantes entraram na cidade por um pomar de cajueiros que ficava atrás do antigo Posto Administrativo, residência dos Majores, em Tite. O lugar foi usado como último ponto de concentração das forças para depois dispersar para os três flancos. O grupo de Malam Sanhá e Arafam Mané, avançou, como estava previsto, pela estrada principal, em direcção ao portão (cavalo da frisa). As zonas laterais e centrais foram devidamente ocupadas pelos grupos de Quemo Mané, Dauda Bangurá e Tchambu Sanhá, à espera da voz de comando para prosseguir a marcha.
Tudo estava definido. Chegada a hora H, Malam Sanha ordenou ao Arafam Mané de lançar ao ar o sinal de arranque com um tiro de bala incendiária, a fim de todos terem a certeza que a acção ia começar em simultâneo, a hora marcada. Mas, antes do tiro de partida, segundo o jornal Expresso, os atacantes encontraram pela porta do quartel (cavalo de frisa) o guarda de serviço que estava a dormir e mataram-no com uma lança (canhacó). O ataque teve início, então, por volta da meia-noite, com o tiro de bala incendiária disparado por Arafam Mané. Os grupos lançaram-se para o interior do aquartelamento, disparando contra a escuridão da noite.
Os disparos provocaram uma enorme desorientação nas casernas, resultante de um tipo de enfrentamento diferente para ambos os contendores. António Gabriel de Oliveira Moura (2002), do exército colonial, descreveu o ataque explicando que, na madrugada do dia 22 para 23 de Janeiro, ele era, um dos três militares de serviço, acordados, naquela ocasião e tinha por missão percorrer o caminho, pelo lado de fora do arame farpado, com as luzes de iluminação colocadas dentro do aquartelamento e projectando o seu foco para o caminho que teria de percorrer, desde a messe de sargentos (parte de baixo, fora do aquartelamento) até à messe dos oficiais (parte de cima e fora do aquartelamento) na estrada que passava por Tite e seguia para Nova Sintra, Fulacunda e Buba”. Explicou ainda que “(…) Ele na frente do aquartelamento, percorrendo para baixo e para cima com as luzes a “bater-lhe nas costas” e o lado do mato negro como carvão. Outro camarada fazia a vigia na porta da prisão (dentro do aquartelamento), onde estavam mais de cem presos. O terceiro fazia a vigia do lado do “Calino” mas pela parte de dentro do arame farpado. (…) Todos dormiam, apenas os três militares de serviço estavam acordados (pelo menos não estavam deitados)”.
Acrescenta ainda Gabriel de Moura que o militar de serviço que tinha por missão percorrer o caminho com as luzes de iluminação colocadas dentro do aquartelamento “(…) viu os dois primeiros pretos a surgir, ao fundo, vindos do mato, correndo em direcção ao cavalo de frisa, logo seguidos de muitos mais, tendo apenas tempo para gritar em crioulo: “Jube! onde bó vai”? (Tu, onde vais?). No mesmo instante, atirou-se para o chão, quando do mato foram disparadas rajadas de metralhadora, em sua direcção, fazendo ricochete em vários pontos do caminho, levantando poeira, sem que nenhuma das balas das rajadas das metralhadoras o acertasse, talvez porque o ângulo do seu corpo, no chão, não fosse fácil para os atiradores e fizesse que os seus disparos errassem o alvo.
CDOHIL – Centro de DocumentaçãoHistórica da Luta Armada/ Secretariade Estado dos Combatentes da Liberdade da Pátria
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