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Nascimento de um jornal

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Proclamada em 24 de Setembro de 1973, em plena luta armada de libertação nacional, a República da Guiné-Bissau foi reconhecida de jure por Portugal a 10 de Setembro de 1974.

Uma das mais prementes tarefas do novo Estado soberano foi a criação de um jornal que, a par da rádio guineense, se tornasse «uma arma contra os inimigos da independência nacional», «um órgão revolucionário do PAIGC na defesa do povo».

Eu tinha chegado a Bissau, vindo de Conakry, integrado na equipa da Rádio Libertação, do PAIGC, que assumiu o controlo da emissora portuguesa (até ali ao serviço dos colonialistas) a partir das zero horas do dia 10 de Setembro. Fui então nomeado chefe da redacção da Rádio Bissau, mais tarde Radiodifusão Nacional – o director era o Agnelo Regala – e ali trabalhei com o Álvaro Baticam, a Conceição Cardoso, o Rui Miranda e outros jovens como eu.

Volvidas umas semanas, em meados de Novembro, o comissário da Informação, Manuel dos Santos (Manecas), comunicou-me que eu passaria a trabalhar na organização e publicação do futuro jornal do Estado, que já tinha nome – Nô Pintcha. Mais: eu deveria ir, dali uns dias, a Kinshasa, em representação da Guiné-Bissau, participar na constituição da União dos Jornalistas Africanos e, depois, seguir para Lisboa, onde me encontraria com ele para recrutar jornalistas portugueses para ajudar a fazer jornal.

Assim aconteceu: após a reunião na capital zairense, viajei para Portugal, onde me encontrei com Manecas (que tinha previamente estabelecido contactos com diversos órgãos de informação portugueses) e acompanhei-o em reuniões com responsáveis do Diário de Lisboa, do Diário Popular, do Avante! e de outros jornais.

De regresso a Bissau, dediquei-me à organização do Nô Pintcha, começando por acompanhar a transferência da tipografia da Imprensa Nacional para novas instalações, herdadas dos colonialistas, e onde ficou instalado o Comissariado de Estado de Informação e Turismo e os seus diversos serviços, incluindo a redacção do jornal.

Nos começos de 1975, seleccionados os jornalistas guineenses (Fernando Perdigão, Carolina Fonseca, Pedro Quade, Fernando Jorge Pereira, João Quintino Teixeira, Baltazar Bebiano foram os pioneiros, todos eles jovens com pouco mais de 20 anos e sem nenhuma experiência jornalística), mais um fotógrafo, Agostinho Sá – veterano combatente da batalha de Komo –, recebemos «reforços» de cinco jornalistas portugueses, democratas, que connosco iriam cooperar (Rego Chaves, Guerra Carneiro, Daniel Reis, Carlos Morais e Georgette Emília).

Formada a equipa, instalámo-nos, organizámo-nos, traçámos planos, aprendemos como na época se fazia um jornal, preparámos a publicação do trissemanário. Estávamos cientes de que o Nô Pintcha deveria contribuir, no plano da informação e da cultura, para o reforço da unidade nacional e para a construção da sociedade pacífica, desenvolvida, progressista por que tinham lutado Amílcar Cabral e seus companheiros. 

O primeiro número do Nô Pintcha saiu a 27 de Março de 1975. No editorial, na primeira página, destaquei que «é necessário que, no campo da Informação, como em todos os outros da vida do nosso povo, sejam todos os filhos da Guiné e de Cabo Verde, unidos em torno da bandeira do PAIGC, a levar para a frente as complexas tarefas da reconstrução nacional».

Um ano depois, em Março de 1976, o presidente da República e outros governantes participaram na festa do primeiro aniversário do Nô Pintcha, nas instalações do jornal. Luís Cabral elogiou o caminho trilhado: «Queremos felicitar todos os camaradas por este trabalho sério que têm desenvolvido sem olharem para o tempo. Muitas vezes, só às oito horas da manhã é que saem do trabalho, para que não falte o jornal. Para todos estes camaradas vão as nossas felicitações calorosas pelo seu grande esforço no domínio da informação, mantendo o nosso jornal um nível bastante aceitável neste seu primeiro ano de vida».

Hoje, jornalistas e outros trabalhadores do Nô Pintcha desses tempos iniciais da independência, recordam com orgulho o contributo valioso que deram para o nascimento e os passos iniciais do primeiro jornal da República da Guiné-Bissau.

Carlos Lopes Pereira, Jornalista. Foi o primeiro responsável do Nô Pintcha, entre Março de 1975 e Setembro de 1976

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