Foi no Jornal Nô Pintcha, primeiro órgão de Imprensa escrita Pública que tudo começou. Fui admitido, via concurso e, com apoio dos mais experimentados como António Ialá, Simão Abina, Aniceto Alves, António Tavares, Cláudio Maurício, Paulo Nanque e Humberto Monteiro, dei os primeiros passos. Não houve para tanta teoria porque o tempo era escasso. Praticamente, tudo se fazia com pragmatismo. Aliás, vivíamos o jornalismo de “corte e cola”, numa expressão de notoriedade na época em que não havia universidades…
Na primeira reportagem no jornal calhou-me entrevistar um moto-ciclista, proveniente da Escandinávia, que atravessara o Deserto de Sahara para uma aventura inédita a Guiné-Bissau. Tinha saído da redacção com a “lição bem estudada”, em como guiar a entrevista e preparar o artigo.
O então Director-Geral do Jornal, João Quintino Teixeira, me facultara um esboço da pauta das perguntas que deveria colocar ao meu interlocutor. De início, estava muito tenso e nervoso, mas, a medida que os minutos iam passando encarei a situação com naturalidade. Recolhi com calma e serenidade os elementos e, acto contínuo, realizei a reportagem, sem ter transgredido os ensinamentos do estilo, código e da ética jornalista.
Passados dois dias, Julho de 1988, o artigo seria publicado, sem assinatura do autor. Aliás, naquela altura as reportagens não eram assinadas, sendo que havia uma ficha na contra-capa com os nomes das pessoas que compunham os diferentes serviços como Redacção, Maquetagem e Fotografia. Na capa, além das manchetes, vinha estampada na parte superior o nome do Director-Geral e nos intercalares das páginas interiores anúncios importantes como o serviço dos Bombeiros, Farmácias, comunicados do Governo, serviços públicos ou atendimento diversos, etc.
A prioridade das publicações era consagrada a assuntos de índole Nacional, com informações sobre a sociedade e as regiões. A nível Internacional, os destaques iam para Política, com os temas a serem extraídos do telex, operado na Agência Noticiosa da Guiné, ANG.
O Jornal era um Bi-semanário e imprimido a preto e branco na INACEP, que funcionava com um parque-gráfico composto de materiais dos anos 50 e 60, alguns até obsoletos, herdados da Imprensa de Bolama, antiga capital, a partir donde era imprimida exemplares do Jornal Arauto, primeiro Órgão de Imprensa Escrita na então Guiné-Portuguesa, antes do “Bolamense” e mais tarde a “Voz da Guine”.
Além da INACEP, que tinha como Director-Geral Augusto César, outros serviços funcionavam no mesmo recinto do Nô Pintcha, nomeadamente a ANG, que tinha como Director o malogrado Pedro João Albino, vulgo PEJOAL, tendo como Redactor-Chefe Zeferino, num staff no qual se destacavam Salvador Gomes, Beto Casimiro, Demba Veríssimo Baldé, Carlos Vaz e companhia, e a própria tutela estatal, Secretaria de Estado da Informação.
O pelouro funcionava com uma estrutura simples, onde além do staff do Secretário de Estado, Zeca Martins, funcionava a Administração. Velez Cabral era o responsável deste serviço, coadjuvado por Paulo Barbosa, tendo nas Finanças a Cristina, que acumulava os Recursos Humanos, e a Conceição. Mais tarde veio gente nova como Milocas, Berta e alguns estagiários.
Voltamos ao meu percurso inicial como jornalista. A minha segunda indigitação foi para cobrir a entrega de um carregamento de medicamentos provenientes da Europa de Leste. Desta vez, tive o “coaching” de Demba Veríssimo Baldé, um colega da ANG, hoje um dos prestigiados quadros do sector do ensino.
No fim de uma cerimónia improvisada em plena pista do Aeroporto Osvaldo Vieira produzi mais uma reportagem que seria publicado na Edição do Jornal. Foi assim, sucessivamente, trabalhando e apreendendo até começar a ganhar “tarimba” de elaborar crónicas, fazer comentários e produzir outras figuras de estilo.
Tinha mais queda com matérias desportivas. Tanto era o hábito de ler o Jornal A Bola, que o meu Pai arquivava religiosamente no “Aparador”, que desde adolescente a literatura futebolística era a minha paixão. Os relatos dos jogos do Campeonato Português também me fascinavam. Era um gosto ouvir o Nuno Bras, António Pedro ou Jorge Prestelo através da Onda Curta da RDP.
Quando entrei para o Liceu, o Centro Cultural Português, que se situa na rua contígua ao edifício que alberga o Kwame N’Krumah, serviu-me de complemento de leitura.
Além das publicações de A Bola, passei a adorar os livros e manuais de histórias satíricas e cómicas como Mickey, Pateta, Pato Donald, Pinóquio.,etc. Também costumava estar disponível neste espaço de leitura de revistas de romances de amor e livros de história dos cowboys da América (Califórnia, Texas, Alaska, etc) e das aventuras das comunidades autóctones índias mais conservadoras, algumas delas endeusando e venerando os seus líderes ancestrais.
Experimentava ler esses volumes só por passatempo, mas, com o andar do tempo, fariam parte da minha colecção de rotina, ajudando-me a enriquecer a cultura geral. Já com o vício da leitura, passei a consumir tudo: Sandokan, Tarzan, Homem Arranha, Zorro, 7-Balas, etc.
No Nô Pintcha conquistei muitas amizades com os colegas da Redacção, pessoal da Administração e de outros serviços adjacentes. Foi também neste jornal que tive acesso às primeiras histórias eloquentes sobre a Luta pela Independência.
As epopeias me eram narradas pelo malogrado Fotografo Agostinho Sá, Combatente da Liberdade da Pátria e aquele que ficou conhecido como um dos guerrilheiros mais tenazes e corajosos nos 65 dias e 65 noites que duraram a Batalha de Komo.
Uma autêntica ángara de heroísmo dos combatentes do PAIGC que se celebrizou no historial da Luta de Libertação Nacional como “início da derrocada dos colonialistas e a conquista das primeiras Zonas Libertadas”, numa das cruzadas de maiores intensidades dos combates, no teatro da Guerra de Libertação.
Trabalhador assíduo, generoso e brincalhão, Tio Agostinho trabalhava durante a semana, recolhendo imagens fotográficas para o Jornal. Morávamos no mesmo Bairro, Ajuda 1ª Fase, e pela circunstância me dava boleia quase todos os dias úteis na sua viatura Dupla-Cabine branca, sempre limpa e acarinhada.
O veículo lhe tinha sido afectado pelo Estado, em jeito de reconhecimento do seu estatuto de Combatente de Liberdade da Pátria. No Jornal, nas tarefas de assegurar o expediente de tirar as fotos e proceder a lavagem das películas (a preto e branco), era coadjuvado por Pedro Fernandes e Manel, sendo frequentemente requisitado para cobrir as audiências, missões e outras actividades da agenda do então General de Divisão e Presidente da República, João Bernardo Vieira, no interior do país e no estrangeiro.
Antes de conhecer o Tio Agostinho de perto, estudei e fiz amizades com a sua filha Alda Agostinho Sá, na Escola Primária e nos primeiros anos do então Ciclo Preparatório do Bairro, no Justado Vieira.
Em Fevereiro de 1981, Tio Agostinho foi dos grandes patrocinadores do Grupo Kassumai, que seria vencedor do concurso de máscaras do Carnaval, manifestação cultural no qual os nossos colegas e artistas plásticos, Sabou Espírito Santos e Djodjo, foram os expoentes máximos, recriando espíritos sagrados dos bijagós como “Turbada di Canhabaque” e outras figuras da ancestralidade guineense.
Outros “Mais Velhos” do Bairro como Silvano, Guta, Dona Manuela, Inácia Spencer e Tio Zé, tinham se associado a iniciativa carnavalesca com as respectivas contribuições em dinheiro ou material.
No fecho da edição 1981 do evento, o júri anunciava na Radiodifusão Nacional os vencedores do concurso carnavalesco, bem como os prémios que iam ser atribuídos aos vencedores – Chão de Papel em Grupo e Bairro de Ajuda na categoria de Máscara – ao que se seguiu a realização da soarée no mês de Junho do mesmo ano, logo que foram concedidas as “férias grandes”, para saborearmos este feito histórico e memorável.
De notar que era a primeira vez que se assistia a distinção de um novo Bairro na “cimeira dos vencedores”, até então marcado pela bi-polarização entre Tchada de “Domingos Camate” e Chão de Papel Varela.
O Jornal No Pintcha era protótipo do serviço em que quase todos eram amigos. Não se notava a discrepância em termos de idades, com as tias Francisca e Mimosa a serem muito abertas no convívio com os mais novos. Desse grupo, o meu irmão Armando Conté, que tinha entrado para o Jornal 6 anos antes, era o mais divertido e extravagante, animando as hostes com gracinhas e algumas anedotas, inclusive com doses de gíria e calão da etnia (mandinga).
O Director-Geral João Quintino, era calmo, parco em palavras e muito discreto. O António Tavares e Quintino Cá tinham quase o mesmo feitio…
Entre as mulheres, a Ivete era a mais extrovertida, com a Odete, esposa do então Ministro da Cooperação, Bernardino Cardoso, e Inácia (sempre sorridente e convivial) a fazerem-lhe companhia. Eurídice Gama não era de muita conversa e por vezes não dava confiança mas era muito simpática e com bom coração.
Não fosse ossos do ofício, seria difícil “desligar” deste tipo de ambiente do Jornal Nô Pintcha para rumar a outras paragens…
E a seguir a este jornal foram muitos locais de trabalho como RDN, Expresso Bissau, Rádio Pindjiguiti, Ministério das Finanças, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Rádio Bombolom, UNOGBIS, UNICEF, ANP. Com regimes de assessoria e colaboração pelo meio, foram, na minha contabilidade pessoal, mais de quinze postos de trabalho, antes de, definitivamente, entrar na vida política.
Hoje, por ocasião de 50 anos percorridos sobre a data da criação do Jornal No Pintcha, coube-se o dever de honra, gratidão e reconhecimentos para me associar às comemorações, redigindo este artigo sobre aquele que foi a escola que, modéstia a parte, me lançou para esta aventura (entenda-se jornalismo), na qual jamais deixei de me rever…
Obrigado Jornal No Pintcha
Por: Muniro Conte, Jornalista e antigo repórter do Jornal No Pintcha