Início Non classé 50º Aniversário do JNP: Um percurso longo e sinuoso, mas gratificante

50º Aniversário do JNP: Um percurso longo e sinuoso, mas gratificante

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A celebração dos 50 anos da fundação do Jornal NôPintcha obriga-me a uma analogia com outro acontecimento de certo modo coincidente: os NLTPS – “Estudos Nacionais Prospectivos de Longo Prazo:  Horizonte – 2025”. Estes estudos propostos pelo Banco Mundial e à cargo do INEP, resultou num diagnóstico aprofundado das aspirações e perspectivas de desenvolvimento da Guiné-Bissau.

Qualquer estudioso da problemática socioeconómica deste país, encontrará nos Estudos NLTPS, entre outras coisas, os diferentes cenários futuristas, mas também as profecias mais enigmáticas e aterradores – sinais dos tempos – qual as de Nostradamus, astrólogo francês do século XVI, sobre o fim do mundo, caso o país se resvalasse pelos caminhos de Sodoma e Gomorra… Contudo, as previsões dos NLTPS não foram ao extremo de prever o fim da Guiné-Bissau, mas imaginou o quão conflituosas seriam as nossas querelas políticas que resultariam, entre outros malefícios, no que chamou de“Kobasdidjanfa”

Hoje, os investigadores têm a gigantesca tarefa de descobrir se as nossas profecias estão a ter lugar e de que maneira, por isso devem esquadrinhar os arquivos do jornal Nô Pintcha, onde encontrarão uma “rica fonte de água pura” para se saciarem… Na verdade, as páginas deste jornal, cuja digitalização já se encontra disponibilizada na Internet até o ano 2000, é um verdadeiro requisitório e espelho de toda a vida política, económica, social e cultural da Guiné-Bissau de antes e depois da independência.

De um jornal mural para a tarimba de um jornal a sério…

Foi um privilégio para mim ter podido contribuir para a constituição deste mosaico histórico… Mas, destes 50 anos de percurso, apenas pode presenciar o primeiro decénio. Quando o mister, Eng. Armindo Ferreira, meu treinador no Tennis Clube de Bissau, me perguntou se queria ser jornalista a sério, não escondi a minha emoção. Era Dezembro de 1974, e fui apresentado ao senhor Carlos Lopes Pereira, que já estava nas diligências para a criação do Jornal, que não tardou a ser batizado com o nome de “NôPintcha”, (essa palavra de ordem que mais galvanizava os guerrilheiros nos momentos da refrega).

Numa das salas do primeiro andar do Comissariado de Informação: – “Passas a sentar aqui. Agora, faz de conta… e vá escrevendo qualquer coisa…” – convidou-me Lopes Pereira com um olhar curioso.Com três folhas A-4, duas folhas de papel químico intercaladas, e uma esferográfica, comecei logo a fazer gosto ao dedo. De referir que eu já me preparava para o meu primeiro batismo de fogo neste ofício, com a produção de um jornal mural sobre o desempenho da equipa de futebol do meuTénnis Clube.

E tendo em conta que o meu pai trabalhava desde o tempo colonial na Granja do Pessubé, eu já sabia que Amílcar Cabral era Engenheiro Agrónomo, e por eu ter sido um ouvinte secreto e assíduo da Rádio Libertação, já sabia também da “prioridade das prioridades” que o Partido libertador atribuiria ao sector agrícola no governo do pós-independência. Por essa razão, o primeiro texto que produzi sentado naquela mesa, foi a tecer algumas considerações à volta das potencialidades agrícolas do país.

Neste lapso de tempo, pude testemunhar a chegada e instalação no mesmo prédio, dos homens e mulheres do Cinema da Luta (Flora Gomes, SanaNa Hada, Zé Bolama, Fina,…), vindos de Conakry, e pude ajudá-los na arrumação dos materiais cinematográficos e fotográficos, além de outros documentos do arquivo da Rádio Libertação e os boletins de Propaganda, “PAIGC Actualités”, editados em francês.

“Os jornalistas são as flores da elite …”

Como nem tudo eram rosas, nos primeiros tempos do regime de Partido único, o PAIGC não abria mãos de uma censura velada, em que o Nô Pintcha era mais susceptível que os demais órgãos, devido a sua natureza escrita\impressa e poder de permanência no espaço e no tempo… Essa vigilância político-ideológica contrastava com a necessidade de observância do direito inalienável do povo em ser informado com verdade, e a veleidade do jornalista em querer informar com isenção e imparcialidade…

Na senda da busca de maior protagonismo e prestígio, o sector da comunicação social ganhou na hierarquia das estruturas do poder governativo nos países socialistas, o epíteto de “Quarto Poder”, enquanto que, na Guiné-Bissau, afigurava-se como o “parente pobre” na hierarquia do governo, pois, era apenas um Sub-Comissariado…

Entretanto, a figura de proa do pós-independência, o Presidente do Conselho de Estado, Luís Cabral, nutria uma certa simpatia para com a classe jornalística. No seu marcante discurso sobre “O Estado da Nação”, pronunciado na abertura da primeira sessão ordinária da II Legislatura da ANP, isso era notório:

“… sabemos que em qualquer terra do mundo, os trabalhadores da informação, jornalistas, repórteres, são flores na elite dos trabalhadores dessa sociedade…Em toda a parte os jornalistas merecem um grande respeito porque podem influencias a opinião do povo, a maneira de pensar de uma pessoa… Tanto podem pegar num trabalho pequeno e dar-lhe grande valor, como podem fazer esquecer um trabalho de grande valor. Se eles não o anunciarem, ninguém tomará conhecimento…”

Eu pude atestar esse afeto do Presidente Luís Cabral para com os jornalistas, porque o acompanhei várias vezes nas suas digressões pelo interior do país… Fora da agenda de trabalho, pude dialogar de forma calorosa com ele e, numa dessas ocasiões, revelou-me uma interessante anedota que Amílcar Cabral contava com frequência, e que espelhava a sua visão futurista do que viria a ser o funcionário público do pós-independência. E de tão interessante que foi essa extensa anedota, que a converti num conto, que consta do meu primeiro caderno – “Doze Contos Pátrios”, com o título: “O Cabrão do Senhor Administrador”.

A liberdade de imprensa e os ventos da democracia

Entretanto, houve várias tentativas goradas, quando os jornalistas do Nô Pintcha ensaiaram encabeçar a ação de criação de uma Associação de defesa da classe. Esbarravam-se sempre com alguns desincentivos, que só vieram a atenuar-se quando os ventos da democracia começaram a soprar nos anos 80\90. O nosso colega, o Fernando Jorge Lopes Pereira, foi quem mais se empenhava na elaboração dos estatutos e outros regulamentos, tanto assim que acabou por colaborar com a UJAO, Associação sub-regional de Jornalistas, e a FIJ – Federação Internacional de Jornalistas.

Aminha postura nesses cenários de busca de alguma consideração de um regime não-democrático tinha contornos mais subjetivos. Por exemplo, quando a estrutura político-partidária denominada – “Comité do Partido do Local de Trabalho” – quis impor que todos os jornalistas tinham de ser militante do Partido, e eu recusava, categoricamente, a preencher a ficha de inscrição anual de militantes; nesta situação, comecei a ser tratado como persona-non-grata, e na eminência de receber um estatuto de incompatibilidade…

Por outro lado, o Estado, que dispunha do monopólio dos órgãos de comunicação social, não tinha vocação para promover um jornalismo de investigação, o que eventualmente o poderia ajudar no combate a uma corrupção galopante, pela simples razão de que os alvos de qualquer investigação seriam os próprios governantes, que punham e dispunham dos recursos do país ao seu bel prazer… Um jornalista que tentasse investigar as ilegalidades, como o desvio para os países vizinhos de produtos alimentares e outras mercadorias oferecidas pela comunidade internacional, era pisar uma linha vermelha, que podia custar ir para as ruas da amargura…

Porém, o aparecimento da Internet e das subsequentes redes sociais nos meados dos anos 90, e a sua rápida diversificação e disseminação pelo mundo, veio pôr termo a esse monopólio, pelo Estado, dos órgãos de informação, e as propriedades privadas e elitistas dos mesmos, para dar lugar a uma democratização planetária nunca vista dos mesmos. Até a captação de imagem fotográfica e em vídeo, e a sua partilha, não escaparam à essa “pandemia”, tendo os mesmos ficado ao alcance de qualquer cidadão comum, e bastava apenas adquirir um simples telemóvel.

À guisa de conclusão: Escrever um artigo de fundo para marcar uma efeméride desta natureza é um desafio tão apaixonante que nos chega a levar para um beco sem saída: o de sermos obrigados a escolher, à pinça, de entre os mil temas que devemos abordar. Acabamos por deixar de lado um grande volume de material que é um desperdício deitá-lo fora… No meu caso, acabarei por publicá-los na minha página do Facebook, para o deleite dos meus amigos.

 * – Dados Biobibliográficos:

Fernando Eduardo Marques Perdigão é cidadão da Guiné-Bissau nascido em 1954, e pai de quatro filhos. É Jornalista e membro fundador do “Jornal Nô Pintcha” desde 1975. É detentor de uma Menção Honrosa seguida de um Primeiro Prémio Literário “José Carlos Shwarz” na categoria de contos (2011/12); autor do romance: “O Retorno dos “Gans” (2013); membro fundador da AEGUI (Associação dos Escritores da Guiné-Bissau) e também do Pen-Club da Guiné-Bissau.

Por: Fernando Perdigão      

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