O sistema de ensino da Guiné-Bissau enfrenta desafios estruturais profundos que têm comprometido o desenvolvimento do país e o bem-estar de gerações inteiras.
As dificuldades no acesso à educação, a baixa qualidade do ensino e a fragilidade na governação do setor educativo constituem problemas crónicos que exigem um diagnóstico crítico, profundo, inclusivo e abrangente, bem como a implementação de soluções estruturantes.
Compreender a origem e a extensão destas questões requer a identificação das suas causas em todas as dimensões que têm condicionado a evolução normal do sistema educativo e, consequentemente, comprometido o desenvolvimento do país.
O acesso à educação na Guiné-Bissau continua a ser um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento. O país enfrenta uma taxa elevada de crianças fora do sistema educativo nas zonas rurais, particularmente nas regiões de Bafatá, Gabu e Oio, onde a distância até às escolas e a falta de infraestruturas adequadas tornam o acesso ainda mais difícil. A escassez de recursos financeiros e materiais, a falta de transporte escolar e a insegurança em algumas regiões (Cacheu e Oio) agravam o problema.
Dados de organizações internacionais, como a UNESCO, o UNICEF e o Banco Mundial, indicam que o acesso à educação primária, embora tenha melhorado nas últimas décadas, ainda é insuficiente para garantir uma cobertura universal. Segundo o relatório do Banco Mundial de 2020, cerca de 50% das crianças em idade escolar na Guiné-Bissau ainda não frequentam a escola, e a taxa de abandono escolar precoce é altamente alarmante.
A legislação vigente, nomeadamente a Constituição da República da Guiné-Bissau e a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE), garante o direito universal à educação (i.e. educação para todos). Contudo, carece de mecanismos claros e eficazes para a implementação plena deste direito de primeira geração, revelando uma lacuna normativa, em particular no que diz respeito à operacionalização das disposições previstas na LBSE.
O Plano Sectorial da Educação (PSE) 2017-2025, que orienta as políticas públicas do setor, reconhece a importância de aumentar a cobertura educativa, mas a sua implementação tem sido dificultada por uma gestão pública frágil e pela falta de recursos.
Formação de professores
A qualidade do ensino na Guiné-Bissau é outro problema crítico. Embora o país tenha feito progressos no aumento da taxa de escolarização, a formação e a capacitação dos professores continuam a ser uma grande lacuna.
Muitos dos profissionais de ensino no país carecem da formação científica e pedagógica necessária para garantir uma educação de qualidade, o que se reflete no baixo desempenho académico dos alunos e na alta taxa de abandono escolar, bem como numa elevada taxa de repetência.
Dados de avaliação nacional indicam que apenas 35% dos professores têm formação adequada (científica e pedagógica) para lecionar, uma percentagem muito abaixo da média regional da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), que é de 70%.
Além disso, as infraestruturas escolares também são deficitárias, com muitas escolas carecendo de salas de aula adequadas, equipamentos didáticos, recursos pedagógicos essenciais e acesso às tecnologias de informação e comunicação. A falta de livros escolares e outros recursos pedagógicos essenciais compromete ainda mais a qualidade do ensino.
A Carta Política do Sector da Educação na Guiné-Bissau (2017-2025) e outros instrumentos do Ministério da Educação têm tentado abordar estas questões, mas os resultados têm sido limitados, principalmente devido à escassez de financiamento e à falta de uma gestão eficaz dos recursos disponíveis.
Incapacidade administrativa e técnica
A governança do sistema educativo guineense também é um ponto de grande fragilidade. A descentralização da gestão escolar, embora prevista na orgânica do Ministério da Educação, é praticamente inexistente em muitos casos, o que impede uma gestão eficiente e a adaptação das políticas às realidades locais. As Direções Regionais de Educação (DREs), responsáveis pela coordenação da educação nas regiões, carecem de recursos e de capacidade técnica e profissional para executar suas funções de forma eficiente.
O Ministério da Educação, apesar de várias tentativas de reforma, ainda sofre com a falta de capacidade administrativa e técnica, com a escassez de quadros qualificados para gerir o sistema. Além disso, a instabilidade política que caracteriza a Guiné-Bissau afeta diretamente a continuidade das políticas educativas. As constantes mudanças de Governos e a falta de visão estratégica de longo prazo contribuem para a falta de consistência nas ações e na implementação de reformas.
A ausência de um planeamento eficaz e a falta de operacionalização dos mecanismos de monitorização e avaliação dificultam a avaliação dos progressos e a identificação de reajustamentos necessários.
Os principais problemas no sistema educativo guineense têm causas que podem ser agrupadas em três categorias interligadas: profundas, adjacentes e imediatas. Entre as causas profundas destacam-se a pobreza generalizada, a instabilidade política e a falta de investimentos públicos sustentados a longo prazo, que refletem a fragilidade estrutural do país e limitam a capacidade do Estado em atribuir à educação a prioridade necessária.
Nas causas adjacentes, sobressaem a ausência de uma cultura de valorização da educação, particularmente nas zonas rurais, bem como a elevada taxa de analfabetismo entre adultos, que dificulta o engajamento da sociedade no processo educativo.
A fraca articulação entre o setor educativo e outros setores fundamentais, como a saúde e as infraestruturas, também contribui para agravar o cenário.
Por fim, entre as causas imediatas incluem a escassez de recursos financeiros, a insuficiência de professores devidamente qualificados, a carência de supervisão adequada nas escolas e a inexistência de um sistema eficaz de avaliação integral do sistema.
Portanto, estes desafios requerem respostas céleres e concretas, através de uma abordagem integrada e coordenada, que atenda às suas múltiplas dimensões estruturais, sociais e operacionais, com vista à melhoria da qualidade do ensino no país.
Mestre Amido Jaló, Especialista em Programas de Desenvolvimento e Governança